O relógio
marcaria três da manha, mas não faria a tão esperada passagem para a
meia-noite. O calendário fugiria de todas as convenções e os anos todos se
bagunçariam. Não haveria especialista capaz de decifrar o que acontecera: o dia
20 parecia não chegar, não existir.
Sim! Eu
esperava os trinta anos com sede de quem vagueou pelos desertos desconhecidos
de si mesma, encantada, existindo na paisagem e ávida por vivê-la. Eu esperava
o dia vinte com a fome de quem foi convidado para o banquete celestial, onde se
saciaria de sabores e cores e sons e cheiros e vida.
Ao bater a
meia-noite, brindes! Abraços e beijos. E como eu gosto de abraços, repetia-os! Trintei. Não havia saudades dos vinte e poucos, nem
dos vinte e muitos. Muito menos dos quinze. O que paira agora é um sentimento
de renovo, de alegria imensurável que ilumina meu sorriso e faz os olhos
brilharem.
Esperava os
trinta desde os quinze. Esperava com a ansiedade de uma criança diante do
presente embrulhado, que não vê a hora de jogar o laço de fita no chão, rasgar
o papel e se deliciar com a descoberta.
Cheguei aos
trinta com os alguns sonhos dos 15, ainda guardados nas caixinhas de músicas,
esperando para acontecer. Tenho a energia dos vinte, com a garra e a persistência
que fazem o coração bater. Tenho fôlego. Um fôlego de vida, de vontade, de fé
que os dias serão melhores a cada amanhecer.
Tenho um coração
apaixonado, sobretudo, pela vida, pelo amor que conheço das linhas que escrevo
e que guardo para os olhos que merecerão ler não só essas palavras, mas todas
as minhas histórias, construindo-as também.
Tenho sede do
novo, pés que desejam o mundo e olhos que buscam cada canto do horizonte, cada
tom de cores novas, e que choram. Choram as dores todas, profundas, inconsoláveis,
que chegam até o fim e acreditam que o pra sempre não existe, mas que o nunca
mais é real. E que dissolve tudo isso em gotas de sal. E reconstrói novas versões
de si mesmos. E me dão novos ares. Ah, esses olhos que poderiam ser de Capitu,
que poderiam ser do Oriente, que poderiam ser de cortesãs ou damas dos séculos
medievos, mas que nasceram de um castanho de mistério que nem o espelho revela.
Tenho palavras
não ditas, outras tantas mal ditas, muitas escritas e tantas ainda por dizer. Tenho
cartas endereçadas, outras extraviadas, umas de se ver o futuro, todas em uma
caixa, uma caixa de sentimentos, nem sempre com sentido, mas com uma grande
parte de mim em cada detalhe, como se fossem as minhas impressões digitais, as
minhas impressões pessoais, as minhas impressões de alma.
Tenho hoje uma
dimensão maior do tempo, do espaço, da grandeza do nascer do sol e da sua
despedida ao final de cada dia e, embora eu me encante com esse espetáculo,
ainda é ela, a lua, que me ganha, me envolve, me entende, me revela, me faz
poesia, sem a qual não respiro.
Carrego uma
alma secular, que equilibra-se nas muitas incertezas, avança nas poucas
certezas e segue. E agora sente-se mais firme, mais disposta, mais atenta, mais
viva.
Tenho em mim o
fogo da juventude, a calmaria de um rio que serpenteia em vale, mas se lança
das montanhas mineiras em quedas livres, e se busco o mar, não é por desamor ao
berço, mas por identidade com as ondas que vem e vão e visitam os portos,
guardam segredos e diminuem distâncias, são rasas e profundas, são leves,
inconstantes, e são danças, movimentos.
Tenho em mim a
vida como uma chama e um mar: uma me aquece o outro me renova. E tenho 30! Como
sempre esperei. Como se sempre soubesse que daqui pra frente, tudo será
diferente.