Visitas da Dy

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Sacrossanto






Eis que sou um templo.
Eis que carrego o todo.         
O tudo está em mim:
As vozes ancestrais me ecoam.
Meus ouvidos são como conchas
E recolhem aquelas preces longínquas.
Sinto o tempo correr por minhas veias.
O crescimento é inevitável, expandir é vital.
Eis que sou o nada:
Apenas emano o que recebo,
Como o espelho fiel.
Eis que sou um lugar sagrado:
O corpo que aceita o seu como ele é.
O corpo que se entrega ao seu como ele bem quer.
Eis que sou o solo no qual seu pilar se ergue,
Base sólida de seu altar.
Imola-me à meia-noite,
Adentra meu ser ao meio-dia,
Joga-me à brasa a toda e qualquer hora,
E resisto ao tempo:
Sou templo, lugar sagrado,
Colo em que deita e permanece,
Sou o ser sagrado que te alivia:
Absorvo suas dores e as converto em minhas.
Sou a delicada fúria da beleza,
Indomável sereia que canta
E lhe afoga em carícias e sussurros.


quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Outros



Eis aqui meu pensamento recorrente:
Veste-se, ele, sempre da cor do sol poente,
Da hora certeira do encontro de nossos olhares
Ao momento do desfazer-se entre milhares...
Eu era ali estanque,
Ele era passante.
Lá se foi o dia, passado ao meio.
Lá se foi a paz, rasgada em efeito.
E, em noites marcadas pelas suas amplidões,
Experimento quereres organizados em coleções:
O sorvete derramado,
A pipa emaranhada,
O verso não escrito,
A boca enfeitiçada.
Há um tanto de fraude nas paixões cotidianas.
Há um tanto de esperanças no desconhecido.
O que lhe é plausível não me convence.
O que me é cabível não lhe apetece.
Cabe-nos, então, a suavidade do passar
O findo dia e a necessidade dos olhos em se fechar.
Logo surgirão outros ventos,
Outros sons,

Outros. 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Retalho




Eu quis cantar pra você.
Quis recitar versos ensolarados.
Quis amarrotar a sua camisa recém-passada,
Ali, na atropelada manhã, pausando sua correria,
Ressignificando seu atraso.
Eu quis ser a pirata que roubava seu tempo,
Que escalava o seu mastro,
Hasteando-me sua bandeira.
Quis ser a tigresa de unhas negras,
De unhas vermelhas, de unhas afiadas,
A que liberta os leões,
Canta Caetano e sonha rocks.
Quis tocar sua música preferida,
O seu instrumento afinado (com o meu).
Quis invadir a sala de jantar,
Colocar-me à mesa, sobre(a)mesa,
Seu quase-doce preferido.
Seu pedido de Natal, promessa de Reveillon,
Sua farra no carnaval, seu calendário completo,
Mas com dias desvairados, sem sequencia,
Sem cuidado, sem data marcada.
Quis amá-lo breve e intensamente.
Quis ser passageira em seu corpo-caminho.
Quis ser sua uma vez e nunca mais.
Quis experimentar. Quis gostar. Quis dispensar.
Quis até não pensar.
E eram tantos quereres...
Eram ocupações de nascer e morrer das horas.
Eram até preocupações.
Mas ao cansaço das imaginações, adormeci.
Ao tempo das esperas por essa ou aquela vez,
Sucumbi ao “deixar-se ir”.
Por um tanto qualquer de um vai e vem,
Ninguém foi, de fato, até onde podia ir.
Lambi, então, o frio aço,
Correu o vermelho quente pela língua.
Retalhei muita coisa com punhal sagrado:
Inclusive sonhos. Inclusive amores.
Inclusive desejos. Inclusive nomes.

Retalhei até o que poderia lamentar por nós: você.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Trânsito





Nada de lista de desejos.
Nada de  nome em agenda.
Pega esse telefone e liga:
Transborda meus pensamentos,
Encha-me com sua voz,
Essa malemolência causa-me arrepios.
Desista do telefone.
Bata à minha porta.
Invada meu quarto.
Roube meu sono.
Domine aqui, no meio da sala, a inconstância que eu sou.
Jogue ao vento minha pose de quem finge o que não quer.
Escancare o que deixei pré-dito:
Quero.
Vem, ignore o relógio, o meu cansaço, minhas desculpas.
Ignore a preguiça, minha falta de jeito, a loucura.
Entre querer e fazer, trânsito!
Ignore os protocolos e as boas maneiras:
É uma boa maneira de capitular,
De parar de querer e realizar.
Não deixe a desejar o desejo:
Vem.
E me tome com vinho,

Sabor, aroma, intensidade e um tanto de carinho.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Corredeiras



Meus olhos eram poças d’água
Profundos como um mar sem ondas,
Pouco brandos, muitos mistérios.
A ventania vinha do bater de minhas pálpebras.
Eu não queria o vento.
Eu não queria o seu balançar:
Causava-me ondas.
Fazia-me escorrer pelo rosto.
Transformava-me em rio,
Mas eu não queria correr.
Eu só queria ficar.
Queria me emoldurar.
Queria saber o que é contemplar...
Meus olhos nunca foram verdes ou azuis,
Sempre foram café:
Pouco doce, muito breu.
Sem meias medidas, muito calor.
Um quase oceano de navegações.
Ideias flutuantes,
Sonhos perdidos,
Beijos à deriva
E eu entre o mal e a nau:
Segurar nas bordas seria a tábua de salvação?
Evito piscar.
Evito pensar.
Evito chorar.
Meus olhos são poças.
Pouco rasos, um tanto oblíquos.
Uma pena: não aprendi a dissimular.
 A esse despeito, aprendi a partir
Mesmo quando queria ficar.
E eu já quis ficar.
Hoje, sou filha do vento.
E ele agita meus olhos de adeus
E ele consola o peito meu.
E ele traz a chuva,
Para ninguém notar quando eu transbordar.
Para ninguém saber separar

Quem sou eu e quem partiu.