Há um deserto dentro de meu peito
E, sedenta, vago por ele.
Cavo com as próprias mãos poços:
A alma sente sede.
E falta mais que água,
E trago mais que calos e cansaços.
Trago traços.
Rabiscos e versos.
Trago nós e laços.
E deixo de ser só eu quando penso,
Quando passa a existir um amontoado de nós.
Nós que, como nós, são cegos.
(Nós que nos apertam sem nos unir.)
Logo nós, que pensávamos enxergar
Somos só emaranhados perdidos em pressas
Em preces recitadas nas noites,
Em velas acesas em nossas tendas,
Que tentam iluminar os caminhos sob nossos pés
E não os vemos.
Eu que me sinto deserto, sou a outra metade desse nó,
E nós voltamos ao marco zero
(de onde talvez nem tenhamos saído)
E nos prendemos, cada um, em nosso peito
Em vão e sem noção do quanto somos cativos.
Do quanto somos queridos.
Do quanto somos errantes
Nos desertos que somos nós,
E que sou eu, quiçá, o outro.
E há a sede que tira os sentidos.
E há a sede da vontade de ser
E há a sede da vontade de viver
E os nós que nos atavam ao passado
Se desfazem nos gritos calados das almas insones
Que todos nós já tivemos como companheiras.
Almas livres que vagam em paz agora
E que suspiram pelo presente
Que se desembrulha nas areias que escavo com minhas próprias
mãos:
Tento desatar os nós.
Tento abrir os olhos.
Tento saciar a sede.
Mas calo quando deveria ceder ao grito.
Mas me desfaço no vento quando deveria enfrentá-lo.
E vago no deserto que sustento.
E tenho o peito vago
Com uma vaga esperança
Que teima em não ir embora.
Talvez ela seja mais numerosa que a areia
Talvez ela seja o frescor de uma sombra
Onde eu preciso me abandonar.
Talvez nem seja um deserto o que carrego,
Mas vontades desordenadas,
Ansiosas pelos rumos cardeais
Das constelações noturnas.
Durmo nesse chão, esperando a escuridão:
Talvez a noite venha e me brinde com o sossego
De um coração tranquilo
De uma mão estendida
De minha metade, de nós,
Que serão laços de afeto incontáveis,
Que, na verdade, serão oásis.
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