Como quem recebe cada aplauso que cai das gotas grossas e barulhentas
das noites de chuva, ela permanecia ali, de pé, ao centro de sua própria vida.
Do lado de fora da janela, entre os respingos no vidro, quem a olhasse imaginaria
ser uma bailarina ou uma atriz, cumprimentando o seu público só com o olhar.
Recebia cada gota daquela chuva como se fosse para ela. Bebia cada uma
delas. E ainda assim sentia a garganta seca. Poderia beber a Guanabara, o Paranoá,
o Nilo, o Karun e toda aquela secura que sentia não passaria. Ela se conhecia.
Buscava um meio de tornar as palavras ditas tão ásperas um pouco mais
macias. Era esse o objetivo. Já as tinha molhado com as suas lágrimas e nada
resolveu. Agora bebia da chuva. Bebia um pouco de si mesma.
Olhando à sua volta, imaginou-se rabiscando as suas paredes com seus
próprios medos e, em seguida, apagava-os. Dava certo: dessa forma, livrava-se
deles quase que automaticamente. Por isso a chuva seria uma saída para tudo o
que havia dito de maneira dura: molharia os lábios, a língua, as palavras e,
com sorte, amaciaria o seu coração e os ouvidos feridos pelas arestas do mal
dito.
Não adiantou. A metáfora da água da chuva era ineficaz. Ela precisava
beber do outro. Precisava absorver o que o outro lado, outra fonte de água,
teria para lhe oferecer. As pessoas são únicas. Os pensamentos são únicos,
indomados, leves e levados pela correnteza. Carregam parte de seu autor, mas muito
lhe é acrescentado por aquele que os ouve. Essa era a questão. Era preciso fundir
as palavras em um cadinho. Era preciso ajuntar ideias, digeri-las.
Diálogo.
Diálogo.
Enquanto só falasse, nada seria pleno. Era preciso, nesse momento calar.
Era preciso ouvir. Era preciso o encontro exato entre uma das necessidades mais
latentes dos homens: ouvir e ser ouvido. Era esse o seu desejo agora.
Era exagerada. Ampliava todos os seus sentimentos e suas paixões e seu
desejo de ouvir era imenso. Sentia que precisava explorar as palavras do outro
lado. Testar cada eco, cada som. Mas havia
a distância. O que poderia fazer era ligar.
Num instante de oito números ouviu as primeiras palavras que lhe
entraram não pelos ouvidos, mas pela alma e lhe deixou a pele arrepiada. Não sabia o
que dizer. E nem o outro lado da linha sabia o que dizer. Na falta das palavras
ela ouviu o silêncio. Ouvia a respiração.
Reordenava os pensamentos a cada inspiração. Percebeu que não precisava
das gotas da chuva. Percebeu que em certos momentos tudo o que se precisa é
calar. E se não há nada para ouvir, só o silêncio basta. Só a companhia calada
de quem sabe medir as palavras e entender que para certos casos, todo peso,
toda medida pode ser demais e, por isso, o pouco pode ser muito. Percebeu que suas
doses já tinham sido derramadas em goles muito grandes e que já não colheria o
leite, o vinho ou as palavras derramadas, mas poderia, dali para frente ser
mais cautelosa, mais silenciosa, mais suave.
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