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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Entre Moiras e Clio, A Filha da Noite



Já estava acostumada à insônia. De tanto não dormir, acostumara-se a usar a madrugada como seu tempo-espaço próprio para pensar.
O sono já se configurava em seu inimigo. Uma completa perda de tempo. Aquela semimorte em que o corpo se entregava já deixara de ser necessária para ser irritante e quase desnecessária.
Quantos planos, quantas confabulações não deixariam de ser feitas em uma noite de sono profundo? Não! Dormir não era tão essencial. Pensar é que era!
Ao ler em algum lugar que ao final da vida pouco mais de um terço dos nossos dias seriam desperdiçados nos braços de Morpheu, desesperava-se. Gostava da praticidade e das urgências. Perder-se em mundos oníricos não era para ela.
Quanta vida pulsava nas veias da madrugada! Quantos mundos a serem descobertos! Quantos noturnos não nasceram das horas mais escuras, mais solitárias! Quantos sons não foram criados só para romper com aqueles silêncios ensurdecedores que só a noite sabe reproduzir!
E os amores? Quantos haviam sido desfeitos e outros tantos nasceram. Quantos gritos abafados pelos travesseiros ou pelas mãos que preferiam desabafar em notas harmônicas ou em versos ritmados. Quantas musas inspiradoras repousavam enquanto o observador fiel descrevia seus traços em mármores e telas encharcadas de tintas.
Ela era um ser da noite. Uma coruja, um gato pardo solitário, uma mariposa dessas de luzes corriqueiras, de ruas sem charme, sem passos em prumo. Sentia-se como um daqueles caderninhos de segredos que só são destrancados nas penumbras, que se fazem em confissão e selam preces para que ninguém as revele até que percam o sentido.
Era na noite que sentia que tinha veias, membros, que tudo pulsava. A poesia lhe jorrava como se houvesse um corte no pulso que não estacava, mas que também não lhe mataria de nenhuma verborragia. Ao contrário, lhe daria muito mais vida.
Cabia à noite organizar aquele desfile de ideias e imagens, que ao mesmo tempo em que deixava a moça inquieta, trazia paz, uma paz de espírito que poucos entendiam, porque ainda acreditavam no sono.
Para ela, o sono não era salvação, talvez adiamento, e isso não a agradava. Gostava de soluções, de tudo esclarecido na primeira hora, de quitações à vista de todos e sem prazos, sem postergações.
Distanciava-se um pouco do presente à noite. Era uma espécie de pausa entre o ser e o estar que ela gostava de experimentar e, às vezes na janela, contava as brasas das pontas dos cigarros que teimavam em cair de outras janelas ou olhava para as estrelas tentando entender as constelações.
Tinha a necessidade de perder-se nessa fenda de tempo-e-espaço (andurriais), onde encontrava sua inspiração, seu presente, escrevia seus enigmas e perdia suas preces no cansaço de tantas pessoas.
Sentia-se livre na noite. Sentia-se parte dela, intrínseca. Sentia-se parte daquele infinito de escuridões e iluminações paradoxais que sua alma experimentava enquanto velava o sono da maior parte da cidade. Sentia-se dona daquele tempo quase estanque que a cercava nas madrugadas.
Deslocava os ponteiros do relógio com a ponta dos próprios dedos, entre as Moiras e Clio, escrevendo histórias, traçando destinos, olhando o passado, respirando o presente, vendo o sol quase a conta-gotas, levantar-se de algum lugar onde já se escondera também um arco-íris, pouco importando se se tratava de um mar ou uma montanha.

Desfazia-se em paixão nas noites. E as estrelas lhe davam a leveza necessária para que pudesse se desprender das utopias ao raiar do novo dia e um chá lhe renovava as forças para o despertar do mundo, porque o dela acontecia toda vez que a noite caia.

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