Visitas da Dy

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Óculos





No meio da manhã a claridade embaçava meus olhos, num dia tão branco quanto seus lençóis, num dia tão branco quanto seus sorrisos.
E eram meus olhos que tateavam seu corpo sobre a cama em uma preguiça morna de feriado, como quem não tem outra obrigação na vida a não ser compor a paisagem do quarto.
E eram meus olhos que buscavam lê-lo como se fosse um livro, tentando decifra-lo, encontrando destinos nas linhas de suas mãos e histórias nos vincos de sua testa.
Eram meus olhos de raio-x que o despiam deliciosamente morno naquela preguiça longe do meio-dia, longe de outros olhos e tão perto dos meus ais e meus quereres.
Eram meus olhos os escritores daquela paisagem, criando a história a seu bel prazer, lançando-me em imaginações nada mornas, nada brancas, muito mais cheias de sentidos que apenas a visão.
Mas, eram apenas os meus olhos que o envolviam, que o alcançavam e só por eles, através deles, eu o tinha por perto e aproxima-lo ainda mais era só uma questão de lentes: chegava a suspirar quando colocava meus óculos.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Fagulhas




Na falta do que sentir, encarava as paredes.
Na falta do que cantar, calava as esperanças. Emudecia até os Chicos (Buarque, Cesar, Science) com seu desprezo pelo som próprio e alheio.
Imersa na solidão que cobre as casas nas madrugadas e toma lugar até nas camas dos casais, estalava os dedos e imaginava faíscas.
Faíscas.
Centelhas.
Fagulhas.
O instante mais breve dos encontros de olhares, quando duas escuridões se iluminam, se amam, se consomem, se vão. 
Volta-se à escuridão própria.
Volta-se ao abandono em si, a queda na real: o que vale são os instantes.
Volta-se a dar voz aos Chicos, aos livros, aos passos (de dança - a fala do corpo).
Na falta do que viver, sonha.
No excesso de sonhos, escreve.
Ainda bem que como a areia dos desertos, as palavras são (quase) infinitas e encantadoras.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Despertar




Não sei se o quero mais
Despertando meu sono
E todos os meus sentidos
Ou
Se o quero Morpheus,
Às portas de meu anoitecer,
Invadindo-me os sonhos.
De fato, eu o quero em minha cama
Entre lençóis
Entre pernas
Entre delícias
Entre em mim.

domingo, 28 de julho de 2019

Saciedade



Haverá um momento terminal
Em que os olhos se fecharão.
Não mais como guardiões do gozo,
Não mais decorando seus contornos.
E restará, em algum escombro de memória,
Tudo o que já fomos um dia.
O corpo deitado 
O sabor à prova
Na ponta da língua
Calores eternos
Vapores de desejo
O milagre do toque,
Os tremores da alma
Seu cheiro na boca
Seu beijo em meus olhos
Outrora e agora.
O mundo girando,
Sombras gritando,
Povoamos desertos,
Fomos árabes em tecidos secretos
Véus descobertos
Caídos ao chão
Recolhidos em beijos
Nas palmas das mãos.
Saberemos que colhemos flores,
Que semeamos histórias
Sentados nas sarjetas,
Embriagados de versos,
Entregues à lua.
E diante do findo tempo
O último suspiro será intenso
Da lembrança, da madrugada, 
Da noite inteira que nos foi morada.
E o mundo, lá fora, que se acabe
Porque já experimentei e domei a eternidade,
Porque descansarei livre e saciada.


sábado, 27 de julho de 2019

Bandeira branca



Faço silêncio. 
Calo a voz, mas o corpo fala. 
Ouço os sons que me são próprios: a respiração, o pulsar do coração, o cabelo que dança ao vento. Com o sol que me toca, meus cabelos parecem fagulhas.
Talvez eu seja uma fagulha. Uma centelha da divina mão da Criação. Há um deus em tudo o que vejo e sinto que sou parte disso. 
Em silêncio e distante das cidades, rodeada só pela natureza, entendo que nos fizemos deserto. Somos, eu sou, cada vez mais uma terra longínqua, um barco à deriva que busca por sua missão. 
Engana-se quem acha que a paz está em poder dormir ou ter a consciência tranquila. Essas coisas são consequências da paz. A bandeira branca é hasteada,  verdadeiramente, no momento em que se toma consciência de sua missão, sua finalidade no mundo. 
Todo o resto são descansos, pousios para caminhantes. A paz é entender-se.
Não sem esforço, debulhei noites a procurar minha função. É provável que eu a tenha compreendido agora. E a despeito de todas as coisas grandiosas que sonhei fazer, minha sina é simples.
O bater de asas de uma borboleta bastou para que eu percebesse que nasci para ser de sorrisos e para (aprender) a esperar o tempo de todas as coisas sob o céu, que hoje, além de azul, hasteou uma bandeira branca para mim.
Sorrio. Há harmonia entre meu coração, minha respiração, meu sorriso. Experimento a paz. Ela me sacia.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Tinta




Tivesse eu o dom das tintas
Todo lençol seria tela
Todas as curvas, seu sorriso
Todo amanhecer, o seu bom dia
Eu me doaria até a mão de artista
Para que eu fosse tinta,
Conduzida por seu pincel
Em paisagens idílicas
Que extrapolam paredes,
Molduras, tempos.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Paraíso artificial



Há algumas horas eu apenas existo. 
Aos poucos fui perdendo minha velocidade habitual, adquirindo uma tranquilidade artificial, imposta, forçada.
As coisas passam por mim de forma mais lenta, as cores menos vívidas, as palavras se demoram mais. 
Fico sonolenta e não descanso.
As vozes, aos poucos, ganham ecos. A sensação de despertencimento cresce. Fico alheia até de mim. Estou medicada e sob controle.
Na verdade, eu estou sem nenhum controle. As emoções desaparecem. Os olhos fecham. O sono é uma pausa do nada, no nada, para nada, e é o nada que continua quando acordo e ainda estou "medicada e sob controle".
A calma que paira em mim me irrita ainda mais.
A ansiedade não vem. A respiração está fluindo. O coração segue o fluxo. Só eu, comigo, não entro num acordo: prefiro meus sobressaltos, meus rompantes, meu caos. Esse paraíso artificial não me cabe.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Poesia Líquida



Transforma-me em sua poesia líquida, fluente
Como se eu fosse o sangue que escorre de suas veias,
Como se eu fosse o café quente que entra em sua boca.
Transforma-me em seu verso, seu verbo.
Conjuga-me em afetos.
Desvende os avessos de meus avessos.
Toque a dança que meu ventre estremece
Transforma-me em sua oração de bom dia
Seu amuleto, pendurada em seu pescoço,
Nas marcas desabitadas de meu batom vermelho
Esquecidas em sua pele.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Nômade



Pairo sobre o seu peito deserto.
Sou como o calor do sol nascente.
Sou de desejos como a crescente.
Sou como a tempestade em tardes vazias
Sei como encantar e fazer tremer
Sei mostrar a dor e trazer a calmaria.
Como o sol, sou chamas,
Como a lua, liberdades.
Não me prenda muito mais além de suas mãos
Nem tão fundo em seu coração.
Eu posso voar é só lhe deixar pó(esia).
Recita-me enquanto sou seu verso.
Faz-me, em seu colo, sua bênção
E aproveite minha voz macia:
É por seus ouvidos que ela vaga,
Sussurra e acaricia - estou sua
Sou nua
Livre
Lua
Palavra de tempo antigo
Voando solta como andarilho
Ser alado que pousa por querer
E morre ser for presa no ninho.
Sou caminhante, agora, em seu deserto.
Nômade pela vida.





segunda-feira, 22 de julho de 2019

Cedro do Líbano




O caminho e o caminhante...
O caminhante faz o caminho...
Com primeiros passos no Médio Oriente,
Atravessa terras do horizonte,
Sem limite, sem fronteiras.
De Raas-Baalbek para o mundo,
O menino, bailarino, andarilho,
Trouxe seu sorriso-semente
E brotou amizade em nosso peito-fecundo.
Viajante, brisa leve, tantas terras visitou,
Mas entre nós, no Brasil, ele pousou.
De norte a sul dançou:
Mãos dadas, ombro a ombro, pé no chão
Em sua roda de dabke sempre cabia mais um.
E, estrela como é, brilha,
Estrela como é, ilumina.
Estrela como é, sonha e inspira
E é nossa razão, 
Nossa memória,
Nossa orientação.
Nossa estrela do Oriente
AtumOlha por nós e diz:
Sigam sempre no ritmo da canção.
É nossa sabedoria de um cedro do Líbano.

domingo, 21 de julho de 2019

Ressaca



Era a mesa de bar
O antídoto "de esquecer".
As unhas batendo à borda do copo,
Os dedos sonhando as margens do corpo.
Era um estado quase febril:
Uma sensação de mormaço na nuca...
Seu hálito...
Seu (a)braço...
Meus tremores, vapores.
Era uma sede insaciável.
Era a boca sussurrando.
Era o pensamento girando,
As horas atormentando
E o abandono certeiro.
Mais uma alma ingênua.
Um pobre-diabo desavisado.
Uma aposta no amor:
Facasso!
Mais um bilhete perdido no espaço,
Um vão no peito,
O vazio.
A noite estendida em solidão.
Mais um final
(Nada feliz)
Em um conto sem fadas.
Restam as mensagens nas garrafas:
Beba, mas com moderação.
A dor de amor logo passa
E você se acostuma com a ressaca.

sábado, 20 de julho de 2019

Pílula



Depois de tanto tempo, a última foto foi guardada dentro de um livro desses que nunca são abertos.

Não era mais necessária aquela presença tão vaga na estante.

Um sorriso novo seria muito melhor. 

Era a prova completa da negação da saudade. 

O apagamento da memória. 

A última pílula de dor.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Lâmpada




Meu corpo deitado 
Na cama imensidão
A luz da lua me abandonou
Sobrou a lâmpada,
O teto, a embriaguez,
A saudade, a vontade.
Esse grande vaga-lume que é seu nome
Que brilha em minha mente
Que ofusca os pensamentos
Que parece pousado no teto
O umbigo do mundo
O centro das paixões
Meus pensamentos ébrios
Seu nome em neon
Meu copo caído
Largado no chão.
Era pra esquecer seu cheiro
Era pra esquecer seu gosto
Mas, como
Se era sob esse teto,
Sob essa lâmpada,
Que tantas vezes fomos um?

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Sobre ser mãe de Heitor



Sobre ser mãe
(Dy, a mãe de Heitor)

Talvez meu filho não saiba que ele foi a maior revolução que vivi. Talvez ele nunca consiga compreender isso. 
Mas, há 9 anos, todos os dias são o meu "dia de mãe". E desde que ele aprendeu a falar, esses dias foram se (re)batizando entre dia de "mã", "mamã", "mamãe", "manhê", "mamãe Dy", "princesa" e até "Edylane-dragão".
Desde que aqueles olhos curiosos e atentos pousaram em mim, às 5:27h da manhã, eu já sabia que o mundo era outro. Absolutamente revolucionado. 
Era daquele pequeno universo que foi parido por mim que eu tiraria minha força, meus motivos pra seguir. 
Eu pari o amor. E todos os dias ele me renova. Todos os dias ele me lembra que tudo vale a pena. Todos os dias eu sei que fui a grande senhora daquela vida e hoje é por ela que eu vivo. 
Eu pari o meu mundo. E nele eu habito vivenciando toda experiência de se ter a vida, também, de ponta-cabeça e é uma montanha-russa que assusta, que dá medo, mas que me faz melhor.
Ontem, hoje, amanhã. Todos os dias quando uso meu batom vermelho (minha armadura) e saio pra encarar desafios é por meu menino que resisto e volto pra casa. 

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Feitiços



Invoco através de meus versos
Ausências doloridas,
Amores incompatíveis,
Saudades insaciáveis.
Faço dos corpos campo de batalha,
Margem alcançada,
Selva desbravada.
Em meu corpo já morou o amor,
Já dormiu a saudade,
Já tatuou-se a ausência,
Hoje é meu caldeirão de magia,
Meu vulcão, minha fonte de energia.
Faço das palavras os ingredientes necessários
Para os conjuros lendários:
Feitiços-poesia,
Versos-magia,
Toque de cetim na pele,
Calor do sol do meio-dia,
Arco-Iris que divide a tarde,
Sua chegada no meio da noite.
Sou a feiticeira obstinada
Em busca de sua boca,
Sedenta de suas palavras,
Carente de sua presença.





segunda-feira, 15 de julho de 2019

Reverso





Das tristezas que conheço,
Faço verso.
Outras tantas que invento,
Reverso.
Não que eu seja triste.
Não que eu beba tristeza.
É que, às vezes, me faz bem
Escrever sobre as agonias que desconheço.
E se tão bem escrevo de amor,
Deve ter um pouco de espaço 
Para tudo o que for dissabor,
Afinal, pouco sei desse 
Daquele, raridade.
Estou no reverso das coisas
Escrevo o que me vem com o Tempo.
Ele, senhor dos meus ais, me sabe,
Cabe, invade...
Ele me leva.
Todo o resto se vai.

domingo, 14 de julho de 2019

Maya



Nada adiantou seus olhos de noite,
Seus ares de feiticeira.
Pouca coisa valeu tecer versos,
Traçar histórias.
Não eram as Moiras que lhe regiam, mas Maya.
E embora ele fosse só miragem,
Já era seu labirinto favorito
E dele não podia sair.
Não podia esquecer
Aquele que era ausência de caminhos
E, por isso, era presença.
Ela não podia esquecer
E, por isso, desejava perder-se 
Porque era o próprio inferno
Ter história não vividas
Guardadas em sua memória tão viva.
Ela não podia esquecer
Mas era tudo ilusão
Como se proteger daquilo que brilha e existe
Mesmo se ela estiver de olhos fechados na escuridão?

sábado, 13 de julho de 2019

Éris




Invejo seus olhos que pousam e dormem.
Aí, ao lado de Morpheus, deve rir de mim
Pares de olhos atentos
Que se não lhe veem, imaginam
Que escorregam por suas roupas,
Que as jogam ao chão.
São olhos tão famintos quanto a boca vazia.
São olhos que lhe engolem,
Que lhe percorrem o corpo,
Que lhe pensam absurdos
E provocam a mim,
Em mim, um furor estrondoso.
Ainda lhe invado o sono.
Ainda lhe tiro o sossego.
Ainda lhe devolvo ao sono,
Típico dos cansaços de um dia inteiro.
Ainda lhe tomo esse corpo, meu desejo.
Por enquanto, só lhe vejo.
E meus olhos invejam quaisquer mãos que lhe tocam.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Enya



Eu usava armaduras, ele as descobriu. Foi chegando em minhas branduras, amanhecendo minhas madrugadas, mas eu não cedi.
Insistências, indulgências, e, sob aqueles olhares, me desfiz. Por alguma fresta o riso entrou, ganhou-me, mas resisti.
Fala cadenciada, cores vibrantes, segredos noturnos, ardências de verão, medo do inverno. Fiz-me primavera e já era um entardecer alaranjado de alegrias todas aquelas chegadas.
Eu o esperava feito o cão fiel, pronto para festejar o encontro, ganhar o afago, lamber as feridas, dormir observando seu sono.
Perdi o sono. Tantas vezes que não podia contar. Perdeu-se o encanto, tanto que eu já não reconhecia o seu falar.
E houve choro e desalento. E houve a dúvida se meu peito se esvaziara ou nunca enchera. E houve o medo, o pavor, a boca ausente de beijos, cheia de dor.
O chão cheio de cacos, sonhos ao relento, livro repetido, história de terror. Era um labirinto de quês sem sentido, lanterna sem pilha, arrependimento. Cadeado. Armadura. Semente de flor no deserto. Frangalhos de sentimentos. Pontadas no vazio do coração. Promessa de nunca mais. Esperança verde, escondida, que anseia brotar com um sorriso, mas se trava, faz de forte e teme que o mal retorne.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Oceânides



Se o sei, desajuízo-me
Reinvento palavras,
Desconjugo verbos.
O respiro completamente,
Absorvendo-o como meu.
Navego em águas profundas
Sou o mistério salgado
Na ponta de seus dedos,
E desfaço-me em doçuras
No céu de sua boca.
Toma-me como seu gole mais viciante
Com a sede da saideira
E descanse em mim
Seus sonhos, desejos.
Queime em mim seus desânimos.
Sou a fogueira que o aquece
E encanta.


quarta-feira, 10 de julho de 2019

Corpo-nau



Teu corpo, nau,
Eu à deriva,
Perdida nas descobertas
Entre lençóis.
Naveguei pelo céu,
Apaguei fronteiras.
Desbravando o mar,
Observo a noite pelos seus olhos.
Conto estrelas que quase posso tocar.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Ondulações



Emergia do azul sua luminosidade vermelha
Seria tão quente quanto o sol?
Seria aquele corpo o pouso para o dourado?
Seriam aquelas curvas que receberiam toques?
Emergia do azul, em direção ao azul.
Era de um vermelho ofuscante
E, pelos castanhos de meus olhos,
Escuros como a noite de lua,
Eu desejava o eclipse:
Encontro de corpos celestes.
Acordado, sonhei maciezes
Úmidas ondulações de verão
Miragem febril à beira do mar,
Quando o calor me invadiu, 
Se expandiu
E nos consumiu.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Colombina



Junte todos os papéis,
planos, ideias, sonhos.
A cara quebrada, o coração partido.
Esqueça o Arlequim,
E  também o Pierrô.
Colombina não chora, ria.
Pinte a boca e os olhos
Vista a saia colorida.
Junte seus papéis picados às purpurinas.
Aproveite a quarta-feira, 
Faça uma fogueira,
Aumente as cinzas
E lembre-se: é chama!
É o que queima!
É o que arde.
Incendeie!
Se esse Carnaval passou, faça outra folia.
E desfile pela passarela nos outros tantos dias.
Esteja atenta: há outro samba só seu
Há outro bloco ali na frente
O amor nunca desiste de tocar
E nesse coração vai ser baile toda noite,
Todo toque,
Todo beijo.


domingo, 7 de julho de 2019

Na estante



De repente você chega. Parece um poema, um livro:  capa bonita, prende meus olhos e  diz seu título.
E seu cheiro me entorpece. Páginas novas me atraem.
Passo correndo, cotidianamente. Agitada, quase distraída, mas observo de soslaio.
Finalmente consigo começar a ler o livro, pouco a pouco, cada palavra em sua vez e lembro do poeta: um bom livro lê o leitor.
Você me lê. Chega a doer. Fico impressionada com os poemas de madrugada, em vermelhos, em paisagens que outrora conheci ou não.
E você começa a me ler. E não sou um livro. Sou anotações desorganizadas, caóticas, críticas, lamentos, rimas pobres, rimas, linhas. Um emaranhado confuso.
Não sei se caibo em sua estante muito menos na sua cama confortável onde gosta de ler antes de dormir. Eu me fecho. Eu me julgo pela capa. Eu me escondo em  meu conteúdo. É tudo um turbilhão. Eu queria ser um romance, um poema quente. Talvez seja só um hai-kai. E sem sentido. Melhor não ler. Volto para minha estante.

sábado, 6 de julho de 2019

Sombra lunar



Doeu-me o sentir,
As mãos desgarradas,
O abraço pouco apertado 
As vontades desalinhadas.
Doeu-me até o ar que respiro,
Os planos de papéis amassados,
Mais papéis pelo chão...
As horas sendo contadas.
Doeu-me não ser sua,
Nunca tocar seu coração,
Não experimentar sua pele,
Reconhecer-lhe como miragem.
Doeu-me até os ossos aquele Inverno.
Mas tudo se partiu num Verão
Enquanto eu sonhava em Primaveras
Aprendi a ser Outono: não mais me entregar, ser comedimento.

O amor é um ciclo completo de estações.
Rotacionou em mim.
Estacionei num eclipse
Descanso na sombra lunar
Mas ainda tenho chamas solares

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Abantiades



Pousam sobre mim o peso maior que o de uma borboleta,
Mas causam os mesmos tremores.
São duas mãos invadindo limites,
Erguendo-me às proximidades do sol:
Estou ardendo.
Circundam minha cintura,
Bamboleio, sem deixa-las cair,
Mantenho o ritmo para que não se afastem de mim.
Sou o corpo da bailarina no ar:
Fortemente segura, delicadamente vista.
Duas mãos escorregam em meu ventre,
Seguem as rotas de minhas pernas.
Como as cachoeiras, correm num único sentido.
Perco meus sentidos. 
Sou a fonte de águas cristalinas.
Duas mãos amparam minhas águas
E me colhem e me bebem e me saciam.
Descubro que a doação é plenitude.
Sou, antes de qualquer coisa, sua.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Afogamentos



A neblina não me deixava voar. Os olhos não enxergaram o destino, mas a sua voz, as suas palavras que haviam dormido comigo, despertaram também na madrugada, companhia minha. Acalmava-me o espírito da insegurança, estando, ao mesmo tempo, imerso nela própria e em medo.
Eu não bebia de sua mentira, mas de sua omissão (tola sensação de proteção ou excesso de discrição). E temia só pelos meus pés que saiam do chão.
No pouso, a queda em meio ao céu quente e quase estrelado. 
A água fria do chuveiro enchendo a banheira, contraste com as lágrimas quentes que me abandonavam e pousavam no jeans molhado de um não sei o quê que me cortava ao meio.
A angústia do desconhecido.
A raiva do ter me doado.
As lágrimas de tanto sal...
Os sonhos de papel.
Tudo foi pelo ralo, misturado: lágrimas, sonho, decepção, vontades.
Sobrou a mim algumas dores, um tanto de cicatrizes, um vazio no peito e um caminho inteiro pela frente.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Onde dorme o amor?







No meu peito fiz acolhida, preparei seu ninho, mas a cama ainda está vazia. 
O vento frio quase congela os sentimentos... nada os aquece a não ser (seus) sorrisos.
Choro saudades antigas, desde mil quinhentos e tal... desde terras distantes... desde sonhos surreais e coloridamente confusos. Só você vinha em preto e branco. Pele e manto. Sons desconhecidos, lábios que cantavam.
Onde dorme o amor por esses caminhos, que não comigo? Na beira de outra cama ou na margem da minha poesia? 
Onde dorme o amor? Quem o nina? Quem canta versos d'O Profeta em seus ouvidos, relembrando suas asas e doçuras?
Onde dorme o amor? Consegue fechar seus olhos e se entregar ao vagaroso passo da noite ou, como eu, é insone e busca respostas?
Já que não o encontrei nas camas que preparei, nos braços que cedi, no peito que escancarei os sentimentos, faço-me espera, mas sempre pergunto: onde dorme o amor?

terça-feira, 2 de julho de 2019

Memórias de minha terra




(Dy Eiterer para Tufic Nabak, Dezembro 2018)

O ritmo da chuva embala meu sono,
Meu sonho...
O ritmo da dança guia meus pés...
O café, a conversa, o
s planos...
Família reunida, afeto...
São os sons que me despertam:
Sou sonhador de olhos abertos.
E os cheiros aguçam minhas memória
A terra querida, distante, presente diário no espelho
Em meus traços, meus sorrisos, no que eu sou
Das memórias de minha terra faço prece:
Escutem, irmãos, a chuva é bênção,
Meu canto é oração,
Minha dança, o céu.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Dama da Noite




Exalava o cheiro do amor.
A pele macia e de veludo.
O sangue quente e fluido.
Era desesperada espera.
Eram incontáveis desejos.
A todo momento parecia ouvir a voz dele:
O amado ausente,
O bem querer distante.
E guardava para si aquele som
(Que mal sabia ser real)
Porque, chama, não conseguia mais se conter.
Porque, ausência prolongada, era inquietação.
Porque, dama da noite, perfumava e entristecia.
Ouvia o chamado, rumor distante,
E não se movia: esperava.
Sabia que o seu canto o traria.
Sabia que sua voz bastaria
Para vencer as distâncias que os separavam.
Estava certa que a noite escura e silenciosa chegaria ao fim.
Estava certa, em seu íntimo, do ritmo do tempo
E esperar não era dor.
Era preparação
Pra esta vida ou outra,
Para o mesmo amor de sempre
Ainda que os tempos fossem outros,
Porque as almas eram as mesmas.