Visitas da Dy

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Compasso



No passo do dia,
Sigo o compasso que posso
Ponta seca, fixa, em conhecidas paisagens e vias,
Pouco desafio distâncias, viajando apenas no que ouço.
Tenho pressa e conto as horas:
Diversão rotineira de quem desconhece o sono.
Sou paciente e coleciono suas auroras
Enfeito os dedos com os anéis de Cronos
E se me sobram esses círculos de Saturno
São suas mãos que desejo como órbitas.
A vida é pequeno sopro que parece diuturno,
Miragem de noites órficas?
Talvez sejamos apenas as nuvens que passam
Ou os vermelhos gritos inconformados.
Prefiro pensar que sou as escolhas que me extravasam
A fuga constante dos padrões formatados.
Mas, se rodei e não sai dos círculos, aproximação do que é perfeito
Se, caminhante ou navegante, experimento o vão e o são
Volto ao compasso que me leva e desenha a rota no peito:

É tudo aquilo que é concêntrico que me fortalece e expande a paixão.

domingo, 14 de maio de 2017

A Dança das Horas



Vagas, sem lumes, as horas passam.
Não dizem nada as horas, os passos.
Corri a noite.
Dedilhei os minutos
(Queria seu corpo).
Bebi soluços
(Queria seus fluidos)
E o tempo me correu.
Entre outras coisas,
Sua lembrança me ocorreu
E voltei para a dança das horas:
Vagas, vãs, frias irmãs
Longe de alívios
Perto de pensamentos sombrios.
Padeci de solidões, versos e canções
Arrastei meus lençóis, seus cheiros, anzóis
Como peixe, morri pela boca:
Coube o beijo e o gesto
 Para tudo o mais, sóis.
E a dança das horas findou:
Foi-se a noite, raiou o dia
Entre outras coisas,
Restou-me insone, alma quase vazia.
Restou-me um fio de claridade:

A dança das horas não perde o passo do tic-tac. 

sábado, 13 de maio de 2017

Para os dias ruins



Salva-me da agonia desse dia, como se fosse o antídoto necessário.
Salva-me da jornada que pareceu mais pesada que eu poderia suportar, porque para todos os lados que pude olhar, eu era só uma vitrine, exposta, vidraça transparente, porém distorcida pelos olhos que me observavam.
Salva-me porque Dante não me soube reservar lugar e vago por muito mais que nove círculos infinitos, labirintos incansáveis.
Salva-me porque toda palavra tem seu tempo, mas não sei esperar e os ouvidos tampouco recebem minhas preces banais, quem dirá meus ais.
Salva-me com suas mãos ou por elas, que já me enlaçaram, já me contornaram e é por elas que pensei ter visto começos tantos, sem fins anunciados.
Salva-me pelo tato sagrado que prevê acalantos de finais desfocados, que garantem o fim dos desenganos ensolarados e dos cansaços diários que só pouso e aconchego acalmariam.
Salva-me de mim e dos dias ruins que eu mesma traço ou invento. Daquelas promessas vãs que eu juro ter ouvido com fé e não quis ver desfeitas.
Salva-me das horas que conto a espera de nada, pelo nada e me conte uma história que seja sua. Real ou inventada. Apenas salva-me pela palavra, bênção maior da alma atarantada, maldição eterna das bocas que só se sabem caladas.
Salva-me como quem dá o beijo final na noite escura e rasga o céu com cintilantes emoções multicores.

Salva-me do breu e deixa, nesse instante, meu corpo repousar sobre o seu.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Jardim



Cuidava da grama como se fosse uma tecelã
E cada uma das pequenas folhas, fios de uma alcatifa.
Preparava seu pequeno universo com carinhos angelicais.
Tinha sonhos de dançar descalça sobre ela.
Tinha sonhos de esperas e chegadas
Cujos nortes ainda desconhecia.
Todas as vezes que o sol lhe acordava,
Sussurrava o nome tão sagrado quanto o vento,
Mas não sabia sequer qual era, onde estava, quando chegaria.
Ainda assim, cantava canções ao amanhecer
Suaves despertares para os ouvidos prontos a recebê-las.
Ainda assim, cantava canções de anoitecer,
Ninando as horas cansadas da jornada.
Como coruja, noturna, tecia saberes e histórias.
Era espera e olhares pela janela.
Era espera e casa de jardim.
Era semeadura e desabrochar.
Movimentos de outono e primavera,
Regando suas mudas e silêncios com preces e prantos,
Podando suas arestas e dores com os ciclos da lua.
Era guardiã de ventos e temperamentos
Era guardiã das noites e suas cantigas que nunca são vãs
Era aquela que dorme e dá aconchego.
Era de uma beleza natural, buquê floral,
Que só tem viço em meio ao verde,
Que não combina com jarros,
Que não se limita nas paredes da casa

Porque sabe que seu lugar é o jardim.