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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Mnemósine







Possivelmente, a memória me trairá. Aqui, para além do que foi vivido, aparecerá a mistura das sensações, das vontades e das imaginações. Das vantagens de ser poeta, tenho a licença poética. Mas, para outros casos, seriam, também confissões (inventadas). É preciso lembrar que o poeta escreve o que sente, mas também o que ouve e adota, assim, faço minhas as sensações que me brotam e as que acolho.                        
O equilíbrio é dispensado.
Trata-se de um escape nesse momento: deixar fluir algo que poderia ter sido, mas agonizou antes do tempo e já me despeço por prever que, apesar de ser um precipício que merecia o mergulho, era raso. E, nesse tipo de queda, a cara é a primeira a ser quebrada.
Acontece quando o observador se distrai e é puxado para dentro da vitrine. E, como havia uma lente, cai no zoom. Foi descuido, eu sei. Um pouco de ingenuidade. Uma boa dose de aventura, obediência à vontade. Salto. Escuro. Luzes acesas. Olhos. Histórias. Bocas e sorrisos e ninguém viu onde foi parar a noite no anúncio do dia.
E foi bom dia duradouro. Foi como um eco, rítmico, prolongado, bom aos ouvidos. E seguia. E tinha ares de pista de decolagem. Tinha ares de rio, que serpenteia manso e tranquilo e sabe pra onde vai.                        
E, de todas as metáforas, o rio é a melhor. Porque as águas são imprevisíveis, mas podem se afastar, podem secar, e o rio, que nunca é o mesmo sem deixar de sê-lo, de repente, inexiste. É só memória. Fica preso ali, na coleção de histórias. E eu, que já prevejo a estiagem, escolho os nomes dos personagens para nada parecer tão pessoal.                         
Já escolho as palavras certas, conjugando os verbos em pretéritos para me desacostumar desse presente que desembrulhei e parece não ser o meu.
No descuido que dei, me perdi e, confesso, quis permanecer naquela condição de mapa sendo descoberto, tateado, por mais tempo do que o relógio pode contar. Mas tento acostumar-me com a brevidade. Ela também constrói.                        
Tento separar aqui aquilo que me coube viver e o apanhei observando aquela vitrine. E todas pelas quais passo.
Tento fazer que essas linhas soem como minhas confissões ao mesmo tempo que as falseio com tanto sentimento alheio que acolho.
Não sei mais se, de fato, essa noite contada foi bebida em sua veracidade, mas se apenas como inspiração me ocorreu, como um fado que me é saudade, como poema que me pertence, mas voa.
Se estou nessas (entre)linhas, não me é claro, mas outros tantos olhos atentos podem estar. Isso faz de mim poeta e me liberta, por mais que a memória me traia, por mais que ela seja inventada.

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