Se tiver medo,
não se apaixone por mim. Já tenho minhas próprias questões para trancar no
porão. Mas, principalmente, não se apaixone por mim se não quiser correr
riscos.
Tenho uma
incurável paixão pela vida que tende a ser contagiosa, especialmente transmitida
pelos meus sorrisos e abraços, pelos meus beijos cuidadosamente lentos e
apaixonados...
Eu posso
acabar com a preguiça do seu domingo, fazer festa na segunda-feira, transformar
o seu problema em confete. Posso rasgar suas contas a pagar ou fazer delas um
aviãozinho de papel porque certas seriedades não me cabem.
Não se
apaixone por mim se não quiser redescobrir um jardim da cidade ao qual jamais
havia dado atenção. Ah, e se não estiver disposto a marcar-se com lembranças, é
favor não se aproximar. A ordem das coisas pode ser bruscamente alterada com
minha alegria ou teimosia. É que eu só conheço um caminho para tentar ser feliz
e ele é meio bagunçado. Eu o chamo de autenticidade.
Não se
apaixone por mim se não gostar (pelo menos) de (cheiro de) café. Preciso de
café para trabalhar, para relaxar, para me inspirar e para combinar com outros
tantos sabores e atividades. É claro, também, que nada supera o charme de se
segurar uma xícara ou caneca de café. Gosto da combinação de café-blusão-música
e passos desalinhados de dança a qualquer hora e lugar do dia.
Eu não me
importo (ou me importo pouco) com os olhares curiosos. Não respondo a perguntas
sobre minha personalidade. Meu cabelo já é um prenúncio do que está por vir,
mas não se engane pelo vermelho. Algumas pimentas ardem até os olhos, outras
são suaves. Pode se surpreender se for além da superfície.
Não se
apaixone por mim se não souber mergulhar. Do lado de cá de minha vida, flerto
com as profundidades. Acostumei-me com as intensidades e transbordamentos de
sentimentos, por isso me faço poesia (e não poeta!). Por isso canto ao acordar
e quando tenho medo. Por isso canto quando estou feliz e vou cantar pra você,
mesmo desafinada: é uma sutil forma de lhe envolver nos encantos do que me
toca.
Não se
apaixone por mim se não souber como chegar até mim, como entrar pelos meus
ouvidos e me causar arrepios. Não dê um passo em minha direção se não souber
como ficar e mudar e me ver voar. Eu vou voltar. Mas preciso abrir as asas e,
nem sempre vai conseguir me acompanhar. Isso não é nada demais. É só questão de
espaço, de confiança ou segurança. É uma questão de ar, do que me é essencial.
Por fim, não
se apaixone por mim se não entender o porquê de tempestade serem repentinas e
avassaladoras. Se não lhe fizerem sentido os nomes femininos dos vulcões ou a
lógica visceral dos furacões. Não se arrisque se o mar não lhe despertar
nenhuma emoção ou beleza ou encantamento e se não entende o movimento das
marés. Se não for capaz de entender que fúria e calmaria são faces de uma mesma
moeda, certamente eu não caberei em um porta retratos de sua estante e nossos
sorrisos não se conjugarão em nem uma das mais de mil noites que posso
prometer.
Não se
apaixone por mim se não quer ser meu abraço-amigo em dias nublados. Não se
ofereça companhia se não entende as urgências que meus olhos têm de pousar
sobre o seu corpo jogado na cama depois do trabalho, em um dia qualquer de
feira.
E, também, não
deixe que eu me apaixone por você se for raso demais. Sabemos que vou mergulhar
nesse desconhecido e que, no caso de acidente, serei cacos e não terei ninguém
para me ajuntar.