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terça-feira, 10 de junho de 2014

Entre uma Balada e um Blues



Escorriam, do alto dos prédios, sabores de sorvetes derretidos pela língua quente que ousava desafiar aquela estabilidade cremosa.
Os azuis celestes pingavam nas espumas brancas das ondas daquele mar de sensações em mais um fim de tarde.
Perdida nos entremeios daquele domingo, esperando sabe-se lá o quê, ela dançava um blues, soçobrando a calmaria tradicionalmente instaurada naquele que não era um dia de feira.
Os fones nos ouvidos a desconectavam daquele cenário de concretos e amores congelados. Ela ouvia as batidas de seu coração e vivia uma balada: a balada dos primeiros amores. 
(Recusava-se a acreditar em um único primeiro amor, pois defendia o ineditismo de todas as emoções vividas.)
Como se o tempo parasse para assistir a sua euforia, dançando no meio do mundo, expondo as suas alegrias e deixando-se mais leve do que a pluma de Osíris, ela observava a fonte seca do meio da praça. Ou nem isso. Olha e nem via. Dançava. Quase pairava.
Podia ser a Praça Paris ou o Passeio Público. Poderia ser em qualquer um dos jardins da cidade ou próximo ao Relógio das Flores, pouco importava o lugar. A balada é que dava o tom daquele blues que era quase tranquilo como o seu amor.
Descobrira-se apaixonadamente envolvida em novos versos, novos nomes, novos dedos emaranhados e traçava planos de tranquilidade e companheirismo para as tantas horas que pulariam entre as nuvens daqueles céus de outono.
Achava o seu blues tranquilo. Achava o seu amor tranquilo. Mas estranhava, já que nem blues e nem amores são tranquilos. Deu-se uma folga. Não pensava em nada. E era levada, em-balada pelo som.
Ali, no meio da praça, apaixonada, ela parecia ter nascido para dançar. Parecia ter nascido entre as flores. Parecia louca deixando o corpo envolvido em cada novo acorde que ouvia.
Estava entregue à nova descoberta: a música jamais ouvida lhe despertara sensações inexplicáveis e a envolvera como nada antes havia conseguido fazer.
Ali, entre passantes, pombos, pipocas, crianças, ela havia apaixonado-se perdidamente pelas notas suaves e (quase) tranquilas daquela canção, deixando-se solta entre uma balada e um  blues que, a partir daquele momento, passou a ser tão sua.
Ali, em um domingo quase sem graça, ela redescobriu sons de tempos passados e sonhou ser uma nota daquela partitura.
Naquele fim de tarde ela descobriu-se amante também da música, sem deixar de lado a poesia, porque não lhe cabia a monogamia quando se tratava das artes e, agora, flertava também com as cores, pingando matizes de risos lunares ao crepúsculo de despedida de um sol alaranjado.

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