Visitas da Dy

domingo, 28 de março de 2021

Devota

 





Quantas vezes me quebrei?

Cicatrizes.

Quantas vezes fui pequena?

Canções.

Quantas vezes tive medo?

Desafios.

Quantas vezes chorei?

Sonhos.

E para tantos quantos ainda virão,

Rascunho.

Porque a poesia me assombra

Com sua força renovadora

E me recria e ergue e alivia.

Porque a palavra traz a salvação:

Sagrado Dom de silêncio e paixão.

Tornei-me sua devota.

sábado, 27 de março de 2021

De sua chegada

 




Vieste no exato momento do desassossego.

Na brecha de meu descuido.

Na fenda de minha armadura.

Colheu de tudo um pouco:

Um silêncio que brotava no céu da boca,

Um brilho escondido no canto do olho,

Um sorriso largo abandonado nos lábios.

Colheu e semeou.

Mas, não esperou nova colheita.

Antes, pôs-se a cuidar, a ver brotar.

Um jardineiro fiel à flor desconhecida

Com cheiro de jasmim em primavera estendida

Florescer não depende de estações.

quinta-feira, 18 de março de 2021

(Sobre) viver

 





Corri. Corri tanto que me perdi.

Era um abandono de dores.

Era um desvencilhar dos espinhos

Que me rodeavam o corpo.

Engoli o vento, tornei-me feroz

E em grande medida, arredia.

Selvagem alma dançando pra lua,

Na luta entre o ser e o silêncio.

Desrespeitei meus ciclos.

Quis ser linha reta e fixa.

Mirei no horizonte sem perspectivas.

Não faltavam sonhos.

Faltavam respiros.

O sentido do amor. O arrepio.

A coragem da entrega.

O âmago despido e exposto.

Faltava-me o desprendimento do outono.

A revolução arrebatadora.

Faltava o corte na carne

E o sangue jorrando

Pra que eu percebesse o tudo:

Sou de paixões.

E (sobre) viver estava me matando.

Faltava-me ser ventania.

Viver.




segunda-feira, 8 de março de 2021

Presença

 




Há quem sofra de ausências.

O remoer do vazio,

O cheiro do nada,

O hálito do silêncio.

Já eu sofro de presenças.

Aquelas que me habitam

Mesmo tendo distâncias como marca.

E, se me habitam, me preenchem

Trazem seu cheiro de café,

Sua leveza em forma de sorriso,

A pausa que o universo faz

Ao morrer e renascer em cada instante.

Sofro, então, de sua presença

Que tão profundamente me envolve

E, ainda que distante, me afaga,

Ensinando-me novos ritmos.


sexta-feira, 5 de março de 2021

Sem controle

 




Eu que sou de correrias,

Que acordo em euforia...

Eu que trovejo ao meio-dia

E danço na chuva à tardezinha...

Eu que nunca fui de paradas,

Nunca fui de pousar,

Nunca encontrei o motivo da chegada

E, até então, gostava mais das partidas

E era acostumada aos adeuses...

Eu que nunca perdia o controle...

Aprendi, de repente, a olhar devagar.

A desacelerar o tempo.

A querer ficar.

Onde foi que eu perdi o controle?

Quem souber, avise, 

Que não volto lá pra buscar.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Sóis e Cores

 




Até ontem, inverno.

Anoitecida, apenumbrada.

Um tanto de ventania.

Outro tanto de agonia.

Amanhecendo, despertei.

Uma gelereira inteira

Derretendo sob teus olhos.

Aprimaverando, colorindo.

Um tanto de flores.

Outro tanto de céus abertos.

Bendito o calor de tuas mãos

Que derreteu-me e tirou meu chão.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Bruxa do Espelho

 




Chamaram-me bruxa.

Desejaram-me a forca, o fogo, o ordálio.

Tempos outros, assustadores, severos.

Não lembro quantas vidas tive

Tampouco em quantas queimei,

Mas, entre os escombros dos séculos sobrevivi.

Chamaram-me louca.

Prenderam-me. Esconderam-me

Enclausurada cantei para as sombras.

Fui livre dentro de mim.

Mulher! 

Concebida tantas vezes com o mesmo sexo

A sina. A raiz. A força de (r)existir.

Dizem ser azar

Ter tantas vidas femininas,

Mas atravessam-me tantas sortes

Que os azares pouco importam.

E se o espelho quebrar?

Ganho novos reflexos.




terça-feira, 2 de março de 2021

Paradoxo da Criação

 





Eis que já havia um pouco de tudo.

De caminho, conto, ponto de encontro.

De espera, cansaço, beleza.

Eis que era como se o mundo pedisse pra ser escrito.

Ser transformado no medo que antecede a gênese:

No espanto da criação.

A boca aberta, surpresa que antecede o ato.

E antes da escrita, a cegueira infinita

De quem desconhece tudo.

Paradoxo do artesão:

Querer fazer sem saber começar.

A explosão do início.

A invenção.

Não é pela luz que se enxerga

É pelo poder da imaginação.




segunda-feira, 1 de março de 2021

Perigos

 



São muitos os perigos

Quando se deseja mais que um instante.

Quando deseja vestir-se de céu.

Quando descobre-se o que pode ser.

Quando a vida inteira cabe num poema.


A velocidade do pensamento,

A queda iminente, o querer-ter

E saber o risco do ter,

Do verbo doído que lembra:

Nada se possui.


Experimento uma eternidade sazonal

Que habita em meus braços

Que deseja seus espaços

Que se perde em casa

E se acha em um acaso qualquer.


E, se for de acasos, que seja:

Os caminhos se cruzam

As histórias se tecem

As mãos se entrelaçam

O risco se esquece.