Por vezes os seus desertos só
eram alcançados depois da meia-noite. Depois que não havia mais nenhuma chance
do sol permanecer. Depois que o veludo mais escuro caia sobre o céu e escorria
as suas franjas pela terra.
Seus desertos eram mais frios
que os outros. E tão reais quanto todos aqueles que os beduínos cruzavam, com a
vantagem de ser só seu. Habitado apenas por aquilo que ela permitia, mas era
costume ser constituído só de ausências.
Essa sutil construção a ajuda a
compreender-se cada vez mais, revisitando-se intimamente.
Faltava-lhe ali o calor das palavras.
Ela gostava mesmo era de sentir os ventos causados pelos pensamentos voando. Faltava-lhe
ecos. Mas tinha os ouvidos surdos naqueles momentos, concentrando-se só no
ritmo da própria respiração.
Construía suas dunas de incertezas
e caminhava por elas com os pés afundando na areia que refletia a leve
claridade lunar de um crescente, acompanhado de uma única estrela, anunciando a
proximidade de um novo mês.
A caminhada era conhecida. Fazia
o mesmo caminho, insone, todas as noites. Enquanto todos à sua volta dormiam,
ela vagava. As suas respostas também a esperavam pontualmente e previsivelmente
no mesmo lugar, fixadas como tamareiras emoldurando seu oásis de satisfação ao
encontrar as soluções que lhe fugiam ao longo do dia.
Em mais uma noite de lucidez
desvairada pelos seus próprios desertos conseguiu chegar em seu oásis, com a
paz de um por do sol. Olhando as pegadas que ficaram pelo caminho, admirou a
delicadeza com a qual o vento as apagava e entendeu que a simplicidade é
fundamental para se chegar a todos os lugares.
Percebeu que nada acontece sob
o céu de Allah sem que ele determine e que todo o destino foi traçado
cuidadosamente por ele. Não há dores maiores do que podemos suportar e nem sede
maior do que a língua possa segurar.
Tudo já estava escrito e, se
havia momentos tortuosos, se havia tanto deserto, logo o oásis viria. A alegria
também está escrita. E por ser a vida um meandro divino, tudo é suportável
porque as forças brotam no meio das dunas, caindo dos céus, das mãos cuidadosas
que nos forjaram.
Todas as noites ela caminhava
por seu deserto povoado apenas por ela mesma e era isso que lhe renovava as forças.
Era dele que ela recebia as inspirações para avançar nas horas dos dias infindáveis
que a aguardavam ao nascer do sol.
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