Reconheço que perdi. Paro diante dela e sou
obrigada a reconhecer sua vitória.
Em minhas lembranças sempre a via de negro,
mas hoje, sua altivez resplandece alva, com véus e saias longas e arrastadas
sobre o tapete e as flores. Flores que exalam um perfume que para alguns são
compostos de notas doces, mas a mim são mais enjoativos do que outra coisa.
Chego a ter náuseas.
A comparação é inevitável quando nos
encontramos no mesmo quadro. É notável que aparento mais vigor, mais energia,
que pareço uma explosão de sentimentos e impulsos, que pareço ter nos lábios
levemente avermelhados meia dúzia de palavras fortes para dizer, mas são tantos
cristais nos olhos a esconder...
Ela, ao contrário, pálida. A cada minuto mais
branca, mais estática. Com o rosto sustentando um quê de sorriso de Monalisa
que todos comentam sem saber ao certo que palavras usar ou que palavras calam.
Por nossos sentimentos únicos nos tornamos
quase gêmeas. Não fosse a exigência monogâmica do destino, quase poderíamos
dividir o mesmo espaço no peito dos homens que conquistamos. Somos, em
realidade, inseparáveis.
Em certa medida travamos, a todo tempo, uma
disputa de nossas conquistas: eu, com meus atrativos mais alegres, encarnada em
cores quentes, despertando sensações de meio-dia, de tardes de domingo, de
primaveras confiantes e verões intermináveis. Ela é mais reservada,
melancólica, transitando entre o entardecer e o amanhecer, timidamente exposta,
com dedos longos e frios a ajeitar madeixas loiras que escondem bem suas
intenções.
Por nossa necessidade e fim nos tornamos
inseparáveis. Uma é dependente da outra e nos completamos. Por mais que sejamos
desejosas de um mesmo corpo, não podemos dividi-lo, mas sabemos que a cada hora
uma de nós o terá.
Reservo-me os melhores dias. Os mais alegres.
Mas meu tempo é breve quando ela aparece. Cabe a ela selar os fins. Por o ponto
final. É mais forte que eu. Por isso reconheço minha derrota.
Estou aqui reconhecendo nossa
complementaridade, não como quem se dá por satisfeita ou desiste da luta, mas como
quem sabe que todo camelo, no meio da travessia, precisa de um oásis; como quem
sabe que toda hora se encerra; que toda vírgula prenuncia um ponto.
Estou aqui como o fio que nos une e nos
separa, como o caminho que leva ao destino de todos e entrego cada um dos que
tive pelas mãos às mãos dela. Estou aqui assumindo que todo início tem um fim e
que por ser a vida só posso conduzir à minha quase gêmea, à morte.
Reconheço que perdi. O fim da vida é mesmo
entregar o último sopro à morte, mas desfaço a sua lembrança enlutada e a
coloco mais leve, mais translúcida. Enquanto vida que foi de fato vivida,
entrego os pontos finais rumo ao descanso sagrado, à noite amena de sono eterno,
sonho e esperança. Que seja a morte uma dama de companhia que nos guia para um
mundo melhor. Que seja ela a irmã quase gêmea e entendida em sua necessidade
final.
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