Visitas da Dy

quinta-feira, 10 de março de 2022

Fugas

 



Foges de mim

Quando a data é marcada.

Foges de mim 

Se o encontro é inesperado.

Foges de mim 

Esquivando-se em versos.

Foges de mim

Em letras de canções.

Aqui sou eu e meu quarto 

E as horas passam

E as sombras ficam

Cada vez mais escuras 

E longas pelo chão

Nesse jogo de luzes 

Que entra pela janelas e pelas frestas

E foges de mim 

Pois não sabes o que fazer

Com o tanto de ventania que eu sou 

Foges de mim

Porque teme os incêndios

Que tu mesmo provocaste

Foges porque antes caçava

Agora, temes que a presa seja caçadora

Foges porque sabes que o limite é pouco

Que a noite não basta

E que não sabes se aguenta

Atravessar tanta estrada

Que leva ao que queres

E evitas. És um filhote

Mas ruges como leão

Não o temo. Enfrento.

E tu foges...

quarta-feira, 9 de março de 2022

Justa posição

 





Quanto a mim, tomo decisões sensatas.

Atendo ligações, respondo cartas,

Adio meus medos e bebo coragem.

É preciso estar atenta ao tempo,

Aos sinais: sei que não é a hora.

Talvez eu saiba que a hora nunca vai chegar

Mas isso é outra história.

Estou tranquila e um pouco daquilo:

Resiliente ...

Palavra bonita, calada, pensativa...

Tanto que me incomoda.

Mas, estou tranquila e um bocado inquieta

Folheando livros e cadernos,

Escrevendo cartas ou poemas

É que me perco nas palavras

E não sei se estou lhe respondendo

Ou me expondo.

Escrevo.

Leia e decida: carta ou poema?

Estou tranquila.

terça-feira, 8 de março de 2022

Noites




Dentro de mim é noite
(E você faz morada).
É que o imagino noturno,
Escuro, pouca voz, muita imensidão.
Há também uma mansidão selvagem
De fera que caça, mas se entrega
E eis que ouço o mar
(Mesmo habitando montanhas).
É que o imagino profundo,
Salgado, pouca calmaria, muita intensidade.
Há aqui fora uma noite
E ela é maior que a minha 
E as duas se encaram
E desistem da luta: coexistem
Porque sabem que também sou noite
E eu as pertenço e as engulo
E as aceito e reinvento
É que me imagino sua
E embora seus olhos sejam sois,
É nas noites que cabemos mais.

domingo, 6 de março de 2022

Mergulho

 



 


Penso alto. 

Os pensamentos soam como palavras.

Não sei se alguém escuta.

Planejo alto. Vôos de papel.

Barcos de papel: viagens breves.

Dessas que faço embaixo do chuveiro,

Dessas que guardo dentro do travesseiro.

Mas tenho medo.

Medo de ser um barco à deriva

E esse rio parece tão selvagem...

Como a moça que parece cavalgar com o vento.

Eu tenho medo do Rio...

Da impetuosidade da correnteza

E, então, as invento calmaria.

Calculo estrelas e rotas

E falho. Miseravelmente.

Eram os planos.

Eu já sabia dos erros!

Mas não planejar me paralisa

E eu preciso seguir o curso do Rio.

Ele me convida ao movimento.

Planejo o mergulho



 

sábado, 5 de março de 2022

Sabor das palavras

 








Cada vez mais gosto do sabor das palavras.

De como posso articula-las e desnortear os seus sentidos

Ou de como posso açucarar meus pedidos

Ou apimentar seus desejos.

Tudo depende, claro, de minhas escolhas,

De meus pesos e medidas

E de como vou servi-las aos seus ouvidos

E, a essa altura, minha dúvida é:

Sussurros ou gemidos?

Por aqui, entendo de temperos

E cada vez mais apuro o paladar

E extraio nuaces diferentes 

De cada sabor, de cada palavra

sexta-feira, 4 de março de 2022

Ousadias

 






Em verdes manhãs, colhi amoras

E com elas pintei meus lábios

Para dizer seu nome ao vento

(Parte do que sou).

Contei as horas do verão

Espreguiçando no tempo

Enquanto corria feito tempestade

(Outra parte do que sou).

Adormeci como quem tem paz.

E sonhei com seus olhos,

Suas mãos e seus cheiros

(Aquilo do que desejo fazer parte).

Não o alcancei nem o tive nas mãos.

Não me disse palavra nem verso.

Deixou-me ali: com seus castanhos.

Olhos fixos, macios, profundos.

Um convite ao mergulho.

Acordei como musa sendo observada:

Em despertar leve e cintilante

E quis ventar meus sonhos até você

Para que colha ardentes desejos

No lugar que semeou vontades



quarta-feira, 2 de março de 2022

Margens

 





Há entre nós um rio

De águas correntes,

De um asfalto quente,

De distâncias imensas

E somos as margens.

Há o céu de me cobrir de azuis

Para que eu me esqueça da espera, 

Para que eu me desfaça em tempestade,

Para que seus lábios me alcancem.

Quero, nesse rio, ultrapassar a beira,

Navegar seus braços e pernas,

Mergulhar segredos e cantos

Quero, nesse rio, descobrir-me mar

Dar-lhe um búzio para se guardar

E fazer de nós um talismã.

Quero a delicadeza das chegadas 

 Vagarosas correntezas,

Preguiçosas manhãs

Tempo parado no ar.



 


terça-feira, 1 de março de 2022

Antes da Vida







Ela vai se extinguir 
Como a chama da vela.
E assim como o ar me encheu dela,
Será com a entrega do suspiro
O último, derradeiro, que serei o nada.
Ela vai findar
Como um livro lido
Alguns grifos, dobras, nomes
Um tanto de histórias
E talvez fique na estante:
Fotografia-memória.
Mas eu não tenho medo do fim da vida.
Não receio falar o nome da morte.
Mas, aqui no fundo, tenho medo
Medo de morrer antes da vida acabar
Antes de eu fechar os olhos, sem ar.