– Pode ir mais devagar com o carro?
– Posso, mas vamos demorar
mais.
– Não tem problema. Quero ver
cada detalhe desse caminho.
– Você e sua mania de olhar
tudo.
– É que gosto de passar por
essa serra. É linda. Quero guardar tudo isso na memória.
– Mas é só uma serra. Igua a
muitas outras. E podemos passar por aqui mais vezes. Aliás, você já conhece bem
esse caminho.
– Sim…
– Então, por que essa coisa
de “ver cada detalhe”?
– É porque gosto de me
lembrar, oras. Quero ver como as folhas das árvores dançam quando o vento as
acaricia, ver como o verde fica mais bonito com os raios do sol, como o sol
rompe as nuvens…
– É tudo muito bonito, mas é
só uma serra.
– Quero olhar com olhos apaixonados,
olhos que capturam pra sempre, que conseguem perceber as singelezas, que
fotografam. Quero ter os olhos bem abertos pra que possa rever toda essa beleza
quando estiver lá em baixo na correria da cidade e cercada pelos prédios com
suas escalas de preto-branco-bege-e-cinza, que os compõem. Quero estar atenta
para poder absorver esse cheiro que sai da mata com a terra molhada pelo fio de
água que escorre pelas montanhas rochosas. Quero sentir o vento balançar os
meus cabelos e pensar que sou como as árvores, que se deixam balançar sem
compromisso. Quero mesmo é matar essa saudade antecipada que sinto dessa
paisagem, só de pensar que vou demorar a ve-la novamente.
– Invejo essa serra…
– Por quê?
– Porque você parece ama-la
de uma maneira tão grande…
– Amo os caminhos pra onde ela
me leva…
– Às vezes acho que você
gosta de tudo. Olha para as coisas como se sempre fosse uma descoberta…
– E são. Sempre há detalhes
para serem descobertos. Nada é igual sempre.
– Filosófica…
– Realista.
– Apaixonada…
– Saudosa…
– Não vamos chegar num
acordo?
– Talvez… Pode parar o
carro?
– Pra quê?
– Pra subirmos naquela
pedra.
– Pra quê?
– Aff… pra eu te mostrar o
tamanho do mundo.
– Não vai dar pra ver.
– Então agora você entende!
– Entendo o quê?
– O modo como eu olho para
as coisas.
– Não.
– É que nunca vou conseguir
olhar o mundo todo, por mais que eu queira, por mais que eu me esforce, então
aproveito para olhar bem tudo o que posso, porque não posso olhar tudo. Não posso
saciar essa vontade enorme de conhecer todos os lugares, sentir todos os
cheiros, ganhar todos os sorrisos, então aproveito bem todas essas coisas que
eu tenho ao redor.
– Você não existe…
– E você nunca vai entender…
– Quer chiclete?
– É pode ser. Posso ligar o
som?
– A conversa entediou você? Pode
ligar o som.
– Não. A conversa tá boa. Tô
me explicando pra você. Isso é bom, mas é que preciso de uma trilha sonora pra
essa viagem.
– Trilha sonora?
– É… é que o meu filme da
vida é igual a qualquer outro: precisa de trilha sonora pra ser completo.
– Você é mesmo diferente…
– E você é corajoso para
tentar entender.