Visitas da Dy

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Eternidades



Fim de tarde. Início de noite. Esses limiares nunca foram muito bem entendidos ou definidos por ela. Também nunca foram respeitados, como as horas. Ah, e quantas horas ela já não tinha perdido! Não conseguia fazer as pazes com o relógio.
Nos últimos dias já não conseguia fazer as pazes com o tempo, que gritava meio rouco em seu ouvido, dizendo que passa acelerado e sem pedir permissão. Esse tempo que mastiga planos, que não espera um novo amanhecer, que é implacável e quase cruel.
Ela não aceitava o tempo-medida, sem medida certa para as pessoas. E talvez até para ela mesma. Era uma não-aceitação fundamentada especialmente no que não entendia: o tempo, às vezes, era generoso às avessas. Deixava-se levar por quem parecia não o merecer e se extinguia daquelas pessoas que deveriam merecer a eternidade.
Tão difícil pensar que se poderia julgar quem merece ou não mais tempo. Mas ela, agora, pensava que tinha essa função. Mentalmente fez uma lista de quem poderia ter as horas extintas e quem deveria, por sorte, ter algum acréscimo de vida. Politicamente correta, pensou em eliminar do mapa as pessoas más, que promoviam guerras, fomes e toda sorte de mazelas. Muito tendenciosa, doaria tempo àqueles a quem amava e a rodeava.
Tola demais! Gastou seu tempo e sua energia em empreitada já fadada ao fracasso. Mas era uma tentativa de acalmar seu coração agalopado pela consciência do fim de tudo e todos.
Sentia muito. Vivia à flor da pele. Apesar de não ser uma mulher alta, em sua mediana estatura cabia um coração largo, amplo, com bastante espaço para o amor. E cultivava esse amor como o jardineiro cuida de uma flor rara, com atenção, dedicação, sinceridade.
Muitas vezes ela se permitia a pensar em como era sentir tanto. Chegava a pensar que sentia mais que os outros. Mas se convencia que amor não se mede. E para aliviar, só sorria.
Em finais de tarde ou início de noite como aquele em que se experimentava as quatro estações do ano em um único dia, ela se permitia sentir um pouco mais e mais, permitia-se mostrar tudo o que lhe agitava o peito e, se não falava, escrevia, se não escrevia, chorava.
Depois que o céu desabotoou as suas nuvens e a chuva renovou tantas esperanças enquanto escorria pelas escadas e calçadas das ruas que ela passava, tomou um bocado da água nas mãos. Fez poça d’água, lago transparente afogando a sua linha da vida. Tinha na palma das mãos um novo aprendizado: seremos afogados pelas águas do tempo. Teremos nossas linhas da vida, do amor, do sucesso, paralelas, retas ou curvas, todas afogadas, aos poucos apagadas, esquecidas.
Naquele dia, ela experimentava, em si mesma, as medidas dos amores que carregava. Experimentava o que era escolher quem levar pelos seus dias afora e teve a certeza de que a-m-a-v-a.
Ela amava. Isso era o que sabia e o que as palavras não diziam. Poderia se esforçar procurando em todo o dicionário e não encontraria em todo o léxico algo que a expressasse.
Ela chorou. Feito criança perdida. Feito um desconsolo. Até soluçar, não se importando com onde estava, com quem a olhava, com nada mais além do que sentia. E o céu desabou mais uma vez, em chuva fria, cristais transparentes anunciados pelas vozes dos trovões, talvez em solidariedade, talvez para misturar-se às lágrimas dela e mostrar que, mesmo que parecesse, não estava sozinha.
Poderia ter sido, talvez, só uma coincidência ou um capricho de Deus, mas por um segundo pensou que o céu chorava com ela, arrependendo-se de ser a morada de pessoas que mereciam mais tempo ou alegrando-se por receber preces que seriam atendidas. Ela já não sabia muito bem o que pensar do céu. E nem queria pensar nisso. Agora, só chorava.
Aquelas lágrimas já tinham sido contidas, mas fizeram-se queda livre da nascente castanha que observava tudo e pouco falava, sofrendo da falta de palavras que sequer lhe era habitual. Ela chorou e lavou a alma e descobriu que o amor é saber-se finitamente infinito, voltou a crer no impossível, renovou a fé e sorriu.

Descobriu que o tempo sempre é suficiente. Os olhos é que não o sabem sentir. As mãos é que não o sabem transformar. As pessoas é que não o sabem compreender e aproveitar. É que essas coisas de eternidade não se medem no relógio ou no calendário, só se sentem.

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