Visitas da Dy

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Telefone


(Para ler ouvindo Outono – Adagio  de Vivaldi)



– Oi.
– Oi.
– Só isso?
– É.
– Tá tudo bem?
– Não convem falar… (com uma voz desanimada)
– Mas eu quero saber. Liguei pra isso.
– Ah, tá. Tenta de novo amanhã, então.
– Não é assim que funciona. Quero mesmo saber. Achei sua voz muito desanimada. É sempre tão alegre.
– (…)
– Não vai falar nada? Conta seu dia, seus planos, a música que tá ouvindo…
– Você é chato.
– E você teimosa. Tá tudo bem?
– Tá tudo indo…
– E… indo pra onde?
– O que é isso o Tribunal da Inquisição?
– Pode ser. Mas diz: tá tudo indo pra onde, posso ir também? Pode precisar de companhia…
– Afff… de tão chato vou acabar contando.
– Então conta… é pra isso que liguei, pra saber, porque me preocupo quando fica em silêncio. Sei que detesta silêncio e que não sabe ficar quieta. Quando fica quieta e sem fazer barulho boa coisa não vem… e qual é a música? Ouço violinos?
– É Vivaldi. Outono – Allegro. Mas quer ou não saber como estão as coisas?
– Quero.
– Tá tudo indo… indo pro ralo. Indo por caminhos que desconheço. Tomando rumos que não entendo. Parece tudo errado, por mais que eu saiba que tem muita coisa certa. Tô surtando?
– Hum… acho que ainda não. Deve ser coisa que você leu e que fez isso. Você sempre fica dias remoendo um assunto só… e sempre complica tudo, por mais simples que possa ser.
– Sabia que não devia ouvir música clássica… quando ouço fico assim, pensando muito mais nas coisas.
– Então não pense.
– E faço o que com as dúvidas?
– Dê tempo a elas.
– Heim?
– Dê tempo a elas: não precisa buscar suas respostas no exato momento em que as perguntas surgem. E nem precisa se aborrecer por não encontrar as respostas…
– Sou cientista…
– Não. Você acha que é. Você brinca de achar respostas, acha que existe explicação racional pra tudo, mas não existe. E nem você acredita muito nisso. É a garota racional mais passional que eu conheço.
– Só de vez em quando…
– Só de vez em sempre…
– Não tô entendendo…
– Mentirosa…
– Bobo…
– Por que ainda perde tempo se fazendo de durona? Todo mundo sabe que você chora vendo filmes, que lê poesia e ouve Chico todos os dias. Diz que o príncipe encantado não existe, mas acredita que vai encontrar  o amor da sua vida na próxima rua. Detesta cor de rosa, mas sua flor preferida é uma das mais delicadas que já vi. Não grita quando vê uma barata, mas chora quando se lembra de certos olhos… é uma moça bem durona… nada romântica… ahã… consegue mesmo se enganar por todos esses anos?
– Não tô me enganando. E quer parar de acertar as coisas sobre mim?! Sou tão previsível assim?
– Hum… deixa eu ver… depois de uns 20 anos de convivência? É… é bem previsível. Mas ainda me causa surpresa em muita coisa. É bem dosada. Transita bem entre o previsível e o imprevisível.
– Tô velha?
– Não. Tá com uma excelente idade.
– Hum… é que esses “20 anos” me soaram pesados…
– Como está agora? Lembra que quando tinha 15 anos ficava pensando em como seria aos 25? Então, como está agora, melhor ou pior?
– Diferente. Não é nada do que eu pensava. É mais legal. Agora penso como vai ser ter 30… se vou ser uma pessoa melhor…
– Não devia pensar nisso. Devia viver o agora sem se questionar muito. Tem filosofado bastante. Isso não tá sendo muito bom pra você… tá te deixando cansada.
– É… é que me sinto sozinha…
– Então me liga…
– Todo dia?
– Toda hora.
– Sério?
– E desde quando não foi?
– Quer um mate?
– Prefiro suco…
– Vamos passear?
– Vamos… aliás, abre a porta, saio do elevador em 30 segundos…
– O quê?
– Abre a porta!
– Tô de pijamas…
– Então abre a porta e se arruma… é dia de tomar vinho…
– Ih, peraí, tem alguém na porta…
– Sou eu…
– Uai, é mesmo!
– Precisava te entregar uma coisa…
– Que coisa?
– Abre a porta!
– Oi! (muito animada)
– Oi!
– O que veio me entregar?
– Nada… é só um abraço, que eu sei que você adora e que precisa de um toda vez que fica em silêncio, pensando… acertei?…
– Agora não vou responder… tô curtindo o meu abraço…

1 Comentários:

Elô Lebourg disse...

Muito lindo! Super legal!!! Adorei!!!

Postar um comentário