Visitas da Dy

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Viajante





Sou viajante do tempo e das estradas,
Das histórias e dos nomes,
E não quero pousio em leito seco de rio.
Tampouco faço milagres de renasceres:
Minha magia, antes de tudo, nunca lhe coube.
O que brota em ti é de tuas profundezas,
São tuas entranhas mostrando a essência:
Os quereres são autônomos,
Selvagens e dominam o encantador 
Mais do que são dominados.
Talvez eu seja aquela que me arrisque,
Que cavalgue seus desejos,
Que os acalme tanto quanto necessário
E os deixe apaziguados, saindo ainda na madrugada
Porque não me cabe pousio 
Em leito de rio seco
(Nunca matam minha sede por completo).
Quero antes a aventura,
O desafio, a ventania
Porque já tenho em meu peito
Muitas sombras e vazios
E dispenso isso que parece chamar de precauções.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Suspiro




Bateu um coração
A tempo e à hora:
Certos do encontro, do amor,
Mas, ainda era na aurora
E antes do amadurecimento, 
A poda outonal.
Outras sementes florescerão
E teremos primaveras e verões,
Mas, no grande ciclo, 
O inverno também é caminho.
E ainda que tenhamos na lembrança
Algo que tenha durado um suspiro,
Já mora no Palácio da Memória
E, para a saudade, isso basta.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Praepotens





É possível que me chegues dia desses
Tão logo deixemos de contar o tempo
E que me tomes como tema cotidiano,
Sem alardes, sem anúncios, sem pompas.
É possível que me percorras os poros
E me transbordem sensações.
Periódicos deságues tão intensos quanto profundos.
É possível que eu siga prepotente,
Rejeitando culpas, açoites, maçãs e julgamentos
Porque de ti quero dentes e unhas
Mordidas e fomes.
Eu serei a saciedade.

domingo, 24 de maio de 2020

Fomes




É tudo tão bonito e desigual.
Na mesma paisagem que te quero
Bocas e beijos e dentes e prazeres,
Outros desejam de boca aberta
A saciedade, o pão e a água.
São tantas fomes que constrangem.
De certa forma, minha boca espera suas cores:
Devo sorver seu mistério ao avesso,
Decifrando o azul, o vermelho, o negro, o tinto
Entre a boca, a taça, o agora e o sono.
Porque em alguma ordem o caos acontece
E joga na minha cara a dicotomia legítima da vida:
Todos querem tudo, mas, tudo é diferente.
A mesma paisagem abre bocas de diferentes formas
E eu prefiro o contorno da sua
Enquanto finjo não ver as outras
(Necessidades)
- Se me permite, até sorrio
Mesmo sabendo que ainda há fome.

sábado, 23 de maio de 2020

Ad Kalendas





Deixei de esperar as calendas
Que, de novidade, me trariam teus sons.
Às nonas teci longas histórias
Ainda à espera das travessias de terras,
E de tuas triunfais entradas entre as montanhas.
Em meus sonhos eu o observava do alto.
Não por supremacia ou orgulho,
Mas, por sedição, dissimulação de quereres.
Agora, acostumada aos idos
(Já não conto os nomes primeiros, terceiros, quintos),
Reconheço tanto a estação quanto meu corpo:
Fonte de sumos de frutas adocicadas.
Sazonal desejo de águas represadas
De um janeiro a outro dezembro
E continuou à espreita, na janela.
Sei que me chegas.
Não sei se me alcanças.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Carnaval de Todo Dia




Cá de onde eu óio o mundo
Das lonjuras da terra,
Mais pertim das nuvem,
Eu me encanto toda hora
Com as cor das borboleta:
Um monte de confente no céu.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Bebendo a Lua

(Foto de Mário Brazil, em 06/05/2020)

A noite caiu tão séria
Que nem o vinho lhe atrasou.
A lua logo encheu-se e transbordou no céu...
Honesta, mostrando sua forma.
Sinceramente brilhante. 
Igualmente, estamos, nessa noite, distantes
 - Há tanto o que sonhar e criar
Que ater-me em um só lugar é pouco -
Igualmente estamos frias,
À espera da chama que nos aquecerá.
A taça de vinho logo encheu-se e transbordou em mim...
As luzes da cidade ofuscam-me os olhos
Quando virá dividir essa taça comigo?
Quando virá experimentar de meu vinho?
À sua espera, convido a lua:
Hoje vou bebe-la à noite inteira.
Amanhã, eu não sei. 
Talvez beba você.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Nostalgia




(Para o querido amigo Jodenir, em 06/05/2020)

Houve um tempo que eu era intrépido:
Sem planejamentos, inquieto,
Com avidez e voracidade pela vida.
Não! Pelo agora! Pelo presente!
Como se desembrulha-lo fosse urgente.
E era. Eu era visceral como toda juventude.
Agora, com tantos tics e tacs somados em meu relógio,
Bebendo o tempo em taças de saudade,
Cresci... Amadureci... Endureci também...
E a consciência me envolve cada vez mais.
E a nostalgia me cai tão bem quanto a voracidade.
O presente ainda me encanta,
Mas, não rasgo mais o seu embrulho.
Eu o desfruto, ao máximo,
Sendo colorido pelos seus cheiros,
Inspirando seus sabores,
Mais humano, mais habitante de mim
Tão vivo quanto antes, mas, consciente do fim.
(E sem teme-lo nem adia-lo, 
Apenas vivendo)

terça-feira, 19 de maio de 2020

Beleza e Abandono


(Foto enviada por Saulo Otoni e que fez nascer essa poesia, em 05/05/2020)

O vento do outono corta meu rosto
Como já estão cortados meus sonhos.
Dilacerados planos
Abandonados como construção antiga
Largados ao esquecimento,
Mas, ainda envolvidos por certa beleza,
Pela graça da melancolia prateada
Que como um plenilúnio ilumina 
Todos os cantos de minha memória
E você ainda está lá,
Dentro de mim.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Fonte





Endurecemos a cada golpe,
A cada novo inverno.
É preciso buscar as frestas de nossas muralhas,
Desmontar nossas armaduras.
Aos poucos, nós, mulheres, desbotamos,
Mas, resistimos e voltamos a brilhar.
Estamos em qualquer lugar 
Onde a fonte corre 
E o amor não seca...

sábado, 16 de maio de 2020

Mesma Situação, Outros olhares




Canários, calopsitas,
Periquitos, ararinhas
E tantos outros pássaros
De asas confiadas em gaiolas.
Para seus donos: pura beleza.
Para os animais: sobrevivência.
Agora você está aí,
No seu lar aconchegante
E o chama de jaula
Em recolhimento
E o chama de isolamento
Em momentânea separação
E a chama de solidão.
Quem sabe agora aprende
Que ser livre é condição
De alma e pé no chão?
Se acalme, se acalme,
Cante um samba 
Recite um verso
A liberdade vem
É só questão de tempo.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Do Amanhã






Do amanhã, o que vai ser?
Na metáfora da vida,
Somos cães recolhidos,
Lambendo feridas.
Sofremos as penas que procuramos,
Vivemos o caos que instauramos.
Estamos sozinhos na noite escura
Privados de afeto e presença,
Mas, antes que o desespero vença,
Reflita e semeie esperança:
Atravessamos uma madrugada fria,
Mas, de certo, no horizonte
Há outra chance brotando:
Um dia novo já vai amanhecer
Nova vida, nova história.
E do amanhã, o que vai ser?

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Lei da Vida





Quantos anos você tem?
Quantos amores viveu?
Já aprendeu a lidar com sua sombra?
Hoje era dia de feira e você parou.
Hoje era dia de correria e você parou.
Hoje é dia de vida:
De se olhar, se aceitar, se amar.
Hoje é dia de respirar:
Ar puro, ar calmo, harmonia.
Só quando enxergar beleza no dia,
Só quando compreender a poesia
É que terá força pra seguir.
É a lei da vida.
Viva!

(Parar também é viver!)

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Camisa no armário






Por ora, tudo vai bem:
Há vinho, vida e poesia.
Há tempo e sonho e nostalgia.
Agora, sua ausência é bonita
É uma saudade gostosa
De um tempo de descobertas,
Carinhos e magias.
Com o tempo, bebi a mágoa,
Apaguei a brasa da dor
E visto bem a saudade
Materializada em sua camisa esquecida no armário.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Recado






Tudo aquilo que destino aos teus olhos,
Faço chegar como convém.
Com alarde ou sutileza,
Pousam sob teu olhar 
Como a ave à beira do regato.
Exponho-me diante de ti
Como se fosse banhada pela lua:
Entre sombras, mistérios e sussurros
Sem que nada me escape de além.
Apenas o necessário.
Apenas o delicado.
Silhueta sob um véu
Asas para tua imaginação,
Como se eu pudesse povoar-te.
Morar em teus pensamentos,
Dominar os teus desejos.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Sino






Dói-me a saudade,
Mas, de quê?  Não a sei.
Reconheço paralelepípedos de outras ruas,
Frestas em muralhas mais antigas que o tempo.
E meu coração aos pulos e apertos
Como se saísse de um romance 
Escrito à pena, da pena de não se viver.
A alma é inquieta, mas, cansada.
Não aguenta mais a falta de profundidades.
Não aguenta mais buscar o quê
Que nem conhece ou sabe.
Nasci anciã em corpo de donzela
E, por vezes, sinto-me como um sino:
Que retine, encanta, chama, 
Mas, por dentro, só o som paira.

domingo, 10 de maio de 2020

Noites com Sóis






A lua míngua
Como a roupa em meu ventre
O dorso nu
Curvas à mostra, à meia luz
Um convite:
Suas mãos, minha cintura.
Pernas. Lençóis. 
Noites com sóis.

sábado, 9 de maio de 2020

Anterioridades






Antes que essa outra febre me invada,
Antes que confundam meus calores,
Que os atribuam aos vírus,
Antes que eu adoeça
De sua ausência,
Permita-me usufruir de teu corpo,
Decorar tua beleza.
E que eu adormeça em ti
Pouco antes de perder a cabeça.
Que eu sonhe tua geografia
Antes de vagar a esmo
Na escuridão do meio-dia
(Hora mais sombria que a noite,
Hora que teu pensamento me pertencia).
Que eu lhe abra portas e janelas
Em tua chegada macia,
Em tua presença-magia,
Que serão, na falta que me fará
(E que ainda agora faz)
O recanto no qual colecionarei teus risos,
Tuas perdas de siso,
Tua voz chamando meu nome.








sexta-feira, 8 de maio de 2020

Esferas da Vida






Ainda ontem, na madrugada,
Julguei-me só, em isolamento.
Ainda ontem, em desalento,
Tinha certeza de ser apenas fragmentos.
Mãos trêmulas, sem forças,
Sem saber como escrever
As linhas da vida.
Mas, as linhas da vida, magníficas,
Estão em minhas mãos!
Cabe a mim, então, compreender ciclos,
A esfera do viver.
E saber-me parte desse ritmo:
Sou cada gota desse universo
Que habita meu peito.
Sou cada vibração dessa magia
Que é o despertar de si para o mundo.
Se recolho-me agora em outono
É para desabrochar em primaveras.
Tudo é um ciclo.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Cou-de-pied







(*Cou-de-pied, francês, peito do pé, terminologia usada no ballet)

Tenho o peito nos pés:
Vivo amores de bailarina.
Se me doem os caminhos tortos,
Em leveza os transformo.
Meu coração pulsa em passos,
Sofre com seus calos,
Molda-se aos cetins e fitas.
O belo que se vê
Nem sempre é o que é:
Mente a dor, esconde a cicatriz
Reverbera exuberância
E o esplendor de viver.
Tenho a magia da bailarina.
Tenho no peito do pé
O amor traduzido:
Dança e movimento,
Expansão da alma desmedida.



terça-feira, 5 de maio de 2020

Travesseiro




O corpo cansado da lida.
A alma quase cansada da vida.
Um suspiro mais fundo que o oceano
E doce como vinho alentejano.
Despi-me do vestido de estampa florida
E fiquei de minha forma preferida:
Cedendo ao convite baconiano,
Sem compromissos ou planos.
Pele quente e aveludada,
Levemente de vermelho rendada.
Contraste e complemento da lua:
Sou toda minha e empresto-me sua.
E num descompasso rítmico
Rompo a cadência anunciada
Jogo-me na magia de seu beijo alquímico
E declaro-me entregue, captulada:
Queria nessa noite de cansaço
Fazer um travesseiro  em seu braço.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Metamorfoses




Dentro de cada um, um universo
Com constelações nos olhos,
Que brilham ao ver o amor chegar.
Se em tempos de não te ver
A alegria se encolhe
É para que possa crescer
E expandir nos céus de nossas bocas,
Misturando estrelas e sonhos
Quando o tempo voltar a correr.
Não apresse o relógio.
Não pule pela janela.
Acalme-se e amadureça:
Em tempos difíceis 
Aprendemos a enxergar a beleza.
É a metamorfose da vida:
A dialética do ser.


domingo, 3 de maio de 2020

Quantas Luas?






Aconchego-me na curva da lua crescente,
Como é crescente o meu amor.
Escorro-me por todos os lados
Dessa fatia risonha de céu.
Balanço-me na preguiça de sua espera
Com pernas de bailarina inquieta
Ensaiando acrobacias no ar.
É um exercício de equilíbrio
E limites:
Se se demora a lua se enche
E caio. Não de amores,
Mas, de angústias
Por não saber os porquês,
Por não conhecer seus quereres.
Cuidado ao me deixar cair
Posso não saber voar
Ou posso voar para mais longe.

sábado, 2 de maio de 2020

Une étape à la fois...




Contei as luas:
Eram tantos desejos perdidos
Que elas se desafaziam.
Cantei cantigas de terras distantes,
De uma vida antiga,
Mas ainda pulsante
E senti saudades de morar no silêncio,
De a voz do vento,
De viajar os céus em raios secos,
Sem tempestades, só energia.
Uma energia tão grande
Que se joga do céu à terra
E brilha.
Meus cantares são louvores às horas, 
Essas medidas desamparadas
Que nos encolhem e acolhem
Porque elas nos ensinam
Que é preciso um ritmo,
Um passo de cada vez...

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Ratos





Ratos abandonam o barco.
Esbravejam cobras e lagartos
E esquecem-se que não sabem nadar.
Atearam fogo em suas tocas,
E não sabem lidar com as explosões.
São o mal. Fazem o mal.
Cairão, mas, não todos.
Seu fedor ainda ficará impregnado
Nas madeiras da embarcação
Tão jovem e tão carcomida.
Ah, minha nau preferida,
Em pouco mais de 500 anos
Acabaram com você...
Mas, juntos, curaremos suas feridas
Ou, pelo menos, tentaremos.