No dia em que eu pressentir que o meu fim está
por chegar, mandarei avisos a quem interessar. Para todos que os receber, uma
única recomendação será dada: que corram até a janela.
Quando as minhas horas se extinguirem, serei
visível das varandas e alpendres. Chegarei de leve, com o vento, e logo que a
noite vier, caberão, a todos os ouvidos, partes de meus segredos, sussurrados entre
as badaladas noturnas dos carrilhões que ainda resistirem ao tempo.
Os versos que escrevi estarão livres e voarão,
dispersos em tons de azul e prateado, combinando com a cor da noite, com as
fagulhas das estrelas, com as espumas de tantos planos não concretizados que,
empoeirados, foram esquecidos nos cantos mais escuros das pessoas.
As rimas que não ousei serão as companheiras
dos planetas destituídos de sua posição, vagando Plutões de solidão e de
vontades contidas. Palavras mudas, letras mortas e pétalas caídas, cenários de
idas, vindas e tentativas frustradas.
Dissolverão todas as tristezas nas penumbras
da lua e seus crescentes desejos em ser nova e restarão as alegrias cheias, sem
nenhum minguante assombrado. Nenhum rosto será esquecido. Nenhuma risada será
silenciada. Há de se fazer festa pelos céus lácteos e as preocupações se
lançarão nas nebulosas para nunca mais reencontrarem os caminhos de nossas
casas.
Os nomes serão pronunciados em vozes altas e
firmes e o mar e suas ondas e inquietudes não rugirão tão alto e não calarão nem
frases feitas, nem palavras de efeito. Caberá a ele apenas apagar todos os
mal-ditos e os não-quereres e levará para o seu profundo todos os excessos de silêncios sufocantes.
Abrirão todas as bocas porque os ares serão de
poesia e encantamento. Todo coração irá se acelerar e toda velocidade para o
sangue será pouca: o amor não saberá mais esperar.
Toda noite será curta e todo o dia não bastará,
porque uma ampulheta terá se quebrado e dela, não cairá apenas areia – ou tempo
– mas uma alma que ansiava pela liberdade das horas tantas que foram poucas e
que mesmo conhecendo amplitudes, sonhava com a imensidão e o ruir das horas será
um passo para o abismo, para o abrir completo das asas.
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