Visitas da Dy

domingo, 23 de novembro de 2014

Balada dos Trinta



O relógio marcaria três da manha, mas não faria a tão esperada passagem para a meia-noite. O calendário fugiria de todas as convenções e os anos todos se bagunçariam. Não haveria especialista capaz de decifrar o que acontecera: o dia 20 parecia não chegar, não existir.
Sim! Eu esperava os trinta anos com sede de quem vagueou pelos desertos desconhecidos de si mesma, encantada, existindo na paisagem e ávida por vivê-la. Eu esperava o dia vinte com a fome de quem foi convidado para o banquete celestial, onde se saciaria de sabores e cores e sons e cheiros e vida.
Ao bater a meia-noite, brindes! Abraços e beijos. E como eu gosto de abraços, repetia-os! Trintei.  Não havia saudades dos vinte e poucos, nem dos vinte e muitos. Muito menos dos quinze. O que paira agora é um sentimento de renovo, de alegria imensurável que ilumina meu sorriso e faz os olhos brilharem.
Esperava os trinta desde os quinze. Esperava com a ansiedade de uma criança diante do presente embrulhado, que não vê a hora de jogar o laço de fita no chão, rasgar o papel e se deliciar com a descoberta.
Cheguei aos trinta com os alguns sonhos dos 15, ainda guardados nas caixinhas de músicas, esperando para acontecer. Tenho a energia dos vinte, com a garra e a persistência que fazem o coração bater. Tenho fôlego. Um fôlego de vida, de vontade, de fé que os dias serão melhores a cada amanhecer.
Tenho um coração apaixonado, sobretudo, pela vida, pelo amor que conheço das linhas que escrevo e que guardo para os olhos que merecerão ler não só essas palavras, mas todas as minhas histórias, construindo-as também.
Tenho sede do novo, pés que desejam o mundo e olhos que buscam cada canto do horizonte, cada tom de cores novas, e que choram. Choram as dores todas, profundas, inconsoláveis, que chegam até o fim e acreditam que o pra sempre não existe, mas que o nunca mais é real. E que dissolve tudo isso em gotas de sal. E reconstrói novas versões de si mesmos. E me dão novos ares. Ah, esses olhos que poderiam ser de Capitu, que poderiam ser do Oriente, que poderiam ser de cortesãs ou damas dos séculos medievos, mas que nasceram de um castanho de mistério que nem o espelho revela.
Tenho palavras não ditas, outras tantas mal ditas, muitas escritas e tantas ainda por dizer. Tenho cartas endereçadas, outras extraviadas, umas de se ver o futuro, todas em uma caixa, uma caixa de sentimentos, nem sempre com sentido, mas com uma grande parte de mim em cada detalhe, como se fossem as minhas impressões digitais, as minhas impressões pessoais, as minhas impressões de alma.
Tenho hoje uma dimensão maior do tempo, do espaço, da grandeza do nascer do sol e da sua despedida ao final de cada dia e, embora eu me encante com esse espetáculo, ainda é ela, a lua, que me ganha, me envolve, me entende, me revela, me faz poesia, sem a qual não respiro.
Carrego uma alma secular, que equilibra-se nas muitas incertezas, avança nas poucas certezas e segue. E agora sente-se mais firme, mais disposta, mais atenta, mais viva.
Tenho em mim o fogo da juventude, a calmaria de um rio que serpenteia em vale, mas se lança das montanhas mineiras em quedas livres, e se busco o mar, não é por desamor ao berço, mas por identidade com as ondas que vem e vão e visitam os portos, guardam segredos e diminuem distâncias, são rasas e profundas, são leves, inconstantes, e são danças, movimentos.

Tenho em mim a vida como uma chama e um mar: uma me aquece o outro me renova. E tenho 30! Como sempre esperei. Como se sempre soubesse que daqui pra frente, tudo será diferente.

domingo, 16 de novembro de 2014

Maturação





Não fossem as palavras
Era só um papel
Não fosse a madrugada
Seriam apenas horas a correr.
Era tudo o que não era
E também o que queria
E padecia um pouco 
Todo dia
Ainda assim sabia esperar
Que o menos crescesse 

E virasse mais
E transbordasse
Até que o tanto 
Bastasse.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Linger



Somos prolongamentos. Do que desejamos, do que fazemos, do que deixamos de lado, mas muitas vezes tudo isso e inútil.
É inútil a nossa tentativa de prolongar as conversas silenciosas que adentram as noites quando estamos raivosos. De nada adianta acender o cigarro e ver as cinzas caírem. Estamos só nos perdendo. Estamos só desperdiçando os olhares. E fazendo um esforço enorme de contenção da vontade de falar. Mas não nos acostumamos a ceder.
As nossas pequenas guerras transformam-se em pesadelos, estendem-se para alem do que gostaríamos e nos resta a duvida: e se? E se? E se? As especulações, hipóteses, imaginações se lançam de nossos olhares e caem ao chão depois de baterem no campo de força de nosso silêncio.
Nesses momentos, deixamos de lado a velha amizade e soletramos o nome dela. Como pode um simples nome de mulher abalar as estruturas de uma amizade? Mas não é só o nome dela que eco pela sala, ampliada pela nossa situação de confronto. Ela entra pelas brechas da porta, das janelas, paira sobre os móveis. O perfume ainda embriaga os dois. E nos perguntamos em nosso íntimo, cada um a seu modo, qual dos dois ela ama.
Na falta de resposta clara ou mesmo de um sinal que declare qual de nós ela chamaria de seu, nos olhamos e não falamos. Não ousamos extrapolar nossos espaços já tão ocupados por ela.
O silêncio desfez-se em cacos com a batida na porta, rápida, ritmada, de outra mulher, dessa vez a amiga, que, deixada à margem da situação ainda sem saber, sentiria-se traída se soubesse que partilhamos o mesmo segredo e não a confidenciamos.
Sua alegria de sexta-feira, por mais que fosse segunda, era quase insuportável. Seu equilíbrio de saltos altos que batiam no chão e preenchia o oco de nossas cabeças empurrando o nome da outra para fora chegava a dar alívio.
E ela, a amiga, sem saber que podava nosso prolongamento de uma situação imaginária, ao levar entradas para um cinema, estava prestes a destruir nossa inércia e nossas dúvidas.
Entre os expectadores o nome que nos assombrava a pouco em nossa sala desfilava nos braços de um terceiro personagem. E se? E era. Era quem ela escolhera. Nem eu, nem meu amigo. E nossos silêncios foram em vão. E nossas horas desperdiçadas.
Desiludidos, despedaçados, arrependidos pelo silêncio prolongado, ficou-nos a companhia da amiga, ao mesmo tempo nossa algoz e salvadora, quase um anjo que carrega em si o bem e o mal e uma alegria ensurdecedora que curava a rápida dor e varria os cacos do silêncio quebrado, transbordando palavras pela noite adentro, em um prolongamento de tranquilidade e quase felicidade.

Há prolongamentos que valem mais a pena que outros. É questão de escolha.

domingo, 9 de novembro de 2014

Canção Silenciosa



Conheço o silêncio. Já o toquei a ponta dos dedos. Já vesti-me com seus sons mudos. Fiz dele meu lençol para envolver os soluços que bebi em noites que foram mais escuras do que deveriam ser.
Entendo o seu silêncio. Cada palavra não dita. Cada coisa que seus olhos deixaram escapar em uma lágrima teimosa ou que fugiram pelas molduras dos óculos.
Entendo os seus silêncios porque já experimentei sabores semelhantes. Não que todos sejam iguais. O silêncio e a dor do outro é sempre só uma estampa de camisa: vestimos a camisa, não sentimos o desenho. O silêncio e a dor da gente é tatuagem, que marca, que acompanha, que revela, mesmo sem palavra dita.
Compreendo o blues triste que toca lá fora e se diverte com o olhar perdido de quem o ouve. Que parece ter sido escrito para ser ouvido assim, em silêncio, vagamente, dolorido, uma paixão quase tranquila de quem clama por um socorro que nem sabe se existe.
Compreendo o meu silêncio feito das sombras que escolho para guarda-me dos olhares curiosos, das sombras de tudo aquilo que faz parte de meu mundo, mas que fora dele não são conhecidas.
Em alguns dias o silêncio é mais do que necessário. É o elixir sagrado da paz. É a saída do caos. É o afago na alma. O cuidado mais efetivo que podemos ter.  É o cuidado de si precioso.
Tantos são os dias em que o silêncio é o companheiro de luas, estrelas sem cintilantes, de vãos que não se ocupam a não ser por ele, que tudo invade, que tudo completa, que tudo abranda.
Eu conheço os seus silêncios porque tenho os meus e não cobrarei palavra alguma das horas que se perderam. Todo o tempo – perdido ou não – é construção, por mais que castelos caiam e pontes desabem, o tempo constrói até as ruínas.

O não dito, às vezes, revela mais do que o que foi dito. E é preciso atenção. É preciso ter um ouvido atento para que escute os gritos que lanço em meus silêncios, porque é através deles que me revelo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pedacinho de Amor




Naquela manhã o coração estava mais agitado que o de costume.
Poderia ser dia de rock, de pop, de jazz, mas era só um dia de aeroporto, passaporte e avião. Um dia de viagem quase comum, quase igual a todos. Quase. Não fosse a mudança de ares, de fuso, de continentes.
Era o dia em que toda bagagem experimentava três pesos e duas medidas: o seu peso comum, de objetos simples amontoados organizadamente, contabilizados em lista e em ordem de importância, resumindo na mala tudo o que não poderia faltar. O peso da espera, de areia de praia engarrafada em ampulheta, de sonhos antigos e guardados, cuidadosamente alimentados, aguardando o momento de tomarem corpo. O peso da ausência da pessoa-felicidade-que-completa, que não faz mais parte dos planos, embora tenha sido parte fundamental de outras tantas alegrias, que embalou esse momento, ajudando a embrulha-lo e que não estará lá nem para o embarque nem para o adeus (que já foi dado precocemente). Pesos justos, injustos, reais.
As medidas eram igualmente complexas e se misturavam. Um tanto já era saudade. Uma saudade companheira, de onde se vai. Outra saudade antecipada, de onde se sai, das histórias construídas, do lugar do qual se passou a fazer parte. Um verso e reverso doido, que só quem sente sabe. A outra era a esperança, essa penetra, que enche os espaços mesmo sem ser convidada, e fica, mesmo sem ser notada. Ela pouco se importa com convites. Ela pouco se importa com o que queremos. Simplesmente existe. E ponto.
Assim, marcadas pelas lembranças, de malas prontas, pegou o seu pedacinho de amor pela mão, entrou no táxi e foi para o aeroporto.

A criança se divertia com o passeio, olhando a paisagem pela janela do banco de trás do carro, enquanto a mãe tentava, firme, equilibrar-se entre os pesos e medidas de sua bagagem.

Moral da História





Busco, logo me canso. Penso, logo crio asas. Não sei ser ou se sou e tampouco se quero ou não quero, mas busco. E essa é a chave. Não sei se blues, balada ou jazz, mas ouço. E tento só fazer o bem, evitar o mal, mas perco-me entre os parâmetros de bem e mal e engatinho entre os sentidos que pouco se completam.
Vivo pacificamente, hasteio bandeiras brancas ou coloridas, evito os conflitos e a moral de minha história é simples: reconheço os mesmos direitos para todos e não extrapolos os limites. Mas não gosto de limites. E volto a me prender neles, por eles e fico exausta, como pássaro em gaiola.
Se sou embarcação que abandonou o porto e há muito não sonha em ancorar em cais, como posso desejar abrir minha coleção de cartas náuticas? Como posso olhar para as estrelas e não em orientar por elas? Ah, eu que sou um constante abandono de bússolas e de astrolábios, tento guiar-me pelo som de seus lábios. Chama-me o nome e eu vou.
Ah, vento que dá em minhas velas, em meu vestido, que levanta a barra de minhas saias e me induz pelo caminho. Sopre as pétalas das flores. Sopres os tantos nomes que lhe confidenciei. Sopre todos os bem-me-queres para perto de mim e afasta todos os males.
Ah, vento que embala as manhãs e as balanças. Que deixa amena a gangorra vazia onde me sento pra ver findar mais um dia, seja meu companheiro, meu escudeiro, meu narrador de sonhos, cancioneiro das poesias.
Que eu não me contente com seus alísios e que saiba ser furacão, mas que a maioria dos meus dias seja de brisa, de calma, de frescor. Que esse sopro-vendaval-ventania me venha afastar as dúvidas e as abstenções, porque carrego a flâmula da opinião, da postura, do agir.
Seja a bondade uma constante distante dos meus humores e temperamentos. Que eu não seja vítima do bem que faço e nem sufoque-me com as possibilidades que não puder alcançar. E se sufocar-me que encontre abrigo, o alívio. O mesmo que ofereço, por mais que não o espere. Por mais que não o julgue necessário, porque todo mundo precisa de um travesseiro à noite e de um colo de vez em quando.
Que meus espinhos não sejam fatais e nem meu veneno sem antídoto. Porque lamberei minhas feridas e não quero padecer do meu próprio mal, o que busco é alívio.
Que não me fujam as palavras que se fecharão em desejos e planos e que elas me ajudem a formar a moral da história que escrevo. Uma história de quem busca, inconstante, incansável, uma trajetória a projetar-se.
Seja a minha parte que me cabe aquela de carinhos e sociabilidades que tenho com as flores, mas muito mais com as folhas outonais, conscientes de que fizeram seus papeis e agora lançam-se em espetáculos lépidos dos galhos.

Seja a minha parte da moral dessa história aquela que cabe a um transeunte de si mesmo: que nunca se acha, por mais que busque, mas que não abre mão das belezas de cada passo dado e de cada sabor experimentado seja doce ou amargo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ego quos amo




Seja lá qual for o fim,
Seja lá qual for o enredo,
O que temos aqui é a metafísica.
É onde haveríamos de chegar,
E chegamos.
É o que tínhamos de experimentar,
E negamos.
E, insaciáveis, tateamos
Todas as nossas dúvidas.
Fugimos das dívidas mais altas,
Mas pagamos preços imensuráveis:
Qual a moral da história?
Fazemos perguntas sem respostas.
Tentamos proteger a nós e aos outros
Em vão.
Castigamos. Amamos.
Filosofamos em vãs,
Nossas vãs construções.
Oscilamos entre bem e mal
E sequer sabemos o que é um ou outro ou todos.
Somos navios à deriva em mar de desconhecido.
Somos abstenções em plebiscitos
E citamos um discurso branco
E gritamos o vazio
E calamos o silêncio
Meta-fí-si-cos...
Sedentos de um sentido
Sedentos de uma história
Que além de uma moral
Tenha lembranças boas
Que resulte em afagos da memória
Que responda, ao menos uma vez,
Quem somos
Para onde vamos
Onde estamos
E qual o passo que teremos que dar.
O resto... imaginamos que sabemos
E nos embriagamos em nossas próprias histórias
Em nossos próprios mundos
Em nossos egos
E sabemos:
Ego quos amo

Arguo et castigo