Quando todos repetiam “não tenho pressa, mas tenho um preço e
todos têm um preço” eu ria. Um riso que às vezes era leve e em outras tantas
vezes era desesperado. Eu não tinha um preço. Nunca tive. E paguei o meu preço
por isso. E meu preço foi alto.
Ora, mas se eu não tinha um preço, como pude pagar um valor tão
alto?
É que o valor pago não era o de minha própria venda, o do
objetivo alcançado a qualquer custo, o da proteção em situação de perigo, o da
fuga quando eu me encontrava acuado.
O preço pago era o de minha alma se rasgando por aquilo que um
dia aprendi como sendo lealdade. Rasguei-me várias vezes para cumprir com a
única coisa que eu sabia pertencer essencialmente a mim mesmo : a minha palavra.
Rasguei-me de cima a baixo quando abri mão de mim mesmo para
honrar minhas promessas, quando deixei de ser eu para ser eu, porque arcar com
o que se compromete, muitas vezes está associado a abandonar-se.
Afoguei-me em lágrimas quando tive que me abandonar à deriva de
minhas palavras oferecidas como consolo, suporte ou fortaleza, sendo o abrigo
para quem precisava. Só Deus sabe o sal que bebi, o sal que verti, a força que fiz
para não me desfazer e ser rocha. Só deus sabe o quando fui areia quando a
porta se fechou.
Virei-me do avesso muitas vezes quando jurei e já não sabia se
cumpriria, mas cumpri a duras penas, a duras lutas comigo mesmo. Fiquei às avessas e ao avesso me questionava:
por que não ser como os outros? Por que não ser negligente uma vez? Por que não
experimentar a displicência? Porque eu não era os outros, porque eu tinha
aprendido a ser leal. E isso, por mais que doesse, valeria a pena.
Ruí. Mortifiquei-me no dia em vi minha lealdade indo por água
abaixo, quando ela se desfez como a espuma na areia da praia e, rompendo com a
palavra dada ao outro, sofri. Revirei-me por dentro. Revesti-me de culpa e por
longas noites vaguei sozinho por minhas entranhas, sem dar a mim o perdão que precisava.
Arrastei as minhas correntes pelos corredores dos labirintos de
meu coração como fantasma inconsciente de sua condição, até o dia em que
percebi que, por mais que eu me esforçasse, não seria perfeito. Não poderia
cumprir todas as minhas promessas. Não poderia ser leal a todos sempre. E então,
foi nesse momento que percebi que meu maior elo de lealdade jamais havia sido
quebrado: a lealdade a mim mesmo estava preservada.
Por ser leal a mim, a meus sonhos e às minhas necessidades, que
todo homem que precisa correr atrás de seus sonhos me compreenda, eu estava
apto a me perdoar. Porque os erros cometidos com os outros foram erros, sim,
mas foram tentativas ousadas na busca de acertar. Por entender que a lealdade
passa também por esses erros, fui capaz de me perdoar. E voltar a acreditar que
mesmo diante de meus erros, minha alma ainda era nobre. Minha lealdade ainda
era verdadeira e que tudo não passava de um processo de crescimento, de
amadurecimento e que isso podia doer, mas que a transformação era necessária.