Escorriam, do
alto dos prédios, sabores de sorvetes derretidos pela língua quente que ousava
desafiar aquela estabilidade cremosa.
Os azuis
celestes pingavam nas espumas brancas das ondas daquele mar de sensações em
mais um fim de tarde.
Perdida nos
entremeios daquele domingo, esperando sabe-se lá o quê, ela dançava um blues, soçobrando a calmaria
tradicionalmente instaurada naquele que não era um dia de feira.
Os fones nos
ouvidos a desconectavam daquele cenário de concretos e amores congelados. Ela ouvia as batidas de seu coração e vivia
uma balada: a balada dos primeiros amores.
(Recusava-se a acreditar em um único primeiro amor, pois defendia o ineditismo de todas as emoções vividas.)
(Recusava-se a acreditar em um único primeiro amor, pois defendia o ineditismo de todas as emoções vividas.)
Como se o
tempo parasse para assistir a sua euforia, dançando no meio do mundo, expondo
as suas alegrias e deixando-se mais leve do que a pluma de Osíris, ela
observava a fonte seca do meio da praça. Ou nem isso. Olha e nem via. Dançava. Quase pairava.
Podia ser a
Praça Paris ou o Passeio Público. Poderia ser em qualquer um dos jardins da cidade ou próximo
ao Relógio das Flores, pouco importava o lugar. A balada é que dava o tom
daquele blues que era quase tranquilo
como o seu amor.
Descobrira-se
apaixonadamente envolvida em novos versos, novos nomes, novos dedos emaranhados
e traçava planos de tranquilidade e companheirismo para as tantas horas que
pulariam entre as nuvens daqueles céus de outono.
Achava o seu blues tranquilo. Achava o seu amor
tranquilo. Mas estranhava, já que nem blues
e nem amores são tranquilos. Deu-se uma folga. Não pensava em nada. E era
levada, em-balada pelo som.
Ali, no meio
da praça, apaixonada, ela parecia ter nascido para dançar. Parecia ter nascido
entre as flores. Parecia louca deixando o corpo envolvido em cada novo acorde
que ouvia.
Estava entregue
à nova descoberta: a música jamais ouvida lhe despertara sensações
inexplicáveis e a envolvera como nada antes havia conseguido fazer.
Ali, entre
passantes, pombos, pipocas, crianças, ela havia apaixonado-se perdidamente
pelas notas suaves e (quase) tranquilas daquela canção, deixando-se solta entre uma
balada e um blues que, a partir daquele momento, passou a ser tão sua.
Ali, em um
domingo quase sem graça, ela redescobriu sons de tempos passados e sonhou ser
uma nota daquela partitura.
Naquele fim de
tarde ela descobriu-se amante também da música, sem deixar de lado a poesia,
porque não lhe cabia a monogamia quando se tratava das artes e, agora, flertava
também com as cores, pingando matizes de risos lunares ao crepúsculo de
despedida de um sol alaranjado.
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