quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Breu
O breu, o preto, a noite,
A sombra, os olhos fechados,
A escuridão, a saudade,
O perfume distante, a memória ausente.
O eu sozinho no meio de si
Procurando por festa, procurando você,
Traçando estradas de concreto
E asfalto frio: a distância.
O exercício de não esquecer,
Abrir a caixinha das lembranças.
Iluminar a esperança sonolenta
Que lhe busca de rabo de olho
Espreitando o vazio da noite.
Será que do meu nome ainda se lembra?
Será que seus lábios o sabem?
Parece tudo normal. Menos a saudade.
S-a-u-d-a-d-e
Essa vizinha espaçosa que meu peito assola
Mas, no fundo se pergunta o porquê.
Nem ela sabe porque me escolheu por morada
Deve ser por gostar de seus olhos
Assim como eu. Assim, castanhos-breu.
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
O Tribunal e a Praça
Fotos: Detalhes do prédio do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Évora e Igreja de Santo Antão, na Praça do Giraldo
Sob o signo da cruz, o fogo, a dor, a língua afiada, o ranger de dentes, tudo no meio do mundo, no meio da praça.
As paredes tão brancas de hoje não deixam vestígios do passado, mas os gritos ainda ecoam.
A pesada madeira do teto ainda é imponente e esmaga pensamentos e sufoca mesmo as celas sendo, agora, arejadas e livres de portas.
Mas, é na porta do gabinete-mor que a fechadura mais cruel ainda sobrevive e, olhar pra ela causa arrepios.
Da porta do antigo tribubal, o largo se abre e escorre pela rua na qual, ao final, a praça se estende. A igreja se lança rumo aos céus.
A fonte mais recente me acalma e sua água molha meu rosto com as lágrimas tão antigas quanto os desesperados infames ali acesos há séculos.
A praça é calmaria, mas, olhando bem, o silêncio nunca é pleno. Ele sussurra choros, preces, pragas e tem um estalar de brasas.
O gato preto me encara na quase meia-noite. O vinho me acompanha. É uma solidão ancestral de quem sabe que o destino está em uma poesia lá, do outro lado do oceano, próximo das raízes dessa vida, mas, que ainda não chegou.
O peso das paredes daquele tribunal ainda está sobre meus ombros. Encarar essa praça ainda dói, mas há um perdão no ar: a história me dá um respiro e uma coragem. Atravessei mares por ela. É preciso compreender o tempo.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
Longanimidade
Tic... tac...
Badaladas. Doze. Zero. Tudo novo.
Dia novo. Hora nova.
Acabou o sonho que não veio?
Acabou o tempo da construção?
Quem é que sabe?
O bom deus de barbas brancas
Ou os bons deuses de peles negras?
Quem é o senhor do tempo?
Será ele de uma senhora?
Jamais saberemos.
E, por aqui, tudo é vento,
Tudo é lavado pela tempestade:
Meu corpo, meu rosto,
Meu pensamento,
Meu sentimento.
Enquanto isso
Silêncio
Chuva
Vinho
(Um pouco de)
Fé.
domingo, 26 de janeiro de 2020
Boa Esperança
Meu sonho é o vinho prometido em sua taça.
Sou como bichinho sedento
E persistente
Se é findo o ano, dobro:
Faço a curva do Boa Esperança,
Visto-me de ouro, canela e marfim,
Café, cardamomo e flor de jasmim.
Não adianta adiar a música,
Mesmo em seu silêncio sou passo de dança:
Menina Colombina e você meu Arlequim,
Não importa se é fim de dezembro
Ou promessa de Janeiro
Espero. Conto o tempo. Paro o tempo,
Paro-raios, paro na lua e verso:
É a sua superfície que desejo o contorno
Com meus dedos e mãos e pernas,
Com todo meu breve tempo-eterno.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
Caminhos II
Quero, dos teus braços,
O enlace perpétuo do amor.
De teu peito, o conforto noturno.
De tua boca, cantigas de bons dias.
Quero, da vida, o caminho único
Que cruza muitas histórias
E, entre elas, a tua e a minha.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Dove sei?
A julgar pelas vezes que, de súbito,
Em suspenso, surge em meus sonhos,
Já dispensa convites
E adentra-me os pensamentos.
Torna-te parte das noites,
Chave do cadeado de meus secretos.
E, em desperto, olho ao redor
Para ver se chegaste mesmo,
Mas, sempre estou a sonhar.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
Alfama
Amanheci saudades
Da Alfama que caminhei,
Das horas antepassadas que respirei.
Das estreitas ruas de largas histórias,
De meus olhos imersos no tempo,
Um tempo que me envolvia.
Saudades da Alfama e seus caminhos,
Das distrações solares nas luminárias,
Do vento úmido do Tejo,
De cada descoberta e reviver
Como se já tivesse ouvido seus lamentos,
Como se o fado soasse ao meio-dia,
Como se fosse minha, toda minha aquela luz de melancolia,
Aqueles passos ecoantes no silêncio.
Alfama, um dia ainda choro de alegria
Ao te reencontrar.
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
Do que nunca se saberá
O que te impede de chegar?
O tempo
O medo
O vento
Aqui dentro, bem sei,
Das querências que carrego
Também sei dos caminhos do abandono.
E é ali: na curva de uma vírgula
Que engulo choro, vontade, sonho.
É ali que passo a querer mais
Tanto que não me nego a mudança.
Gosto de vozes e versos e canções antigas,
Mas, o silêncio, meu subterfúgio
Também faz crescer e seguir.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
Amor-perfeito e violetas
Perdemos a esperança outro dia
Quando uma estrela caiu
E precisamos ser nossos próprios sonhos,
Mas, eu sonhei com você.
E coloquei a cabeça em seu peito
E escutei fragmentos de amor
Ou eram sementes brotando?
Meu sorriso floresceu
E, desde então,
Perdemos a cabeça no amor.
Eram sementes que cresceram
Tomaram conta de nós,
Somos ramos de flores.
Talvez, de amor-perfeito e violetas.
domingo, 19 de janeiro de 2020
A Catedral, a Força, o Tempo
Éramos, nessa vida, desconhecidas. De sua cidade-raiz eu ouvira o nome através de uma morna, de Cesária. Évora. Nenhuma relação entre as duas, além do nome, eu sei, mas era um eco antigo, guardado em algum canto de mim.
Évora. Florbela. Poesia. Uma relação mais estreita, de fato, mas, nada me levava a você diretamente até o momento em que subi aquela rua cheia de livrarias e cafés e artesanatos, fugindo de sensações tão intensas quanto diferentes sobre um passado que sempre estudei e que, em certa medida, agora era presente.
Eu jamais saberei descrever sua força, Sé Catedral de Évora.
Dentro de suas paredes grossas, suas artes tão antigas, seu jogo de luz e sombra, fazendo o tempo parar, esmagando toda e qualquer forma de se mensura-lo. Impondo sua existência. Arrancando lágrimas inexplicáveis e copiosas, como se fosse um reencontro com saudades ressentidas, mas com o mesmo orgulho explícito de ambos lados: forças diferentes, teimosas e resistentes, viscerais.
Da Catedral que me impactou, admiro sua força atemporal e tenho saudades de ver sua beleza nessa vida, tão grandiosa quanto em outras tantas.
Do tempo que para entre aquelas paredes, carrego ecos.
Da força que nos permeia, faço exercício de resistência.
De tudo isso sinto saudades, mas, não sei em que medidas.
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sábado, 18 de janeiro de 2020
Abusos
Era como se seu hálito quente
Caminhasse por meu pescoço,
Morrendo em absurdos dentro de mim,
Invadindo-me o ouvido.
Eram como mãos guiando-me pela cintura,
Nas penumbras noturnas,
À minha volta como se fossem os anéis
E, eu, Saturno.
Era um abuso de beleza em preto e branco
Decora(n)do por minhas retinas,
Fuga do mundo, disritmia?
Nada! Fuga do tédio
Em dia qualquer
De domingo a domingo.
quinta-feira, 9 de janeiro de 2020
Casa suspensa no ar
Poemas tenho centenas.
Desse mal não morro, pouco sofro.
Talvez, daquilo que me atormente
Seja outra coisa, mais real e quente
Que povoa o canto de minha boca,
Que vai aos sussurros ao seu encontro:
Aquilo que hoje conto
Como outra centena: (de) beijo(s).
Esse ou aquele há de chegar.
Há de pousar em sua testa, em seus olhos.
(Profundos e melancólicos e magnéticos)
Há de lhe roubar o ar
Seja em vida ou a sonhar
E, de mais a mais,
É tudo parte minha, do que crio
E onde habito: é tudo solto.
É quase caótico. É tudo um pé de vento.
Casa suspensa no tempo.
Casa de sonho, beijo e afeto.