Visitas da Dy

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Absorção



Como quem recebe cada aplauso que cai das gotas grossas e barulhentas das noites de chuva, ela permanecia ali, de pé, ao centro de sua própria vida. Do lado de fora da janela, entre os respingos no vidro, quem a olhasse imaginaria ser uma bailarina ou uma atriz, cumprimentando o seu público só com o olhar.
Recebia cada gota daquela chuva como se fosse para ela. Bebia cada uma delas. E ainda assim sentia a garganta seca. Poderia beber a Guanabara, o Paranoá, o Nilo, o Karun e toda aquela secura que sentia não passaria. Ela se conhecia.
Buscava um meio de tornar as palavras ditas tão ásperas um pouco mais macias. Era esse o objetivo. Já as tinha molhado com as suas lágrimas e nada resolveu. Agora bebia da chuva. Bebia um pouco de si mesma.
Olhando à sua volta, imaginou-se rabiscando as suas paredes com seus próprios medos e, em seguida, apagava-os. Dava certo: dessa forma, livrava-se deles quase que automaticamente. Por isso a chuva seria uma saída para tudo o que havia dito de maneira dura: molharia os lábios, a língua, as palavras e, com sorte, amaciaria o seu coração e os ouvidos feridos pelas arestas do mal dito.
Não adiantou. A metáfora da água da chuva era ineficaz. Ela precisava beber do outro. Precisava absorver o que o outro lado, outra fonte de água, teria para lhe oferecer. As pessoas são únicas. Os pensamentos são únicos, indomados, leves e levados pela correnteza. Carregam parte de seu autor, mas muito lhe é acrescentado por aquele que os ouve. Essa era a questão. Era preciso fundir as palavras em um cadinho. Era preciso ajuntar ideias, digeri-las. 
Diálogo.
Enquanto só falasse, nada seria pleno. Era preciso, nesse momento calar. Era preciso ouvir. Era preciso o encontro exato entre uma das necessidades mais latentes dos homens: ouvir e ser ouvido. Era esse o seu desejo agora.
Era exagerada. Ampliava todos os seus sentimentos e suas paixões e seu desejo de ouvir era imenso. Sentia que precisava explorar as palavras do outro lado. Testar cada eco, cada som. Mas havia  a distância. O que poderia fazer era ligar.
Num instante de oito números ouviu as primeiras palavras que lhe entraram não pelos ouvidos, mas pela alma e lhe deixou a pele arrepiada. Não sabia o que dizer. E nem o outro lado da linha sabia o que dizer. Na falta das palavras ela ouviu o silêncio. Ouvia a respiração.
Reordenava os pensamentos a cada inspiração. Percebeu que não precisava das gotas da chuva. Percebeu que em certos momentos tudo o que se precisa é calar. E se não há nada para ouvir, só o silêncio basta. Só a companhia calada de quem sabe medir as palavras e entender que para certos casos, todo peso, toda medida pode ser demais e, por isso, o pouco pode ser muito. Percebeu que suas doses já tinham sido derramadas em goles muito grandes e que já não colheria o leite, o vinho ou as palavras derramadas, mas poderia, dali para frente ser mais cautelosa, mais silenciosa, mais suave.

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