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quinta-feira, 26 de abril de 2012

História sem Fim




Naquela madrugada ela sentia-se como uma personagem desses livros que possuem mil histórias sem fim, onde os enredos se cruzam, as meadas se entrelaçam e já não se sabe ao certo como tudo começou, nem tampouco como vai acabar. Não sabia se as suas histórias eram de faz de conta ou se iriam se fazer acontecer, como uma canção que ouvira trazida pelo vento.
Sentia-se como uma fiandeira, com se fosse uma das Moiras, que passa horas a se envolver com os fios, com paixão, que estica as histórias, que as cruza e que já não sabe ao certo se elas se guiam por conta própria, se tomam vida, ou se ela ainda as dirige.
Sabia que era a peça principal de seu grande quebra cabeças, mas não sabia mais a importâncias das peças espalhadas à sua frente para montar o cenário. Na verdade o cenário ela tinha com clareza. O que não conseguia enxergar bem eram as peças que formavam os personagens.
Não eram tantos rostos. Não eram tantos traços a serem definidos, mas não havia espaço no cenário para mais do que uma figura principal, além dela. As outras ficariam na penumbra, como se fossem plateia de um espetáculo que começaria ao se abrirem as cortinas.
Ela já não sabia se dirigia a cena, se escrevia o roteiro ou se apenas se encaixava num papel. Estava cansada de procurar pelo manual de instruções da vida e de não o encontrar em lugar nenhum. Essa coisa de só se aprender a viver vivendo a aborrecida, a deixava exausta.
Desejava ser plateia. Assistir aos acontecimentos com enorme desapego e irresponsabilidade sobre eles. Se não tivesse que escalar o elenco e as falas e colocar tudo no seu devido lugar as coisas seriam mais fáceis e mais bonitas de se apreciar.
Achava dificuldade em tudo naquela noite. Em outras também. Isso já era recorrente.
Às vezes se sentia Alice, perdida num mundo de maravilhas, em busca de respostas que Chesire só complicava, sem nenhuma Lagarta Azul pra ajudar ou baforar cantigas em seu rosto.
Às vezes se imagina como Sherazade, imersa em narrativas intermináveis, com personagens que entravam e saiam com relativa rapidez (ainda mais pra ela, que achava o tempo tão veloz), com histórias que não terminavam e já emendava em outra, sem que necessariamente tivesse um começo.
Em alguns momentos se via como Selene, solenemente sozinha a vagar pelas noites em um céu só dela. Deusa-lua, com fases e oscilações, com olhos perdidos pra além do horizonte e à procura de algo que nem ela sabia bem o que era.
Às vezes era Amelie, complicando todas as coisas à sua volta, principalmente o que era mais simples.
Era uma noite como todas as outras, mas ela, mais do que nunca não sabia bem quem era, onde estava ou pra onde deveria ir. Encontrava-se numa encruzilhada, com duas possibilidades e a única certeza: a de que a dúvida a acompanharia eternamente, em qualquer que fosse a sua decisão, afinal, para cada escolha uma renúncia e para cada renúncia a vontade de saber o que seria se tudo fosse diferente.
Era uma noite como outra qualquer em que ela não dormia e se perdia procurando o brilho do cinturão de Orion, ou da constelação de escorpião, no lado oposto, lembrando o desafio divino e seu desfecho trágico que levou tanto um, quanto outro a virarem estrelas...
 Era uma noite como outra qualquer em que ela não dormiu, em que esperou o sol nascer só pra dar bom dia e quando o mundo acordou resolveu se deitar pra descansar, só porque naquele momento não queria ser igual aos outros. Queria se perder na diferença, na contramão de tudo o que acontecia lá fora, atrás da sua janela entreaberta.

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