Visitas da Dy

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Insistência




Quero um cigarro, penso. Você não fuma, eu mesma me respondo. Droga! Não era pra ser um monólogo. Era pra ter alguém aqui, sentado ao meu lado ou na minha frente, tanto faz. Era pra ter alguém me aconselhando. Indicando um livro de auto ajuda ou esses romancezitos tipo best-sellers que vendem-se a milhares, todos com a mesma fórmula, mas eu dispensei todos.
Dispensei os muito amigos e aqueles que se dizem amigos. Aqueles que se dizem amores também. Beirando os quarenta e muitos anos a gente desacredita de tudo. Perde a fé. Menos naquela santinha ali, na cabeceira da cama. Bonita a imagem. Não lembro nem o nome. Mas é bonita. É tranquila. Lânguida.
Talvez eu acenda uma vela. Dizem que isso é bom. Pro anjo da guarda ou pra santinha ou pra iluminar a sala. De novo, tanto faz. Nem eu sei o que estou buscando. Desisti de entender as coisas. Principalmente as pessoas.
Esses universos paralelos que são os outros, quando nos tocam deixam mesmo à vista só o que lhes interessa, só o que lhes convêm. Mas não é um caso de culpa. E eu nem gosto dessa palavra. Eu também devo ser esse universo indecifrável. Esse livro de palavras cruzadas em que a gente tenta copiar a resposta do final, mas acaba desanimando no meio do caminho.
Outro dia li numa revista dessas aí que estou no meio da vida. Puta-que-pariu! No meio da vida! Caminhando para a melhor idade. Qual é mesmo a definição de melhor? Eu ainda não entendi bem. É uma sexta-feira à noite. Eu poderia sair. Beber uma cerveja num bar descolado, trocar uns telefones, não ligar amanhã. Podia ver gente, só pra ter o prazer de conversar com alguém desconhecido: enfrentar aquele tédio de se tentar adivinhar coisas sobre os outros, mas estou cansada. Estou preferindo ficar sozinha.
Tenho preguiça. Uma mórbida preguiça que talvez tenha contaminado meus sonhos. E foi ela quem me deixou aqui, feito essa estátua pousada nesse sofá que eu mesma escolhi a contra-gosto, porque não queria essa cor, mas era uma promoção. Veio esse mesmo.
Na verdade estou em casa esperando o telefone tocar. E eu sei, ele não vai tocar. E eu não vou dizer tudo o que gostaria, porque, se eu soubesse como fazer isso, seria um poema. Um, não. Vários. Um livro inteiro. Há tanta beleza nessa vida. Mas acho que ela me abandonou. Ou preciso trocar de óculos?
Ligo essa TV que pago a assinatura e desconheço bem mais do que noventa por cento dos canais que dizem ter. Lá fora o mundo está destroçado. E eu achando que a coisa que tinha explodido e feito-se em cacos era eu... Nada! É o mundo! Tudo um colapso! É confusão política, é falta de bom-senso, é corrupção e jornal que engana. É novela que sempre traz a mesma trama. Ninguém desconfia disso?
Não tenho mais quarenta e muitos anos. Devo ter mais de mil. Falta-me a paciência e a força de vontade de seguir em frente. Ouvi sirenes lá embaixo. Polícia ou ambulância, tanto faz. Amanhã sai no jornal o que foi. Aqui no meu sacrossanto lar nada aconteceu. Não preciso me preocupar. Verifiquei todas as trancas, portas e janelas. Estou livre dentro da gaiola que me disseram ser um lar. Só eu me sufoco com a ausência do ar?
Tumulto no filme. O ser humano gosta de uma balbúrdia. Quanto mais crueldade mais audiência, mas é coisa mesmo só de cinema, TV, sei lá. Na manifestação que passou a pouco, levantavam patos de borracha. No eu tempo a única borracha que eu via na manifestação era das balas de borracha. Estamos embrutecendo. Virando um monte de nada sem sentido.
E eu estou aqui, praticamente sem fé em nada, olhando pra imagem da santinha. Uma baita vontade de desistir. Uma baita vontade de abrir essa janela e gritar ou pular, mas eu nem vou voar. Tenho uma amiga que me mandaria pro terapeuta se me ouvisse agora. Os outros ofereceriam o remedinho da moda. Eu, não. Eu só vou fazer o que sei fazer  de melhor até agora nesse quase meio século de vida: um drama básico, culpa da lua em câncer ou capricórnio ou sei lá em quem. 

Ah, e também vou continuar sendo teimosa e não vou abandonar essa coisa morna que estão chamando de vida. Perdi a fé. Um pouco de paciência. Perdi a motivação, não a coragem. E, além de tudo, ainda tenho um gosto pelo (auto) sofrimento, por essa melancolia que vai me acompanhar da hora que acordo até eu me deitar. Não vou fazer nada demais. Vou insistir nessa tal vida. Tentar destruir o que me destrói. Ou a mim mesma. Como diria um livro que li por aí, “tem coisa mais autodestrutiva do que continuar sem fé nenhuma”?

0 Comentários:

Postar um comentário