Visitas da Dy

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Silêncio e Solidão



De que me vale toda essa mobília se a casa fica sempre vazia?
E para quê tantos copos e pratos e talheres, nessa mesa posta se ningué me visita?
Não, não é por falta de amigos, me entenda bem… é que em certos momentos da vida passamo a apreciar mais a solidão e o silêncio. Passamos a preferir a companhia dos livros, dos poemas, poesias, prosas, mesmo.
Às vezes digo que prefiro a companha dos mortos, porque parece que só eles me compreendem: encontro-me nas toadas de Eric Satie, de Chopin, de Bach. Reencontro meus senimentos nas linhas dos que já foram como Pessoa, Maiakovski, Goethe, Drummond, Cecília, Florbela, Clarice, Neruda, Garcia Márquez, Galeano.
Há algum tempo pensava que esse apreço pela solidão só se dava na velhice, quando cansadas do mundo, cansadas de suas vidas, as pessoas preferiam se recolher e fazer o seu balanço final, avaliar o que foi feito, suas condutas, suas ações.
Ilusão!
O apreço pela solidão vem da necessidade de se encontrar.
O que me faz passar horas olhando os meus livros na estante nesse quarto que parece não ser meu é o fato de que preciso me encontrar.
Sair às ruas sorrindo e distribuindo “bom dia” à toda gente é fácil. O difícil é encarar o espelho. É se ver só com você mesma. É entender que os planos falham, é ver seus defeitos de frente, é aceitar quem você é e buscar melhorar o que não lhe agrada.
O que me faz escolher a imensidão dessa casa vazia à companhia de pessoas é que nem todas saberiam entender o que se passa no meu coração, porque somos muito acostumados a julgar só pelas aparências, é que quase ninguém consegue ver a sua essência por baixo da maquiagem. É que os seus vestidos bonitos dizem mais aos olhos de quem lhe vê ou aos dedos que lhe apontam do que as atitudes honrosas que você toma.
Apetece-me esse silêncio porque estu cansada de ser vitrine. Sim, somos vitrines o temo todo! O que importa para os outros é o que eles vêem e não o que sentem e isso é doloroso. É o sinal de que as coisas não vã bem, de que o barco está furado, de que o capitão fugiu no primeiro bote e de que estamos à deriva, valorizando demais o que não tem a menor importância.
Nossos olhos ganharam mais importância: através deles podemos lançar mão de nosso achismo consumista e oportunista e rotuar as pessoas pelo que elas aparentam.
Deixamos de lado nosso coração e o ato de sentir, de conhecer o outro, de extrair o melhor dele e, então, apreciar essas companhias, essas virtudes.
O que me faz apreciar as madrugadas e esse silêncio angustiante que só é quebrado pelo som da chuva que cai desesperadamente em minha janela nesse momento é o fato de que para as pessoas o que importa é que cabelos vermelhos são sinônimo de gente rebelde, que não presta, que só pensa em baderna. Por que não pode ser só a minha cor preferida? A que eu acho que combina mais comigo?
Sim, eu gosto de vermelho. Sim, eu sou rebelde. Sim, eu vou gritar ao me incomodar. Vou espernear. Não vou me conformar. Prefiro a derrota de ter tentado do que a dúvida de um “se”.
Sim, vou usar vermelho nos cabelos. Ele mostra a cor do meu coração que sangra. Que arde. Que se agita ao menor sinal de fogo. Que acelera ao ver o mar. Que sabe que é confuso e que não consegue se organizar. Que pulsa desenfreadamente e descompassadamente em busca de respostas.
Sim, vou usar o vermelho, mesmo que não goste dessa cor nas unhas… mesmo que prefira rosas amarelas, mesmo que seja fora dos padrões.
Vou ser gauche na vida!
O que me faz gostar dessa casa infinitamente grande e vazia é que aqui as paredes ecoam a minha voz, que me é familiar e me dá alento. É que aqui a única voz que escuto faz eco aos meus anseios e não os questiona ou limita ou tenta descontrui-los.
Gosto da sala vazia e dos livros espalhados por toda parte, não só porque gosto de ler, mas porque gosto das palavras ditas, soltas, que voam, que tomam  corpo e força e expressam (quase) tudo aquilo que está na alma.
Gosto de ver essa mesa posta, ainda que vazia. Ela me faz lembrar que já esteve cheia, mas que as pessoas em sua maioria não mereciam esse lugar, porque eram máscaras venezianas ao invés de essência. E para mim, máscaras só no carnaval, para disfarçar as dores que temos no resto do ano. A mesa vazia me faz pensar melhor em quem convidar para sentar-se nela da próxima vez. Faz-me refletir sobre as pessoas e o sentimento de confiança, de reciprocidade, de entrega, de amizade.
Gosto dos copos vazios, sem bebidas ou alegria. Gosto deles assim para lembrar do som dos brindes e pensar em quantas vezes esses brindes foram vãos. Da próxima vez escolherei melhor a bebida, melhor a companhia e melhor as palavras do brinde, porque brindar é selar um pacto. E um pacto deve ser levado a cabo.
O que me faz sentir-me em paz nesse silêncio que amargura o coração é que ele me faz crescer e amadurecer e como todo processo de amadurecimento me faz ser melhor. Faz com que eu me entenda, me aceite, me transforme.
O que me faz entender e aceitar e preferir o silêncio e a solidão desses dias cinzentos e nublados e longos e tediosos é a certeza de que em breve o sol nasce, o dia se colore e isso passa. E a casa voltará a ter pessoas circulando. Não tantas quanto antes, mas raras e caras, nas quais posso confiar porque me entendem. Porque foram escolhidas e me escolheram, e por isso sabem que meu silêncio e isolamento são necessários de vez em quando.

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