Visitas da Dy

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Do Muito e do Pouco






Sobre meus olhos e olhares,
Há muito e há pouco.
Falta-me um pedaço de céu.
Falta-me o verde que voa desprendido.
Para meus olhos, sobra-me o café:
As escuridões e seus mistérios,
Um tanto de segredos madrugais.
Muita energia e pouca disposição para dormir.
O calor e as intensidades castanhas.
Sem estonteantes curvas,
Tonteio-me com detalhes.
Curvam-se diante de mim
Os exóticos caminhos poéticos
Que entorpece mais pela rima,
Mais pelo jogo de palavras
E para onde elas levam
Do que pelas estradas em si.
E se poetizo é por teimosia.
É por fazer das palavras brinquedos
Que deixo jogados sobre o papel,
Folhas vazias, rascunhos de dias
E são as mesmas palavras
Nas quais tropeço aos seus pés
Ao ensaiar o meu tímido bom dia.
Em queda livre fraturo meu coração
Faço de mil cacos um inteiro.
Imperfeita opção de doação.
Se faltam-me os padrões
Sobram-me intenções.
Aceitá-las ou deixá-las
É questão de liberdade.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Cabeceira




É porque perco-me em seus olhos
Que mordo as palavras.
Mordo as línguas,
As várias que poderia usar.
Mordo a rotina,
Ponho-me a versar.
Já não há saída, nem ruas, nem portas.
Já não há sinais ou placas ou pontes.
Há um caminho escondido, que não sei encontrar.
É porque me acho perdida, que vago.
Encontro-me nos vãos-versos que preenchem a cidade.
Vadios pensamentos soltos, loucos em pé de vento.
Vendaval de sonhos, redemoinhos de canções
E minha cabeça gira, turbilhão.
Não dói porque engulo a dor,
Mas roda pelo céu, pelas estações.
É de fases, é lunar com brilhos estelares.
É pesada de solidões remotas,
Amparada em ecos ancestrais.
Cabem-me as horas, que conto a gotas,
Recostada na cabeceira,
Enquanto folheio livros:
Romances inventados,
Bonitos pela inexistência.
Reais pela fantasia.

domingo, 15 de novembro de 2015

Sobre a Loucura





Se de médico e louco todos temos um pouco, eu, poeta, faço mea culpa e fico com o muito. O pouco não me agrada. E esses limites que colocam não me aprazem. Sei lá de onde vim, para onde vou ou quando vou. Sei o que quero. Ou nem sei...
Se me cabem as palavras, me visto de verso. Se só me sobraram silêncios, juntos os cacos, faço mosaico. E do grito que agora calo, logo faço estardalhaço: sou poeta, seu moço! O que não digo, escrevo. O que não revelo, entrego, de bandeja, nas entrelinhas. Essas linhas que preencho e nas quais me equilibro.
Ah, o equilíbrio... a busca pela razão. O quê? Quando? Onde? Porquê? E são tantas as interrogações que já me perdi nas curvas. Cansada, saltei do trampolim das exclamações. São mais esguias. Permitem visões mais amplas lá do alto. E salto. Alto. Charme na caminhada. Passarela a céu aberto, a vida me espera. Plateia, dispenso. Olhares quero só um. Um par. Castanhos, por favor. Os verdes já tenho. Gerei.
Ah, essa vida... E essa tal loucura? Voltemos ao início. À busca. À resposta... Virei o mundo. Mochila nas costas. Horizontes visitados, tratados rasgados, convenções... Faltei a quase todas. As gentilezas eu guardei. No bolso da camisa, perto do coração, pra ficar aquecida de afetos. Aqueles que me afetam... e já saio da normalidade de novo... é porque me assumi  de posse da loucurinha nossa de cada dia e fiz dela a minha companhia. A minha parte. A melhor delas. A mais espontânea. A que tem asas mais bonitas.
Médicos não visito. Diagnósticos tenho os meus: sou louca, sim. De amores. De sabores. De aventuras. De versos, sonhos com flores e perfumes. De manhãs de domingo na quarta-feira. Dos padrões que picotei e joguei pela janela, con-fe-tes! Fiz carnaval e nem gosto de arlequins. É que fujo mesmo é da normalidade. É que assumo mesmo, que essa coisa de ser formatada não me deixa crescer. Não me deixa viver.
Cabe, então, um sorriso. Uma piscadinha de olho para a loucurinha. Essa companheira fiel de quem vê nas palavras, o fio do labirinto, o sentido da meada, a salvação daquilo que é normal e cinza e chato e se libertou das algemas invisíveis dos padronizados dias iguais.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Calendas de Novembro





Tinha brasa no peito. Uma brasa de tempos ancestrais, talvez. Não sabia ao certo de onde era o sangue que lhe corria nas veias, mas o sentia quente. Como o fogo que a consumira pelos séculos que atravessara.
Nas eternidades que via findar todas as noites, quando o sol rompia a barra da noite, saltava pelas fases da lua, reinventando-se como podia. Mais ou menos triste, mais ou menos feliz, tocando seu ritmo nas próprias tripas das quais fazia sua lira dolorida, com canções de melancolia.
Vivia seu dia das bruxas, de fogueira de vaidades e de palavras vãs que a condenavam à solitária, crueldade que dilacerava. Dispensava a fantasia, qualidade-erro de quem pouco sabe da vida. Logo ela que amava... logo ela que ainda cria na humanidade, na bondade, na gratuidade de todo sentimento... foi rasamente julgada, vilmente condenada a um mundo cru e se sentia nua, exposta e tremia.
Nas horas agalopadas, rendia-se a todos os santos e lhes pedia ajuda. Ladainhas desfiou pela madrugada que se fez ao meio-dia. E o tempo lhe foi generoso e fechou. E se derramou. O céu, complacente, chorou com ela. Rasgou-se ao meio, para igualar-se à sua filha. As estrelas negaram-se a brilhar por toda parte. Apagaram-se, embora pudessem apenas estar escondidas atrás das nuvens.
A chuva que molhava as ruas também jorrava dentro dela, tanto que mesmo fingindo-se de forte, os olhos escorriam. Tentou acalmar-se com o azul, mas o céu era nublado.
De seus olhos, setas eram lançadas a toda direção, desesperadas, sem rumo, sem alvo, e a acertavam em cheio, como se fizessem curvas. E doía.
Bebia, na palma das mãos, entre os dedos, a solidão comum dos poetas e (versi)ficava aliviada a cada palavra que escrevia. Parindo-se em poesias, em prosas quase desconexas, que só as entrelinhas faziam sentido, embriagava-se de si e em si mesma.
Lá pelas tantas, os santos que clamava não foram suficientes. Preces vãs ou respostas enigmáticas? Pouco se sabe dos divinos sinais. Pouco se sabe do que está, de fato, escrito pelas tais linhas da vida. Exausta, ela quase se entregava e já, então, era o dia dos mortos, embalados pelos sinos que ouvira na cidade do interior, em dia de cortejo. Era o dia dos mortos, mas também dos mortos-vivos: dos que se foram pra nunca mais voltar; dos que se foram e ainda assim estavam por perto, para cuidar; dos que ela, em vida, sepultou para não ter mais aquelas mãos entre as suas. E doía.
Não sabia, naquelas horas, quais cores usar para reviver a alegria. Era tristeza. Era frieza. Era decepção. Estava moída. E, pela fogueira que havia sido lançada, (eis o destino de quem domina a arte, de quem confia, de quem ama as surpresas que são dadas pelo vento), se tornava alada: era cinza, sua própria cinza, penitente.
Entendia, naquele momento, as calendas de novembro. Entendia, naquele momento, os signos que carregava: se a necessidade de todos os santos existia, também o fim era patente. E aprender a reconstruir-se era essencial.
Fogo-fátuo.
Fênix, talvez.
Reminiscências das tantas fogueiras das quais havia sido lançada pelos séculos que atravessara. E era só (mais uma vez).