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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Palma das Mãos


Trazia nas mãos palavras encantadas, mas nem sempre as distribuía por aí. Gostava de guardá-las como se fossem seus tesouros mais preciosos.
Na ponta dos dedos carregava uma delicadeza digna de versos, soando suaves como sonetos que falavam de amor e jamais fechavam as suas rimas com dor.
Na palma das mãos era capaz de traçar destinos tão leves feito uma bolha de sabão, tão coloridos quanto um arco-íris, mas também era capaz de embolá-los como novelos, brinquedos de gatos manhosos em tardes amenas.
De longe essa poderia ser destacada como a sua especialidade: embolar as palavras. As ditas, as não ditas, as desditas. Sortilégios de quem nasce com um quase-dom da escrita: não saber conter-se.
Entre um papel e uma caneta, a folha em branco sempre trazia uma poesia. As linhas vagas sempre estavam à espera de prosas, dedos de prosas descompromissadas envolvidas em aromas e sabores fortes de cafés e chás, de raios de sol e de cheiro de terra molhada.
Não sabia conter-se e também não sabia o que fazer com o ouro que lhe brotava das mãos. Sentia-se um pouco como Midas, mas com mais valor do que o resultado do rei. Para ela as suas palavras eram muito mais valiosas que qualquer ouro.
Quase todo papel que tocava era transformado em palavras. Da boca saiam risos rimados. As palavras soltas se ajuntavam entre seus dedos. Meneavam e arranjavam-se de modo envolvente, desejosas de serem ouvidas por um ou outro vento. Mas eram todas guardas.
A arca sagrada onde as palavras, frutos daquelas mãos, eram guardadas não era de cedro do Líbano, de madeira de lei, de ouro. Era de carne e sangue, de pulsar, de contrair-se e dilatar-se a cada nova palavra. A cada novo arranjo.
Tudo o que lhe viam com aquelas palavras era guardado no coração. Por isso, só poucas palavras eram expostas. Por isso, quem bem entendesse poderia enxergar ali, grãos dela mesma, velados em contextos diários, quase fictícios, mas com matizes de uma vida real.
As palavras que trazia nas mãos nem sempre nasciam dela mesma. Às vezes a escolhiam por morada e ela, generosa, acolhia todas. E as ninava, cobrindo-as com seus sonhos, alimentando-as com sua seiva vital. Aceitava usar e ser usada pelas palavras que lhe pousavam nas mãos. E assim, seguia seus dias escrevendo.

Dava guarida aos versos, às rimas, às palavras e dormia tranquila. E sonhava sonhos de azul. E escrevia coisas que talvez nunca seriam lidas. Escrevia. E sentia-se uma escritora que habitava estantes empoeiradas a espera da descoberta de leitores que também acolheriam as suas palavras. 

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