Olhando para o
jardim das casas da vizinhança, como se fosse uma estátua que compunha a
paisagem, ela refletia sobre o seu não dom de cultivar flores e outras coisas.
Não era a
menina do dedo verde. Descobrira isso ainda na infância, mas aulas de ciências,
nas quais o seu feijão era o único a não brotar no algodão molhado.
Talvez fosse
falta de paciência. Falta de água não era. Incontáveis vezes a professora
precisava salvar o pobre feijão do afogamento inevitavelmente provocado pela
pressa em ver o broto surgir refletida nos quase dilúvios que caiam sobre o
grão.
Outras vezes,
diante do fracasso do excesso de água, deixava o feijão em total privação.
Fazia do algodão uma sucursal do Saara: sequer uma gota d’água passava perto da
experiência. E o broto não nascia. O grão permanecia dormente, como a princesa
dos contos de fada à espera do beijo.
Anos mais
tarde tentou a sorte com vasos de plantas: lindas violetas só ficavam lindas na
floricultura. Na casa dela morriam todas. Até um cacto ela conseguiu matar... de
sede!
Definitivamente,
cultivar flores não era a sua especialidade. E, nos últimos tempos o cultivo de
pessoas também não estava sendo.
Dispersa por
sua própria natureza, voando no mundo da lua ou navegando pelos mares de seus
pensamentos intempestivos, não era muito apegada aos contatos pessoais. Esquecera-se
de que as pessoas – e as amizades – são como as plantas e precisam de doses diárias
de cuidado, de atenção, de afeto.
Presa ao
fantástico mundo de seus pensamentos organizava a vida como os capítulos dos
livros que guardava na estante, sem achar isso algo ruim.
Já havia realizado
boa parte de sua lista de desejos para a vida. Já havia plantado árvores. Já
tinha brincado de ser poeta, já tinha viajado por terras desconhecidas, que
sequer sonhara alcançar.
Empenhava-se
em manter a ordem que havia criado e assim estava tudo como deveria, mas
esquecera-se de cultivar... as pessoas. Estabelecia contatos curtos, com prazos
de validade: não se apegava, não se deixava cativar e nem fazia muita questão
de firmar nós. Os laços brandos que formava pareciam feitos de nuvens e logo se
dissipavam.
Aos poucos o seu jardim de pessoas estava
perdendo os sorrisos. Aos poucos o seu dedo marrom distanciava os risos frouxos
e uma paisagem ressequida se formava.
Em um outono
desses, percebeu seu quase inverno e passou a se esforçar mais. Passou a
refletir sobre as medidas que a vida solicita. Percebeu que para cada uma de
suas sementes havia medidas d’água diferentes e, talvez por isso, por sempre
usar a mesma medida, não conseguia ver flores desabrochando ao seu redor.
Diante das
diversidades passou a ter novos olhares, novas medidas, novos tratos e já podia
ver brotos, sinalizando a volta da primavera mesmo fora da estação.
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