Há dias em que
o silêncio é necessário. Tão preciso quanto precioso. Cúmplice eterno de nossos
passos, de nossas sombras e das sobras de nós quando os dias se vão.
No vão de tudo
o que deixamos de fazer, nas brechas que transformamos em abismos e nas pontes
que fazemos questão de desconstruir, nos vemos cada vez mais distantes de tudo o
que gostaríamos de ser.
Sonhos cedem
espaços para necessidades. A urgência dita nosso ritmo e para que tudo o que é
sólido se desmanche no ar é questão de tempo. Aos poucos somos reduzidos aos
nossos esboços.
É nessa hora
em que o silêncio precisa ser sentido, ser contemplado. É nessa hora que as
vogais precisam ser surdas, todas as letras mudas, todos os pensamentos
calados.
É nessa hora
que só nos resta vislumbrar o som mudo e alto de nossos pensamentos que são
torrentes a nos levar para longe de onde os pés estão, salvando-nos do chão.
Afogar as
ideias é tudo o que desejamos. Na falta de um oceano, de um sal para bebermos,
que venha o chuveiro e o doce de suas águas quentes. Que seja a fumaça que sai
do Lorenzetti aquela que dissipará a
nuvem negra que paira sobre nossas cabeças.
Mas pouco
adianta a reza, se em nosso copo com água já mora a tempestade. Pouco adianta o
esforço de conter o que não tem limites e é lá, no banho, que somos livres. Se fazemos
desse momento o nosso palco e cantamos, se somos dançarinos e rodopiamos, é lá
também que pensamos.
Sob o
chuveiro, um temporal. Desabamos. E lavamos a alma. e a lágrima lava o corpo e
rola intrépida, inconteste, desvairada e vai acalmando. E vai deixando para trás
um sossego antes impossível. E cai sobre as falhas como se pudesse apagá-las.
Nossas nuvens
negras só se misturam com a fumaça da água quente quando permitimos que nosso
temporal se dissolva em parte de nós mesmos e escorra pelas nossas bordas. Trans-bordar.
Transbordamos. Transformamos. Rebordamos nossos pontos-cruzes, refazemos nossos
fardos e reaceitamos nossas cruzes. E nos recolhemos, de novo, ao silêncio. O nosso
cúmplice. O címbalo que retine apenas ao nosso ouvido. As palavras
compreendidas apenas por nosso coração.
Precisamos do
silêncio. Eu preciso. Preciso sentir o leve desamparo das paredes que devolvem
meus ecos mudos e impronunciáveis. Preciso sentir que é na ausência das
palavras que encontro a cura que nunca foi necessária, porque dor não se cura. Se
sente. Se aprende. Se convive.
Preciso ter a
medida exata e consciente de que ao menor balbucio minha alma será feita em
migalhas, como espelho quebrado no chão e seus sete anos de azar espalhados
pelos cantos da vida e das folhas do calendário esperando a praga passar.
Preciso,
muitas vezes, dentro de mim e para todos que me olham, calar. Saber que sou ao
mesmo tempo um ser denso, tenso, imenso em meus limites e que se sobre-vivo aos
obstáculos que surgem, agradeço aos temporais que faço nos dias de sol, sob meu
chuveiro e aos meus silêncios gritantes e salvadores de toda agonia.
É quando calo
que me aprendo. Que coexisto em mim e com meus eus. É quando me doo e amo. Cada
vez mais.
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