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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Sob o Chuveiro, um Temporal



Há dias em que o silêncio é necessário. Tão preciso quanto precioso. Cúmplice eterno de nossos passos, de nossas sombras e das sobras de nós quando os dias se vão.
No vão de tudo o que deixamos de fazer, nas brechas que transformamos em abismos e nas pontes que fazemos questão de desconstruir, nos vemos cada vez mais distantes de tudo o que gostaríamos de ser.
Sonhos cedem espaços para necessidades. A urgência dita nosso ritmo e para que tudo o que é sólido se desmanche no ar é questão de tempo. Aos poucos somos reduzidos aos nossos esboços.
É nessa hora em que o silêncio precisa ser sentido, ser contemplado. É nessa hora que as vogais precisam ser surdas, todas as letras mudas, todos os pensamentos calados.
É nessa hora que só nos resta vislumbrar o som mudo e alto de nossos pensamentos que são torrentes a nos levar para longe de onde os pés estão, salvando-nos do chão.
Afogar as ideias é tudo o que desejamos. Na falta de um oceano, de um sal para bebermos, que venha o chuveiro e o doce de suas águas quentes. Que seja a fumaça que sai do Lorenzetti aquela que dissipará a nuvem negra que paira sobre nossas cabeças.
Mas pouco adianta a reza, se em nosso copo com água já mora a tempestade. Pouco adianta o esforço de conter o que não tem limites e é lá, no banho, que somos livres. Se fazemos desse momento o nosso palco e cantamos, se somos dançarinos e rodopiamos, é lá também que pensamos.
Sob o chuveiro, um temporal. Desabamos. E lavamos a alma. e a lágrima lava o corpo e rola intrépida, inconteste, desvairada e vai acalmando. E vai deixando para trás um sossego antes impossível. E cai sobre as falhas como se pudesse apagá-las.
Nossas nuvens negras só se misturam com a fumaça da água quente quando permitimos que nosso temporal se dissolva em parte de nós mesmos e escorra pelas nossas bordas. Trans-bordar. Transbordamos. Transformamos. Rebordamos nossos pontos-cruzes, refazemos nossos fardos e reaceitamos nossas cruzes. E nos recolhemos, de novo, ao silêncio. O nosso cúmplice. O címbalo que retine apenas ao nosso ouvido. As palavras compreendidas apenas por nosso coração.
Precisamos do silêncio. Eu preciso. Preciso sentir o leve desamparo das paredes que devolvem meus ecos mudos e impronunciáveis. Preciso sentir que é na ausência das palavras que encontro a cura que nunca foi necessária, porque dor não se cura. Se sente. Se aprende. Se convive.
Preciso ter a medida exata e consciente de que ao menor balbucio minha alma será feita em migalhas, como espelho quebrado no chão e seus sete anos de azar espalhados pelos cantos da vida e das folhas do calendário esperando a praga passar.
Preciso, muitas vezes, dentro de mim e para todos que me olham, calar. Saber que sou ao mesmo tempo um ser denso, tenso, imenso em meus limites e que se sobre-vivo aos obstáculos que surgem, agradeço aos temporais que faço nos dias de sol, sob meu chuveiro e aos meus silêncios gritantes e salvadores de toda agonia.

É quando calo que me aprendo. Que coexisto em mim e com meus eus. É quando me doo e amo. Cada vez mais.

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