Perdida em si mesma vagava pelas horas que
corriam no fio da espada do tempo. Cortante. Corrente. Arrastado pelas noites,
acompanhado de gemidos contidos para não incomodar as vizinhanças. Vestia-se de
branco e combinava-se com seus fantasmas interiores.
Pela janela, quem a visse só teria duas
opiniões: assombração da meia-noite caminhando em plena metade do dia ou jovem
louca. Demente. Entrementes ela se deixava alheia aos comentários. Não precisava
deles.
Com o olhar fixo em um ponto invisível no
horizonte, quando as pálpebras se baixavam, eram como pesos mortos. Cortinas que
encerravam atrás de si o mundo inteiro. Morto. Fosco. Sem viço. Como os seus
planos abortados e histórias não escritas.
Esse cenário estático e dormente durava só um
suspiro, um lamento, um quase desespero dissipado com o reerguer dos olhos. Tudo
renascia quando ela movia a cabeça e ousava olhar de novo. Tudo se iluminava
pelo seu sorriso de nuvens em céu de metrópole acelerada.
Por certo aquela tristeza era inventada. Ninguém
poderia ser tão infeliz em um momento e em um segundo próximo irradiar toda
alegria que continha aquele sorriso. Um único rosto não poderia ao mesmo tempo encerrar
as letras do mundo, letras tortas e sem sentido, e se abrir em um dia de
domingo ensolarado, rimas de poesia harmoniosa.
Se inventadas ou reais, não eram órfãs toda tristeza
e alegria que pairavam na sala e que podiam ser vistas pela janela. Eram tomadas
com o devido gosto pela jovem que valsava de branco nas tardes avermelhadas ou
nas noites de azul questionador. Eram cuidadas como crianças galopantes que não
deixam a casa parecer vazia em nem uma hora do dia.
A jovem sabia ser a dona de sentimentos tão diametrais
quanto complementares e isso não a incomodava. Ao contrário, deixava-a mais
tranquila, mais convicta de que era capaz de perceber as sutilezas de cada
momento.
Quando vista como assombração, marcada pela
tristeza incompreendida, enfeitiçava os passantes. Aparecia-lhes nos sonhos,
estreitando suas camas e perguntando a eles o porquê da permissividade em sufocarem-se
todos pelos desprazeres cotidianos.
Por outro lado, quando vista como louca, era
pelo riso quase insano. Pelo sorriso largo, branco e devorador de sombras. O som
de seu riso era canção. Melodia agradável que beijava os ouvidos e enchia os
olhos. Impossível não serem vistos quando os olhos se fechassem. Impossível não
ouvi-los quando a boca abria querendo jogar ao vento confissões matinais.
Criatura docemente triste, levemente feliz,
sutilmente equilibrada em dramas cômicos e comédias trágicas que lhe conferiam um
caráter diferente a olho nu, mas que diante de lentes revelava-se igual a todos
em seu íntimo. O que a deixava mais propensa a receber títulos era a sua
transparência.
Interpretava, ela mesma, os seus próprios
papeis. Protagonista de suas próprias histórias e desventuras, com o peito
aberto e nervos à mostra. Segurava suas dores sozinha e não tomava remédios
para elas. Aprendia gota a gota que amargos eram os outros e não a vida.
Aceitava queimar-se no fogo que trazia no
peito e acalmar-se com as lágrimas que lhe rolavam pelo rosto. Era fogo que
vertia água. (E todos são, mas poucos o sabem ou se assumem tão opostos a si
mesmos).
A jovem que parecia vagar sozinha, perdida em
si mesma era consciente e não louca. Era real e não um fantasma. Mas incomodava
aqueles que não sabiam lidar com seus sentimentos, suas imperfeições e que não
se deixavam ver completamente nem por si nem pelos outros.
Ela era igual a qualquer ser vivente sobre a
Terra, mas aprendeu a aceitar a si própria e por isso parecia de outro mundo. Ela
aprendeu que seu equilíbrio era o fio da espada e que poderia trazer alguma
dor, mas que com a medida certa a levaria cada vez mais longe. Por ter se
encontrado, parecia perdida, mas era só questão de se saber de que lado era
observada. Só quem a via de dentro para fora entenderia.