(Para ler ouvindo Outono – Adagio de Vivaldi)
– Oi.
– Oi.
– Só isso?
– É.
– Tá tudo bem?
– Não convem falar… (com uma
voz desanimada)
– Mas eu quero saber. Liguei
pra isso.
– Ah, tá. Tenta de novo
amanhã, então.
– Não é assim que funciona. Quero
mesmo saber. Achei sua voz muito desanimada. É sempre tão alegre.
– (…)
– Não vai falar nada? Conta
seu dia, seus planos, a música que tá ouvindo…
– Você é chato.
– E você teimosa. Tá tudo
bem?
– Tá tudo indo…
– E… indo pra onde?
– O que é isso o Tribunal da
Inquisição?
– Pode ser. Mas diz: tá tudo
indo pra onde, posso ir também? Pode precisar de companhia…
– Afff… de tão chato vou
acabar contando.
– Então conta… é pra isso
que liguei, pra saber, porque me preocupo quando fica em silêncio. Sei que detesta
silêncio e que não sabe ficar quieta. Quando fica quieta e sem fazer barulho
boa coisa não vem… e qual é a música? Ouço violinos?
– É Vivaldi. Outono –
Allegro. Mas quer ou não saber como estão as coisas?
– Quero.
– Tá tudo indo… indo pro
ralo. Indo por caminhos que desconheço. Tomando rumos que não entendo. Parece tudo
errado, por mais que eu saiba que tem muita coisa certa. Tô surtando?
– Hum… acho que ainda não.
Deve ser coisa que você leu e que fez isso. Você sempre fica dias remoendo um
assunto só… e sempre complica tudo, por mais simples que possa ser.
– Sabia que não devia ouvir
música clássica… quando ouço fico assim, pensando muito mais nas coisas.
– Então não pense.
– E faço o que com as dúvidas?
– Dê tempo a elas.
– Heim?
– Dê tempo a elas: não
precisa buscar suas respostas no exato momento em que as perguntas surgem. E nem
precisa se aborrecer por não encontrar as respostas…
– Sou cientista…
– Não. Você acha que é. Você
brinca de achar respostas, acha que existe explicação racional pra tudo, mas não
existe. E nem você acredita muito nisso. É a garota racional mais passional que
eu conheço.
– Só de vez em quando…
– Só de vez em sempre…
– Não tô entendendo…
– Mentirosa…
– Bobo…
– Por que ainda perde tempo
se fazendo de durona? Todo mundo sabe que você chora vendo filmes, que lê
poesia e ouve Chico todos os dias. Diz que o príncipe encantado não existe, mas
acredita que vai encontrar o amor da sua
vida na próxima rua. Detesta cor de rosa, mas sua flor preferida é uma das mais
delicadas que já vi. Não grita quando vê uma barata, mas chora quando se lembra
de certos olhos… é uma moça bem durona… nada romântica… ahã… consegue mesmo se
enganar por todos esses anos?
– Não tô me enganando. E quer
parar de acertar as coisas sobre mim?! Sou tão previsível assim?
– Hum… deixa eu ver… depois
de uns 20 anos de convivência? É… é bem previsível. Mas ainda me causa surpresa
em muita coisa. É bem dosada. Transita bem entre o previsível e o imprevisível.
– Tô velha?
– Não. Tá com uma excelente
idade.
– Hum… é que esses “20 anos”
me soaram pesados…
– Como está agora? Lembra
que quando tinha 15 anos ficava pensando em como seria aos 25? Então, como está
agora, melhor ou pior?
– Diferente. Não é nada do que
eu pensava. É mais legal. Agora penso como vai ser ter 30… se vou ser uma
pessoa melhor…
– Não devia pensar nisso. Devia
viver o agora sem se questionar muito. Tem filosofado bastante. Isso não tá
sendo muito bom pra você… tá te deixando cansada.
– É… é que me sinto sozinha…
– Então me liga…
– Todo dia?
– Toda hora.
– Sério?
– E desde quando não foi?
– Quer um mate?
– Prefiro suco…
– Vamos passear?
– Vamos… aliás, abre a
porta, saio do elevador em 30 segundos…
– O quê?
– Abre a porta!
– Tô de pijamas…
– Então abre a porta e se
arruma… é dia de tomar vinho…
– Ih, peraí, tem alguém na porta…
– Sou eu…
– Uai, é mesmo!
– Precisava te entregar uma
coisa…
– Que coisa?
– Abre a porta!
– Oi! (muito animada)
– Oi!
– O que veio me entregar?
– Nada… é só um abraço, que
eu sei que você adora e que precisa de um toda vez que fica em silêncio,
pensando… acertei?…
– Agora não vou responder… tô curtindo o meu abraço…
1 Comentários:
Muito lindo! Super legal!!! Adorei!!!
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