Visitas da Dy

domingo, 12 de julho de 2015

Lilaceae



Casmurro. O mundo anda casmurro. Até alguns poetas andam assim. Teimosos, provocando em si mesmos sufocamentos terríveis, pois, tendo recebido as penas como dom, escolhem fugir delas.
Ora, aquele que muito sabe das dores não deve ser recolhido em si e nem insatisfeito com a vida. Que se arme com a palavra. Que faça o vermelho-tinto (ou tinta) valer a pena.
Aquele que sabe prestar a atenção às batidas do coração não deve se calar. Deve ser como o sol depois da chuva, porque o mundo carece de quem o sabe entender.
Quem sabe fazer da vida um apanhado de gestos leves é como quem colhe uma flor no seio da manhã e se alimenta de ares novos que acalmam como disco antigo na vitrola.
Sorrisos largos e grandes apontam o caminho ou aumentam a vontade de ficar: depende das cores que eles usam para nos prender - em nós e/ou neles mesmos - e nos levam a descobrir, então, toda riqueza que existe nas elementares e simples curvas de ombros amigos, de dedos entrelaçados, de histórias inexplicavelmente cruzadas.
Há em toda vida um conjunto espontâneo, livre, autônomo e misterioso de acontecimentos que se liga um a um como versos de um poema e faz-se, assim, a perfeição do que é viver: enfrentar reticências, vírgulas, interrogações, deliciar-se com exclamações e, por fim, se não, enfim, o ponto que desejamos evitar, mas que é certeza: o final.
Não é que haja ou caiba uma linguagem própria para se ver, ler ou explicar o mundo. Não são nem as vozes de ontem nem as de hoje oráculos sagrados.
O que nos cabe é aceitar a fórmula do acaso e encontrar ao próprio modo algo que valha a pena.
Se há algum alento, atesto que existem pessoas mágicas, que flertam com a loucura e com a lucidez, não sabendo distingui-las. Equilibram-se na corda bamba, sem rede, da sensibilidade. A essas pessoas, sim, são reservadas as penas - de dores e de tinta e de levezas - e espera-se que esses seres não se fechem, não teimem contra as palavras que lhes brotarão aos ouvidos e saltarão até pelos poros imersos em madrugadas.
Espera-se que essas pessoas aceitem esse poder em suas mãos. Aceite-o como um dom. E que se façam das palavras seus órgãos vitais para sobre-viver (e voar) (a)o mundo, que precisa de quem sabe ver além.

Espera-se, quase de maneira egoísta, que esses, aos quais a cor não falta aos olhos, que dispensem os óculos escuros e que espalhem seu dom aos outros. Mais que generosidade, é uma questão, um modo de vida.

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