sábado, 7 de setembro de 2019
Tempestade
Meu corpo se agita,
Estremece ao trovão que é sua voz.
Ela é o chamado,
A anunciação.
Fecho os olhos diante de sua claridade,
Tem um brilho próprio
Que me atormenta
E acalma.
Diante desse paradoxo, precipito:
Sou, de corpo inteiro, uma tempestade
E molho seu corpo noite adentro
E causo arrepios
E lhe sacio quando está sedento.
Ainda assim, não me demoro.
Adormeço.
Tento ser calmaria em seu leito.
sexta-feira, 6 de setembro de 2019
Existência
A poesia existe
E envolveu-me em seus braços.
Abrigou todo meu corpo
Num apertado abraço,
Segurando-me (forte) pela cintura
E tirando meus pés do chão.
A poesia foi-me sussurrada
Ao pé do ouvido
Como prece,
Como sentença
De atear fogo
E incendiou-me.
E queimei
Mais do que todas as fogueiras
Porque meu fogo interior,
Minhas próprias chamas,
Eram muito maiores.
A poesia existe e tocou-me
A pele, os sentidos,
Como se fossem pontas dos dedos
Desbravadores de entrefolhas
De poesias outras, suaves,
Constantes, cadentes,
Mas, dessa vez, era mais rompante,
Era num repente,
Era mais necessária e visceral
Era a poesia reclamada
Como alívio
Como repouso
Como desejo
Como única e primeira saída
De alma humana em queda:
Era a salvação do corpo que queima
Ao mesmo tempo em que era brasa
Que o aquece e mantém vivo.
A poesia sufoca para dar ar.
A poesia existe
E desde que me tocou
Habita em mim.
Ouso dizer:
A poesia é vida.
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
Mordidas
Eu não sei de onde vens
Nem os caminhos que percorres
Tampouco imagino onde está a planta dos teus pés
E se teus sonhos se movem
Mas é aqui, sob os meus olhos
Que teus olhos se fecham
E teu corpo é entregue ao cansaço rotineiro
É aqui, semeado em mim,
Em cada canto-breu desse quarto
Que tua sombra se perde
Se mistura à pele, à roupa largada,
À madrugada, à quietude da alma.
É aqui dentro de mim que fazes tua morada
E se te quero mais junto, minha prenda,
É porque o silêncio é demais
E só o teu nome rompe essa urgência
De sussurrar absurdos e desvarios
Como se fossem gritos,
Como cristais quebrando entre os dedos.
Eu não sei se vens ou se vais,
Mas, reviro as horas
E vejo a noite a morder o dia
E são teus dentes a morder-me o juízo
Menos reais do que gostaria
quarta-feira, 4 de setembro de 2019
Corpo-texto
Tenho um corpo-poesia
Marcado por história,
Cicatrizes, estrias.
São as letras do tempo.
São os pontos finais que vivi.
As reticências dos abandonos
(Que cometi e sofri)
São os dois pontos que anunciam:
O novo, o porvir, o leitor.
Todo texto tem sua língua,
Sua trajetória, mística, encanto.
A todo texto cabe uma tradução,
Uma interpretação,
Uma aceitação.
Aceito-me corpo-texto
Lido, relido, marcado.
Aceito-me corpo-poema
Com muita rima,
Pouco assunto,
Inconsistências,
Intensidades.
Sem compromisso de forma,
Com o compromisso do verbo:
Ser
Fazer
Deixar-se ler.
Tenho um corpo-livro
E, às vezes, posso ficar em sua estante,
Mas, meu lugar favorito é entre suas mãos
E, depois de folheado,
Pousado em sua cabeceira,
Habitando sonhos,
Inspirando desejos.
terça-feira, 3 de setembro de 2019
Inspirações Ardentes
Tomar um vinho,
morder uma maçã.
Buscar o calor do corpo do outro,
Exalando prazer, exercitando o amor.
À primeira vista, a primeira festa:
Embriaguez de fluídos.
Perder os sentidos,
Perder os vestidos,
Abandonar os pudores e os senhores,
Os vestígios de castidade:
Capitular ao gozo,
Ao deleite, ao insano mar de odores,
De gostos, do banquete canal,
Do ato de entrega primordial.
Erguer-se em delírios,
Afogar-se em desatinos.
Traduzir em palavras o instante sagrado
Em que os corpos desafiam a física:
Dois se tornam um (êxtase)
Para se abandonar e se reencontrar
Na cama ou nas lembranças,
No ato ou na poesia.
Eis aqui uma coleção de fogueiras,
Incêndios gramaticais
Que se desfilam ante os olhos
Mas é no íntimo que queimam,
Que ardem e traz à tona o rosto de quem nos satisfaz.
segunda-feira, 2 de setembro de 2019
Mezza
Estou aqui
Simples silêncios
Olhos atentos
Palavras guardadas.
Estou aqui
Expectadora
Expectativas
Esperanças vencidas.
Estou aqui
Contando adeuses
Soletrando talvezes
Escorrendo pela ampulheta.
Estou aqui
Engolindo distâncias
Remoendo lembranças
Colecionando desalentos.
Estou aqui
Efêmera
Mezza
Vã
domingo, 1 de setembro de 2019
Outra via
Não sou sua ferida,
Mas sou de carne, viva.
Com o calor do sangue,
Com a cor dos desejos
E entre suas mãos,
Sou outra via,
Outra poesia.
Aquela que já recebeu escrita,
Mas que lê como lhe convém.
Entrelaçar de caminhos,
De mãos, de pernas, de sonhos
Cabe seu nome em meus lábios
Cabe seu verso em meu compasso,
Mas eu, que sou de impulsos,
Saberei ser seu ninho?
Saberá ser meu, passarinho?
Por sorte, o céu nos cabe em seu azul
Abriga-nos em seus entardeceres alaranjados
Seremos vagalumes.