Visitas da Dy

sábado, 9 de junho de 2018

Lirismo




Ao esforço da literatura recaem meus lamentos e amores. Não os sonho muito mais do que um piscar de olhos e um “só por hoje”. Aprendi que essa, quiçá, seja a breve fórmula da felicidade: viver o hoje.
É um exercício, de fato, que as horas não sejam contadas a longo prazo, apenas como brevidades. Ora, vistas de olhos bem fechados, despertando sensações. Ora, sonhadas de olhos bem abertos, atentos aos milagres da existência.
Aprendi que a descrição, via poesia, torna tudo mais leve, mais completo. O viço de seu sorriso só perde para o frescor de sua chegada. Assim como beber o castanho de seus olhos me desperta bem mais do que qualquer café que eu coloque na xícara.
Não se tratam de loucuras ou delírios febris. São apenas as formas poéticas de descrição daquilo que coleciono nos dias: meus sonhos e quereres.
De certo, faltam-me palavras às vezes. Faltam-me línguas escorregando por troncos diferentes, em sentidos mais amplos do que posso compreender, para  (d)escrever as sutilezas que me saltam ao coração.
Percebo-me, então, na condição eterna de aprendiz: por vezes alegre com as conquistas, mas infeliz alma que nunca se sacia, porque o que se almeja nunca chegará à completude.
Oh, sísifo esforço! Nenhuma medieval dedicação lhe será suficiente aos sentidos tão seus e próprios dos desejos que brotam à alma. Não há descanso nem durante as longas noites em que mergulha nos véus de Salomé (se é que essa um dia os ostentou).
Não se revelarão os segredos mais tolos, porque deles é o reino da imaginação, onde, além de suas nuances, habitam os léxicos tantos que só arrisco na borda transparente que contorna um sumo tinto e inebriante.
Não se responderão minhas perguntas filosóficas, minhas expectativas ou conjecturas dignas de uma Babel, porque não se traduz o que se sente senão por exageros e lirismo e, uma vez tocado por esse encantamento, não poderão se descolorir em realidade.
Contento-me no esforço diário da escrita: cartas, versos, poesia e entrelinhas que, para além de uma organização de palavras, são, sobretudo, uma tentativa de compreensão do mundo e de sua existência longe da minha.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Estação Espera





Conto o tempo pela lua. Ela já virou desde a última vez que lhe vi.
Era cheia de brilho, do meu afeto, do seu cheiro, de minutos de nós, passageiros como a fase da lua, mas nossos.
Agora ela míngua. Definha suas saudades que eu coo com um café. Filtro de vontades quentes, que me queimam a língua e repetem à boca: não existem essas miragens minhas.
Fomos roubados pelo Tempo... Há um vau entre nossas histórias que os pés não cruzam, não se deixam molhar pelo desconhecido.
Nunca estivemos tão empenhados em planos de papel, sutilmente  próximos-distantes, estranhamente colocados em cenas que não nos cabem, se não, exercendo outros papéis, mas a presença ainda é uma energia translúcida que me invade, alegra e não aquece...
Sinto frio. Pouco respiro. Nunca tivemos tanto a perder: o rumo, o tempo, a chance, o que poderia ser, o raio caindo na terra, partindo (des)entendimentos, mas evita minhas tempestades (de areia, em copo d'água, de verão) e desvia seu caminho, seu olhar, adia a-próxima-ção.
Fiz-me estação, espera. Estávamos nós caídos sob nossos sonhos antigos?  Estávamos incontestes entre sorrisos não dados e vazios na estação à espera de que o medo dissipasse? Ele não vai passar. Ele é o fixo desafio vital.
Acomodados, aguardamos que tudo nos viesse ao próprio tempo, lento, como-deveria-ser e nos esquecemos de nós. Esqueci-me de mim. Estanquei contando luas, como as nuvens que ardem até se precipitarem em nossos olhos.
Sou a tempestade. A água escorre pelos meus olhos. Rogo que alivie a seca de meu coração deserto de suas chegadas.




quinta-feira, 7 de junho de 2018

O Sagrado e o Profano




Eu não mentiria se dissesse que gosto do momento em que sou o alvo de seus olhos. Mesmo de relance, quando os pego em flagrante. Mesmo sendo fato anunciado, presença que deflagra.
Porém, mais sagrado é o instante que precede a ação. Espontâneo. Intrépido. Que bagunça seu meio-dia desenhando, de alguma forma, minha presença em seu pensamento.
Esse indomável momento descuidado em que apareço e alegro. Avivo. Será que chego a roubar um sorriso?
Esse é, de fato, o encanto, o sacro: quando, sem que possa controlar, reino nos desertos pensamentos e, se não pareço dançar, sou a música, o vento, a poesia e a pausa em que se lança sem preocupação. Alheio tempo. Estanque hora.
Nesse instante em que não controla, sou mais livre do que nunca. E existo só pelo seu bem querer. Só porque me pensa. Só porque me credita um fio de seu dia.
Claro, se vem me ver, serei feliz, mas também saberei de todas essas coisas: os passos são todos derivados do sagrado. Do sagrado momento que invado seus pensamentos.
Mas que fique claro: quando me olha, minha pele tem sensações profanas.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sempre posso parar




Eu sempre posso parar, afirmo diante das lembranças que me fazem perder a hora em algum momento entre o despertador tocar, a consciência se ativar e, de fato, desandar o dia em correrias.
É sempre a mesma coisa: só mais cinco minutos. Sob os lençóis mornos fecho os olhos, lembro dos seus olhos e boca e hálito e tudo o mais o que lhe compõem e me transfere energia e imagino o que não é, mas que eu gostaria.
Eu sempre posso parar, mas pela janela do ônibus, combinando com essa música, invento algumas histórias que deveriam virar um livro. E encontro seus contornos em uma ou duas frases. Não tem jeito. Eu lhe uso como inspiração.
Eu sempre posso parar, repito quando estou em um dia conturbado e gostaria de ligar pra alguém e ouvir só a sua voz. Não é por nada demais, só que ela se transformou no meu som preferido desde mil novecentos e tanto. Desde que respirou pela primeira vez. Desde que eu nem sabia de sua existência.
Eu sempre posso parar tudo, menos a paisagem que se agita com o vento. Com os passos de dança do relógio certeiro, mas que atrasa nosso encontro.
Eu sempre posso parar, mas sua miragem é o que me dá contentamento em dias cinzas e prefiro continuar. Mas que fique claro: estou me convencendo de que eu sempre posso parar.




terça-feira, 5 de junho de 2018

Deserto do meio-dia





Há estações que são minhas preferidas. Caberia aqui citar cidades, trens, concreto, ferro e pó. Mas me falam mais alto a cor das flores, o cheiro do sol da manhã, as voltas dessa Terra na imensidão.
Por ser assim, sempre que posso relembro a estação na qual parei, desembarquei alguns sonhos e não tenho certeza se já parti ou faço dela minha morada: aquela na qual experimentei seus olhos sobre mim, um quase frio, ameno, um quase dia ensolarado, brando, um prelúdio de noite calma, meu antônimo.
Escrevo nessa noite de outono e pouco importa seu número no calendário. Pouco importa se lhe experimentei ontem ou na semana que vem. O tempo passa e caber-me nessa ou naquela noite da semana não faz sentido... A ampulheta doa-se a cada um dos lados e sou parte do pó. Escorro por uma fresta. Sou o tempo que está (se) perdendo (?).
Conto os meses só pra saber se estou, de fato, na mesma estação.
Deve ser o quarto: mês. Também é o local. Minha pouca atenção recai sobre o nada. Não interessa-me a racionalidade matemática ou a precisão do tempo numérico. Sou regida pela lua. Sei em que ciclo estamos: ela e eu. Estamos minguantes. Nosso inverno não tarda. Ele se anuncia pelo cinzento que margeia o castanho de meus olhos.
Estamos à míngua daquilo que já foi desejado. Acostumamo-nos com o jogo complicado do ser-não-ser: o possível depende da ação.
A palavra que precede a ação a deseja, mas é incapaz. Abstrata. Inerte. Vaga. Vazia. Eu que já quis tanto, tenho dúvidas ou é só cansaço?
Sou espera na estação, mas não sei até quando. Minguo. E comigo vai a espera, o desejo, sua imagem, quase vulto.
Sinto o frio de um vento lunar tão deslocado quanto eu nesse momento e, embora cansada, sou capaz de suplicar:  deixe-me. Ou deixe que me aqueça sob a luz do seu olhar.
E, entre as artes que domino, deixe-me lhe pedir que me ilumine enquanto a luz de seus olhos pousa sobre mim enquanto passo um café, paixão minha, calor meu. (Desas)sossego meu, quente na ponta dos dedos, perfeito na ponta da língua, fogo que me arde mais nos véus noturnos que nos desertos do meio-dia.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Até que meu amor dure




Eu vou esperar por você até o último minuto. Até o momento em que a porta quase se fecha e, de repente, uma mão se atreve pela fresta e realiza o milagre da esperança.
Vou esperar por você sob essa nuvem densa, prestes a precipitar porque sei como é o seu rosto em um banho de chuva inesperada e ainda desejo colher algumas gotas à margem de sua boca.
Ficarei à sua espera de olhos bem fechados porque não quero perder seus detalhes e porque já era sonho meu antes do tempo começar a ser contado.
Serei esse mundo envolto em ansiedade e vultos até que se canse de correr por aí, mantendo essa distância segura de meus lábios e perceba que sua sede é provocada pela estiagem que me causa.
Talvez, nessa hora de sua consciência vívida, eu seja o seio de calmarias e a fonte de sua morada, inebriada por minhas histórias, cheia de meu próprio veneno-antídoto, que chamam amor, que me matou um pouco a cada dia, mas diante de sua presença me curou.
Não serei mais aquela que espera, mas a que acompanha: sua lua da sorte, amuleto sagrado, bênção diária de Sol poente.
Serei aquela que deita em sua linha do horizonte próximo, borda dos olhos, margem de sua cama.
Serei aquela que sempre desejei ser: completamente minha, mas, por escolha, temporariamente sua. Até que os dias permitam. Até que meu amor dure.

domingo, 3 de junho de 2018

Morada





Qual foi o tempo de minha morada em seu pensamento hoje?
Quanto de mim povoou seu sorriso?
Em que hora do dia sua desatenção foi por minha existência?
Houve um tempo em que o brilho dos seus olhos refletia a minha luz e suas mãos desejaram minha silhueta?
Rogo aos deuses que sim, porque aqui dentro, na minha desorganização cotidiana, a única coisa que parece no lugar é o seu olhar sobre mim.
Aqui nesse emaranhado de saberes e incertezas que coleciono, só o seu ser é pleno e me ordena, orquestra, pacifica.
Sou explosões confusas de sentimentos que só são contidas por saber que, em algum lugar, de certa forma, sua energia me rege.