Pinta os
cabelos de vermelhos só pra combinar com as suas unhas e o seu coração. De tanto
se esforçar, se assemelha a Sísifo, rola, diariamente, a sua pedra morro acima
e a vê rolar para o início impiedosamente, ignorando o seu trabalho que terá de
recomeçar.
Quer carregar
o mundo e pouco importa se será nos braços ou perdido dentro da enorme bolsa tiracolo
– quase um universo paralelo – inseparável. Gosta de abraços e quer abraçar o
mundo seja com os braços ou com as pernas. Quer fazer de tudo um pouco, já que o
contrário não a satisfaz.
Tem olhos
famintos, desejosos de conhecer e captar todo o mundo e suas belezas. Talvez,
por isso, tenha tanta pressa. Apronta-se veloz e sai em disparada. Tropeça, se
indigna, cai, aprende, levanta, volta a andar e corre: o tempo não para e ela
não quer ficar na estação por muito tempo. Sabe bem que a chegada e a partida
têm hora marcada e entre um intervalo e outro há vida. Isso ela não pode
perder.
É sedenta. Queria
poder tomar todas as dores do mundo, acabar com o sofrimento, tirar daqui todo
o gosto amargo. Piedade, compaixão ou só mesmo predileção? Não sabe
responder... Mas gosta de tudo aquilo que beira os limites e o amargo beira o
seu limite de paladar seja ele físico ou o da alma. Gosta do amargo porque ele
faz o mel ter uma doçura mais suave, mais bem saboreada, mais sutil em sua
língua, para que essa saiba medir as suas palavras, saiba deixa-las mais leves
e menos ferinas.
É criativa e
criadora. Tem muitas ideias! Planeja cada detalhe e muda de ideia no próximo
minuto. Muda o rumo, troca a roupa, passa a música e desiste do filme
preferido. Cria o seu próprio mundo e coloca personagens que lhe são
importantes em papeis mais importantes ainda, sem que eles mesmos saibam. Sonha
com um final feliz, mas nega isso. Nunca se assumiu romântica, não brincava de
bonecas e nem se vestia de princesa. Na verdade se diverte quebrando os
paradigmas, fugindo de tudo que seja cor-de-rosa e de músicas suaves, mas
permite-se ao lilás, aos tangos e às Trois
Gymnopédies.
Assume que é
forte e ninguém sabe, mas ela chora nas madrugadas. Banca a durona e ri até a
barriga doer. Não tem medo de escuro, mas gosta de segurar a mão de alguém
quando vai atravessar a rua. Não gosta de silêncio, mas grita silenciosamente,
esperando que alguém a ouça. Faz-se de fortaleza, mas desfaz-se a cada onda que
visita sua praia, misturando-se às espumas e ao vento.
Já jurou solenemente
que não fazia nada de bom. Já orgulhou-se
grandemente por um feito. Já prometeu e cumpriu mesmo quando o esforço
lhe doía, mesmo quando a alma sofria, porque mais importante que sua dor é a
sua palavra.
Desenhou o seu
castelo, traçou o seu caminho e por ser impulsiva jogou tudo pro alto. Sequer ajuntou
os papéis. Deu vez à preguiça, ao ócio e escreveu. Perdeu-se em linhas e mais
linhas, transferiu para as palavras toda culpa que sentia. Mostrou-se nelas
deixando a carne à mostra, mostrando seus ocos, seus vãos e esperava, quiçá em
vão, que alguém a conseguisse interpretar, como um livro esquecido na estante
empoeirada do tempo.
Escreveu a sua
história esperando um grand finale que
se perdeu pelo caminho ou foi desfeito pelos seus próprios tropeços e
atabalhoamentos. Não desistiu. Seguiu e segue como caminhante à beira da
estrada, observando os outros passantes, observando os seus próprios passos,
procurando por rastros que a interesse.
Ela é faminta.
Tem fome de conhecimento. Devora livros. É insaciável. Come vorazmente dezenas
de personagens a cada nova estação. Faz dos autores as suas sagradas companhias
de cada dia na casa vazia, deixando-se perdida no quarto dos fundos ou jogada
em sua alcatifa, rodeada pelas almofadas. Queria morar dentro de um livro,
pertencer a tantas páginas quantas fosse possível, por isso escreve.
Gosta de
cozinhar! Tem nas panelas os seus cadinhos. Faz dos temperos uma alquimia. Acha
mágica a transformação da comida e brinca com novas receitas que ela mesma
inventa. Novos sabores e descobertas, delícias de quem aprecia detalhes.
Busca motivos
para sorrir e os encontra. Tem o riso frouxo, largo e divertido. Ilumina o
rosto com o sorriso que é tanto e
branco. Mas chora. Vê os dias passarem nas folhinhas dos calendários e não se
reconhece nos números perdidos. Perde o sono nas madrugadas e não consegue
acordar cedo. Atrasa-se com a frequência de quem não se prende a horários e
queria um dia com mais de vinte e quatro horas. Muitas vezes queria parar o
tempo, só para não ver o fim de um dia.
É boa de conselhos:
arruma e desarruma o problema de qualquer um, menos os seus: “mas eu nem tenho
problemas!”, ela diz. Mas sabe que lá no fundo há questões pendentes. E para
essas questões há esboços de soluções, planos infalíveis e coragens momentâneas
que se esgotam com a brevidade de 3... 2... 1... e já desiste. Assume-se
covarde, mas corajosamente paga o preço de suas escolhas, guardando consigo
segredos e silêncios, degredos que ela já imaginou ser a sua salvação.
Perde-se nas
mesmas velhas músicas, encanta-se com os mesmo velhos amigos e experimenta um
vinho novo. Compra vários sapatos e afirma não ter nenhum que combine com a
bolsa. Repete os mesmo modelos de vestidos e diz não ter um preferido.
Não ouve
música. Sente. Deixa a melodia e a letra entrarem por seus poros. Foi feita de poesia.
Gosta do cabelo ao vento, mas os deixa mais crescer. Acostumou-se com a
praticidade dos fios curtos. Dança como menina, mas é forte como mulher.
Sente-se
cansada, pensa em desistir e desiste. Desiste de desistir! Corre, luta contra o
tempo e tira forças de dentro de si mesma. Acostumou-se com o tédio dos fins de
semana e a solidão noturna. Fica acordada enquanto todos dormem e acha lindo
ver o repouso alheio. Emociona-se com o barulho da respiração. Entende o
milagre da vida nessa hora e faz uma prece em nome de quem ama, velando o
descanso, o sono, os sonhos. Diz-se bem como está, acha que o mundo anda mal,
dá a sua palavra que seu destino será solitário, mas escreve coisas de amor.