Possivelmente,
a memória me trairá. Aqui, para além do que foi vivido, aparecerá a mistura das
sensações, das vontades e das imaginações. Das vantagens de ser poeta, tenho a
licença poética. Mas, para outros casos, seriam, também confissões
(inventadas). É preciso lembrar que o poeta escreve o que sente, mas também o
que ouve e adota, assim, faço minhas as sensações que me brotam e as que
acolho.
O equilíbrio é
dispensado.
Trata-se de um
escape nesse momento: deixar fluir algo que poderia ter sido, mas agonizou
antes do tempo e já me despeço por prever que, apesar de ser um precipício que
merecia o mergulho, era raso. E, nesse tipo de queda, a cara é a primeira a ser
quebrada.
Acontece
quando o observador se distrai e é puxado para dentro da vitrine. E, como
havia uma lente, cai no zoom. Foi descuido, eu sei. Um pouco de ingenuidade.
Uma boa dose de aventura, obediência à vontade. Salto. Escuro. Luzes acesas.
Olhos. Histórias. Bocas e sorrisos e ninguém viu onde foi parar a noite no
anúncio do dia.
E foi bom dia
duradouro. Foi como um eco, rítmico, prolongado, bom aos ouvidos. E seguia. E
tinha ares de pista de decolagem. Tinha ares de rio, que serpenteia manso e
tranquilo e sabe pra onde vai.
E, de todas as
metáforas, o rio é a melhor. Porque as águas são imprevisíveis, mas podem se afastar,
podem secar, e o rio, que nunca é o mesmo sem deixar de sê-lo, de repente,
inexiste. É só memória. Fica preso ali, na coleção de histórias. E eu, que já
prevejo a estiagem, escolho os nomes dos personagens para nada parecer tão
pessoal.
Já escolho as
palavras certas, conjugando os verbos em pretéritos para me desacostumar desse
presente que desembrulhei e parece não ser o meu.
No descuido
que dei, me perdi e, confesso, quis permanecer naquela condição de mapa sendo
descoberto, tateado, por mais tempo do que o relógio pode contar. Mas tento
acostumar-me com a brevidade. Ela também constrói.
Tento separar
aqui aquilo que me coube viver e o apanhei observando aquela vitrine. E todas
pelas quais passo.
Tento fazer
que essas linhas soem como minhas confissões ao mesmo tempo que as falseio com
tanto sentimento alheio que acolho.
Não sei mais
se, de fato, essa noite contada foi bebida em sua veracidade, mas se apenas como
inspiração me ocorreu, como um fado que me é saudade, como poema que me
pertence, mas voa.
Se
estou nessas (entre)linhas, não me é claro, mas outros tantos olhos
atentos podem estar. Isso faz de mim poeta e me liberta, por mais que a memória
me traia, por mais que ela seja inventada.
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