À guisa de qualquer criatividade,
poderia se usar o adjetivo casmurro, como no clássico literário, sem que fossem
cometidos crimes autorais ou absurdos comparativos.
Taciturno também poderia cair muito
bem como carapuça ou luva naquele ser que perambulava sobre a terra sem maiores
pretensões do que existir e, sem esforço algum, aborrecer este ou aquele
passante que ousasse direcionar-lhe um sorriso.
Não era por mal que andava carrancudo
ou cabisbaixo. Não era por mal nem que existia. De fato, não conhecia a maldade
e nem a praticava. A quem lhe perguntasse, por cisma, o motivo do silêncio ou da
opacidade, justificava-se apenas colocando a culpa no mundo que já não ia mito
bem há tempos.
Quem o observava de longe era capaz
de afirmar, de certo, que se tratava de apenas mais um homem fechado, desses que
se cercam de seu egoísmo e já nem o espelho aceitam por companhia, por temer
dividir-se em dois.
A ausência de vícios não lhe
favorecia. O mau gosto pela vida nem era mais notado. E tamanha tristeza só
conseguia ser maior que o velado desespero de um coração solitário como um lobo
que teimava em habitar-lhe o peito.
Ainda tinha gosto pela poesia, mas já
perdera o viço das rimas.
Ainda tinha gosto por quadros, mas as
tintas eram desbotadas.
E seu pobre coração-lobo, uivava nas
madrugadas longas e insones uma canção tão comprida e estridente que nem com o
travesseiro era possível abafá-la.
Assemelhava-se com uma ostra fechada,
mas parecia não ter nenhuma pérola a oferecer, senão, um sorriso muito branco,
muito inexpressivo, muito lugar comum, que não refletia tampouco o que sentia.
Talvez fosse, na verdade, um casulo
em metamorfose, aguardando, ansioso, o momento do despertar. Aguardando a boca
fresca de aurora a lhe chamar o nome e devolver a vida, roubada em uma das
esquinas do tempo, quando os planos feitos foram jogados pelos ares e o chão
desabara.
Talvez esperasse a leveza do vôo de
cabelos soprados pelo vento que lhe acariciariam a pele e trariam à tona as
esperanças enterradas nas sombras do esquecimento.
Talvez esperasse ouvir o seu nome
cantado como o som de cotovia ao raiar do dia, mas já fazia ouvidos moucos a
toda voz que a ele se dirigia.
Talvez vivesse de esperas e
esquecera, de fato, que os passos precisam ser dados para existirem. Talvez tivesse
se esquecido do que era a ação e, por isso, parecia ser tão estático.
Talvez tivesse esquecido o que era a
alegria de ser amado e já não amava entregue aos medos que lhe cercavam e que
acabaram por domina-lo.
Talvez esperasse que um anjo abrisse
o céu e lhe estendesse a mão de luz para salvá-lo, mas ainda tinha os olhos
fechados para qualquer luminosidade que se atrevesse.
Talvez tivesse aprendido a ser uma
quase estátua. Um ser sem ser. E, a essa altura da vida, proteger-se debaixo de
seu chapéu envolto a um sobretudo era tudo o que lhe havia sobrado.
Sobrava na vida. Não sabia mais como
ser reintegrado, fadado ao seu silêncio e monotonia.