Visitas da Dy

quinta-feira, 23 de março de 2017

Pelas Costas




Tecia-me sonhos, quase nuvens.
Alimentava-me de sons, canções no amanhecer.
Fui dançarina coreografando as ventanias.
Ergueu, então, muros: limitações inesperadas.
Para escalá-los, não tenho braços.
Para a desistência tendo, mas teimo.
Como Colombo pari mapas:
A volta pelo mundo é caminhada longa.                       
A lentidão dos passos é reflexão.
Enquanto o sol ferve, sobrevivo morna.
Não me abandonam as febres,
Não abandono os poemas.
Não ando em círculos, sou de espirais.
Embora às noites beba minhas próprias lágrimas,
De dia escondo meus ais.
E, se ao caminho não sucumbir,
Se minhas pernas não ficarem dormentes,                       
Abraçarei, sorrateira, suas costas,
Surpresas noturnas e sinceras.
A verdade é que sou feita de encantos
E, mesmo agora que me aquieto num canto,
Mesmo agora que experimento lonjuras,
Sou vento de novidades e frescores.
Sou construção de um porvir.

Se me cabe e sabe o tempo, espero.
E tranço os cabelos como quem trança destinos.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Babilônia



*Annit: deusa babilônica, chefe da lua, substituída por Ishtar

Tive braços que foram seu pouso,
Muralhas de proteção.
Meu colo recebia sua cabeça em descanso.
E todo o mundo cabia dentro do peito
E todo o universo era tocado nos lábios.
Contei muito mais que estrelas
Até que você pegasse no sono.
Adiantei muito mais que horas
Até que voltasse pra casa.
Cantei em muitas outras línguas os meus versos,
Uma Babilônia de encantamentos.
Se toda a cidade coubesse em uma caixa
Meu reino encantado de jardins suspensos
Ainda seria o seu lugar.
E, se eu lhe soubesse joia minha,
Pouparia seus prantos, desencantos,
E colheria meu coração nas mãos
Como flores ofertadas em consolos.
Fossem todos meus os seus olhares,
Andaria com o corpo nu à lua,
Para que me visse, companhia de Annit*,
Sempre por perto, tocável.
Mas nublam-se até os céus mais cintilantes:
Porque agora me doem as noites que amei.
Doem as cadentes estrelas que se jogaram nos enfeitando
Porque estão distantes de seus lugares
Como estamos eu e minhas vontades
E esse movimento de quase cair
Deixa um vazio de assombros.
Esse movimento do cair (em si?)
Deixam opacas as cores e os risos.
Abandonei meus céus

Mas não esqueço de como era voar.

terça-feira, 21 de março de 2017

Insônia II



Se o sono salvasse,
Ainda assim eu padeceria.
Porque não sei mais diferenciar
Como o tempo se separa em noites e dias:
Vivo sempre às claras, a esperar
Que me pousem seus olhos, minha benesse.
Que me queiram bem seus sentidos,
Paz de meu reino.
Que me sobrem amanhãs, a despeito de tempos idos.

Que me caiba seu amor, completo, inteiro.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Cintilante





Ouço o vento e sua variedade de vozes.
São preces que não chegarão aos céus.
São risos que não conhecem curvas
E ecoam como gotas de chuva
Escorregando em folhas de parreiras.
E eu, tenho várias formas de me mostrar
De parecer o que sou, sem ser de fato.
Anseio pela verdade, mas duvido de sua existência.
Assim, a vida é o que está posto:
Pé ante pé, construção, descaminhos, desvarios.
Assim, eu sou o que nunca finda:
Metamorfoses, canções, poesias velozes.
E até onde vou?
Até onde iremos nós?
Irei até onde minha letra toca.
E, se “nós” for mais do que a corda que o pescoço me enrola,
Se “nós” deixar de ser nome,
Se “nós” for além, conjugação,
Seremos sem que haja razão.
Seremos só pelo desafio
E pelas buscas contínuas que aquecem do frio.
Serei eu imersa em sons, palpitação.
Serei eu aquela que mesmo escondida se mostra
Porque sou as transparências dos véus.
Porque despida mostro a alma
E o corpo, vitrine, cintila meus sonhos.

Que são crescentes como a lua madrigal.

domingo, 19 de março de 2017

Vendaval




Lá fora a chuva se demora
O eco bate nas quinas do nada.
Eu que já tive ares de fada,
Sou muito diferente agora.
O quadro aqui dentro de mim
Desbotou-se, escorreu nanquim.
Perdi meu batom, meu rímel, minha rima.
Sobraram a falta, o espaço e meu retrato de menina.
O agora converteu-se no depois.
Meu sorriso não ocupa mais a parede:
Onde fiz tantas cores, cinza.
E a chuva lava, mas não cura
A luz cega e não aquece
E sou pouco mais daquilo que o espelho reflete:
Sou traços visíveis e definidos,
Mas também sou o som mudo que incomoda o vizinho.
Calei meu bom dia,
Decretei quarta-feira de cinzas na folia
Encaixotei meus (uni)versos e parti                                                       
Aprendi que a casa é que habita em mim.
O concreto é pó amontoado

E no vendaval, caos.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Cores



Talvez eu tenha me perdido. Errado a mão. Talvez não tenha agido com o distanciamento e a superficialidade tão comuns nesses dias rasos.
Talvez eu tenha mesmo aquele dom de trazer à tona bons sorrisos, luzes para aquelas suas noites sem lua.
Talvez não seja nada disso e eu seja só o bobo da corte preferido da realeza para passar o tempo meio sem graça. Uma espécie de passe de mágica que adianta as horas e pareço fazer amanhecer mais depressa. Ou talvez, eu também saiba lidar com os opostos e faço anoitecer quando precisa do toque noturno para se refazer.
Talvez eu seja mesmo só um amontoado de palavras que se aprisionam ali, num plano intocado, inalcançável para não perder todo o encantamento construído por horas a fio.
E os fios... esses que pareciam traçar alguma coisa, de tão frágeis se desfazem ao vento, teias invisíveis das aranhas do destino. E eu que nunca acreditei muito no destino, procurei pelo livro em que os nomes são escritos, como nas lendas, com uma esperança longe de amadurecências, pra ver se durava um pouco mais que as pontas dos dedos podiam contornar.
Talvez o problema tenha sido das cores: vermelho de intenções, verdes esperanças, azuis saudades e dias brancos. Faltou arco-íris. E, na ausência da paleta de tintas, nenhum quadro se pinta. Tudo é (ato) falho. E resta apenas um vão ocupado de esboços.