Casmurro. O mundo anda casmurro. Até alguns poetas andam assim.
Teimosos, provocando em si mesmos sufocamentos terríveis, pois, tendo recebido
as penas como dom, escolhem fugir delas.
Ora, aquele que muito sabe das dores não deve ser recolhido em si e nem insatisfeito
com a vida. Que se arme com a palavra. Que faça o vermelho-tinto (ou tinta)
valer a pena.
Aquele que sabe prestar a atenção às batidas do coração não deve se
calar. Deve ser como o sol depois da chuva, porque o mundo carece de quem o
sabe entender.
Quem sabe fazer da vida um apanhado de gestos leves é como quem colhe
uma flor no seio da manhã e se alimenta de ares novos que acalmam como disco
antigo na vitrola.
Sorrisos largos e grandes apontam o caminho ou aumentam a vontade de
ficar: depende das cores que eles usam para nos prender - em nós e/ou neles
mesmos - e nos levam a descobrir, então, toda riqueza que existe nas
elementares e simples curvas de ombros amigos, de dedos entrelaçados, de
histórias inexplicavelmente cruzadas.
Há em toda vida um conjunto espontâneo, livre, autônomo e misterioso de
acontecimentos que se liga um a um como versos de um poema e faz-se, assim, a
perfeição do que é viver: enfrentar reticências, vírgulas, interrogações,
deliciar-se com exclamações e, por fim, se não, enfim, o ponto que desejamos
evitar, mas que é certeza: o final.
Não é que haja ou caiba uma linguagem própria para se ver, ler ou
explicar o mundo. Não são nem as vozes de ontem nem as de hoje oráculos
sagrados.
O que nos cabe é aceitar a fórmula do acaso e encontrar ao próprio modo
algo que valha a pena.
Se há algum alento, atesto que existem pessoas mágicas, que flertam com a
loucura e com a lucidez, não sabendo distingui-las. Equilibram-se na corda
bamba, sem rede, da sensibilidade. A essas pessoas, sim, são reservadas as
penas - de dores e de tinta e de levezas - e espera-se que esses seres não se
fechem, não teimem contra as palavras que lhes brotarão aos ouvidos e saltarão
até pelos poros imersos em madrugadas.
Espera-se que essas pessoas aceitem esse poder em suas mãos. Aceite-o
como um dom. E que se façam das palavras seus órgãos vitais para sobre-viver (e
voar) (a)o mundo, que precisa de quem sabe ver além.
Espera-se, quase de maneira egoísta, que esses, aos quais a cor não
falta aos olhos, que dispensem os óculos escuros e que espalhem seu dom aos
outros. Mais que generosidade, é uma questão, um modo de vida.