Somos
prolongamentos. Do que desejamos, do que fazemos, do que deixamos de lado, mas
muitas vezes tudo isso e inútil.
É inútil a
nossa tentativa de prolongar as conversas silenciosas que adentram as noites
quando estamos raivosos. De nada adianta acender o cigarro e ver as cinzas
caírem. Estamos só nos perdendo. Estamos só desperdiçando os olhares. E fazendo
um esforço enorme de contenção da vontade de falar. Mas não nos acostumamos a
ceder.
As nossas
pequenas guerras transformam-se em pesadelos, estendem-se para alem do que
gostaríamos e nos resta a duvida: e se? E se? E se? As especulações, hipóteses,
imaginações se lançam de nossos olhares e caem ao chão depois de baterem no
campo de força de nosso silêncio.
Nesses
momentos, deixamos de lado a velha amizade e soletramos o nome dela. Como pode
um simples nome de mulher abalar as estruturas de uma amizade? Mas não é só o nome
dela que eco pela sala, ampliada pela nossa situação de confronto. Ela entra
pelas brechas da porta, das janelas, paira sobre os móveis. O perfume ainda
embriaga os dois. E nos perguntamos em nosso íntimo, cada um a seu modo, qual
dos dois ela ama.
Na falta de
resposta clara ou mesmo de um sinal que declare qual de nós ela chamaria de
seu, nos olhamos e não falamos. Não ousamos extrapolar nossos espaços já tão
ocupados por ela.
O silêncio
desfez-se em cacos com a batida na porta, rápida, ritmada, de outra mulher,
dessa vez a amiga, que, deixada à margem da situação ainda sem saber,
sentiria-se traída se soubesse que partilhamos o mesmo segredo e não a
confidenciamos.
Sua alegria de
sexta-feira, por mais que fosse segunda, era quase insuportável. Seu equilíbrio
de saltos altos que batiam no chão e preenchia o oco de nossas cabeças
empurrando o nome da outra para fora chegava a dar alívio.
E ela, a
amiga, sem saber que podava nosso prolongamento de uma situação imaginária, ao
levar entradas para um cinema, estava prestes a destruir nossa inércia e nossas
dúvidas.
Entre os
expectadores o nome que nos assombrava a pouco em nossa sala desfilava nos
braços de um terceiro personagem. E se? E era. Era quem ela escolhera. Nem eu,
nem meu amigo. E nossos silêncios foram em vão. E nossas horas desperdiçadas.
Desiludidos,
despedaçados, arrependidos pelo silêncio prolongado, ficou-nos a companhia da
amiga, ao mesmo tempo nossa algoz e salvadora, quase um anjo que carrega em si
o bem e o mal e uma alegria ensurdecedora que curava a rápida dor e varria os
cacos do silêncio quebrado, transbordando palavras pela noite adentro, em um
prolongamento de tranquilidade e quase felicidade.
Há
prolongamentos que valem mais a pena que outros. É questão de escolha.
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