Lá fora as
pessoas não tinham graça. Todas haviam perdido o viço, o brilho nos olhos, o
frescor dos sorrisos.
Todos, sem
nenhuma exceção pareciam figuras emolduras em peças largas de madeira
envernizada. Mesmo transitando entre buzinas e engarrafamentos, pareciam
engarrafadas, engessadas, imóveis.
Estranho ter
essa sensação. Estranho olhar e não ver nada através dos olhares. Como se todos
os globos oculares fossem de vidro, refletindo apenas a luz que recebiam. As almas
estava fora dos olhos. Quiçá dos corações. Ainda que em festividades, a
tristeza pairava.
Era uma sensação
medonha. Dessas de tirar o sono. De espantar os sonhos. De ser malquista pelo
mal que causa. Indesejável sensação de vazio que o enchia.
Rodeado por
temas desinteressantes, só lhe restava retribuir com desinteresse. Nada chamava
a atenção. Nada despertava a menor curiosidade. Nada fazia esboçar o menor
sorriso. No peito só restava uma angústia.
Uma busca
incansável por uma saída se instalava e atormentava-lhe o juízo, deixando
dormentes os membros. Debatia-se nas curvas das paredes, dos móveis, das frases
mal lapidadas e sentia-se como em um labirinto.
O som oco de
vozes que pouco diziam aos ouvidos não cessavam e incomodavam, tirando o
sossego. Diferentes de todos aqueles olhares perdidos ainda conservava um gosto
pela vida, mas já não sabia como preservá-lo. Como encontrar a saída? Como escapar
desse sótão empoeirado e ver a uz do sol?
Queria poder
dormir por dias ininterruptos e acordar em outro mundo, outra realidade pelo
menos, mas isso não poderia. Seria rapidamente acordado com os apelos roucos
que nada diziam de concreto e que o despertariam só pelo prazer de interromper
o sossego da alma.
Buscava a
salvação. Desejava desatar o nó de sua garganta. Deixar vazar o grito espremido
em seu peito, mordido junto com a língua, quase engolido com o sangue próprio e
outras tantas palavras engasgadas.
Nem toda água
do mundo desentalaria. Nem todo tempero faria o grito menos insosso. Buscava o
ar fresco das manhãs e fazia manha para chegar a algum lugar.
Encontrou-se
justamente com aquilo de que fugia: com as palavras. À medida em que aprendeu a
se aliviar com os verbos inauditos, o nó ia diminuindo. As palavras começaram a
atropelar-se e a salvar-se umas às outras e uma confusão de Babel era a solução
almejada.
Nem sempre havia
sentido nos arranjos de palavras, mas havia o alivia, a redenção dos pecados, a
liberdade. E por ter asas leves, cada palavra alçava seus voos e deixava o
peito mais leve, menos afogado.
Livres dos
alçapões escuros que as prendiam, as palavras voaram e com elas, novas cores
tingiram as paisagem das janelas e as molduras que cerceavam as pessoas foram
caindo, libertando também a quem as ouvia.
Pelos sons
coloridos e audaciosos de palavras antes mudas, fizeram as novas visões e os
novos dias. Quebraram-se os grilhões e pensar e falar já não era mais uma
tarefa angustiante, mas libertadora.