Quero um
cigarro, penso. Você não fuma, eu mesma me respondo. Droga! Não era pra ser um
monólogo. Era pra ter alguém aqui, sentado ao meu lado ou na minha frente,
tanto faz. Era pra ter alguém me aconselhando. Indicando um livro de auto ajuda
ou esses romancezitos tipo best-sellers
que vendem-se a milhares, todos com a mesma fórmula, mas eu dispensei todos.
Dispensei os
muito amigos e aqueles que se dizem amigos. Aqueles que se dizem amores também.
Beirando os quarenta e muitos anos a gente desacredita de tudo. Perde a fé.
Menos naquela santinha ali, na cabeceira da cama. Bonita a imagem. Não lembro
nem o nome. Mas é bonita. É tranquila. Lânguida.
Talvez eu
acenda uma vela. Dizem que isso é bom. Pro anjo da guarda ou pra santinha ou
pra iluminar a sala. De novo, tanto faz. Nem eu sei o que estou buscando. Desisti
de entender as coisas. Principalmente as pessoas.
Esses universos
paralelos que são os outros, quando nos tocam deixam mesmo à vista só o que
lhes interessa, só o que lhes convêm. Mas não é um caso de culpa. E eu nem
gosto dessa palavra. Eu também devo ser esse universo indecifrável. Esse livro
de palavras cruzadas em que a gente tenta copiar a resposta do final, mas acaba
desanimando no meio do caminho.
Outro dia li
numa revista dessas aí que estou no meio da vida. Puta-que-pariu! No meio da
vida! Caminhando para a melhor idade. Qual é mesmo a definição de melhor? Eu ainda
não entendi bem. É uma sexta-feira à noite. Eu poderia sair. Beber uma cerveja
num bar descolado, trocar uns telefones, não ligar amanhã. Podia ver gente, só
pra ter o prazer de conversar com alguém desconhecido: enfrentar aquele tédio
de se tentar adivinhar coisas sobre os outros, mas estou cansada. Estou
preferindo ficar sozinha.
Tenho preguiça.
Uma mórbida preguiça que talvez tenha contaminado meus sonhos. E foi ela quem
me deixou aqui, feito essa estátua pousada nesse sofá que eu mesma escolhi a
contra-gosto, porque não queria essa cor, mas era uma promoção. Veio esse
mesmo.
Na verdade
estou em casa esperando o telefone tocar. E eu sei, ele não vai tocar. E eu não
vou dizer tudo o que gostaria, porque, se eu soubesse como fazer isso, seria um
poema. Um, não. Vários. Um livro inteiro. Há tanta beleza nessa vida. Mas acho
que ela me abandonou. Ou preciso trocar de óculos?
Ligo essa TV
que pago a assinatura e desconheço bem mais do que noventa por cento dos canais
que dizem ter. Lá fora o mundo está destroçado. E eu achando que a coisa que
tinha explodido e feito-se em cacos era eu... Nada! É o mundo! Tudo um colapso!
É confusão política, é falta de bom-senso, é corrupção e jornal que engana. É novela
que sempre traz a mesma trama. Ninguém desconfia disso?
Não tenho mais
quarenta e muitos anos. Devo ter mais de mil. Falta-me a paciência e a força de
vontade de seguir em frente. Ouvi sirenes lá embaixo. Polícia ou ambulância,
tanto faz. Amanhã sai no jornal o que foi. Aqui no meu sacrossanto lar nada
aconteceu. Não preciso me preocupar. Verifiquei todas as trancas, portas e
janelas. Estou livre dentro da gaiola que me disseram ser um lar. Só eu me
sufoco com a ausência do ar?
Tumulto no
filme. O ser humano gosta de uma balbúrdia. Quanto mais crueldade mais
audiência, mas é coisa mesmo só de cinema, TV, sei lá. Na manifestação que
passou a pouco, levantavam patos de borracha. No eu tempo a única borracha que
eu via na manifestação era das balas de borracha. Estamos embrutecendo. Virando
um monte de nada sem sentido.
E eu estou
aqui, praticamente sem fé em nada, olhando pra imagem da santinha. Uma baita vontade
de desistir. Uma baita vontade de abrir essa janela e gritar ou pular, mas eu
nem vou voar. Tenho uma amiga que me mandaria pro terapeuta se me ouvisse
agora. Os outros ofereceriam o remedinho da moda. Eu, não. Eu só vou fazer o
que sei fazer de melhor até agora nesse
quase meio século de vida: um drama básico, culpa da lua em câncer ou capricórnio
ou sei lá em quem.
Ah, e também
vou continuar sendo teimosa e não vou abandonar essa coisa morna que estão
chamando de vida. Perdi a fé. Um pouco de paciência. Perdi a motivação, não a
coragem. E, além de tudo, ainda tenho um gosto pelo (auto) sofrimento, por essa
melancolia que vai me acompanhar da hora que acordo até eu me deitar. Não vou
fazer nada demais. Vou insistir nessa tal vida. Tentar destruir o que me destrói.
Ou a mim mesma. Como diria um livro que li por aí, “tem coisa mais
autodestrutiva do que continuar sem fé nenhuma”?
...um espaço onde sem nenhum compromisso com nada além dos meus sentimentos e impressões vou colocando as palavras ordenadamente no papel... Quando começo não sei onde vou parar. Escrevo a primeira palavra e as outras vêm na sequência, como se tivessem vida própria!
Edylane é Edylane (ou Dy) desde 20 de novembro de 1984. Mineira, de Juiz de Fora, historiadora (UFJF), especialista em gestão de Patrimônio Cultural (Instituto Metodista Granbery), mestra em Educação (UFF), consultora em Patrimônio Cultural e pesquisas de campo sobre impactos culturais, ganhadora do Prêmio Amigo do Patrimônio (FUNALFA/2016), membro do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora (IHG/JF), poeta, bailarina e mãe de Heitor. No caminho das palavras desde 2011, já escreveu para a Revista Biografia (2011-2017), Revista Replicante (México), site Ser ou Não Sei. Publica em vários zines do Rio de Janeiro e Minas. Venceu o I e II Concurso Nacional de Literatura de Belford Roxo (2018 e 2019).