Trazia nas
mãos palavras encantadas, mas nem sempre as distribuía por aí. Gostava de
guardá-las como se fossem seus tesouros mais preciosos.
Na ponta dos
dedos carregava uma delicadeza digna de versos, soando suaves como sonetos que
falavam de amor e jamais fechavam as suas rimas com dor.
Na palma das
mãos era capaz de traçar destinos tão leves feito uma bolha de sabão, tão
coloridos quanto um arco-íris, mas também era capaz de embolá-los como novelos,
brinquedos de gatos manhosos em tardes amenas.
De longe essa
poderia ser destacada como a sua especialidade: embolar as palavras. As ditas,
as não ditas, as desditas. Sortilégios de quem nasce com um quase-dom da
escrita: não saber conter-se.
Entre um papel
e uma caneta, a folha em branco sempre trazia uma poesia. As linhas vagas
sempre estavam à espera de prosas, dedos de prosas descompromissadas envolvidas
em aromas e sabores fortes de cafés e chás, de raios de sol e de cheiro de
terra molhada.
Não sabia
conter-se e também não sabia o que fazer com o ouro que lhe brotava das mãos. Sentia-se
um pouco como Midas, mas com mais valor do que o resultado do rei. Para ela as
suas palavras eram muito mais valiosas que qualquer ouro.
Quase todo
papel que tocava era transformado em palavras. Da boca saiam risos rimados. As palavras
soltas se ajuntavam entre seus dedos. Meneavam e arranjavam-se de modo envolvente,
desejosas de serem ouvidas por um ou outro vento. Mas eram todas guardas.
A arca sagrada
onde as palavras, frutos daquelas mãos, eram guardadas não era de cedro do
Líbano, de madeira de lei, de ouro. Era de carne e sangue, de pulsar, de
contrair-se e dilatar-se a cada nova palavra. A cada novo arranjo.
Tudo o que lhe
viam com aquelas palavras era guardado no coração. Por isso, só poucas palavras
eram expostas. Por isso, quem bem entendesse poderia enxergar ali, grãos dela
mesma, velados em contextos diários, quase fictícios, mas com matizes de uma
vida real.
As palavras
que trazia nas mãos nem sempre nasciam dela mesma. Às vezes a escolhiam por
morada e ela, generosa, acolhia todas. E as ninava, cobrindo-as com seus
sonhos, alimentando-as com sua seiva vital. Aceitava usar e ser usada pelas
palavras que lhe pousavam nas mãos. E assim, seguia seus dias escrevendo.
Dava guarida
aos versos, às rimas, às palavras e dormia tranquila. E sonhava sonhos de azul.
E escrevia coisas que talvez nunca seriam lidas. Escrevia. E sentia-se uma
escritora que habitava estantes empoeiradas a espera da descoberta de leitores
que também acolheriam as suas palavras.
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