Visitas da Dy

sábado, 30 de maio de 2015

Colheita


                                                               


Se eu pudesse colheria todas as palavras
Colheria as promessas
Colheria os sonhos
E tudo aquilo que nunca se realizou.
Tudo aquilo que nos encheu o coração
E só desaguou pelo rosto.
Colheria cada gota de sal
Que se fez queda em queda livre.
Colheria os brilhantes dos sorrisos desperdiçados
E remoídos entre as lágrimas que foram vertidas
A cada noite, a cada dia.
Não por piedade ou misericórdia.
Eu as colheria por capricho.
Colocaria todas em uma caixa de vidro
E iluminaria à luz de velas
Dourando as intempéries,
Forçando-as a se colorirem,
Mostrando-as que há beleza
Em tudo o que se faz sobre a terra
Até quando não parece.
Até quando desistimos.
Até quando suspiramos
E não damos conta.
Até quando pedimos a conta.




sexta-feira, 29 de maio de 2015

Desaguar



Chegar à própria foz
Atordoar-se de pensamentos,
Tantos, que calam a voz.
Tentar domar a si mesmo,
Encolher-se até caber na palma das mãos,
Só para voar ao menor sopro do vento.
Incendiar-se com o fogo natural
Dos sonhos que aninha no peito
E saber-se única em ser e sentir.
Expandir.
Dar vazão ao que se sente,
Seguir o fluxo da corrente,
Afastando-se da raiz de tudo,
Abandono completo da nascente.
Entrega livre aos afluentes:
Barco que segue sem nós,
Sem limitações, sem pressas.
Viagem sem mapas,
Direções extraviadas
Como cartas nunca enviadas.
É assim o destino do vento.
É assim o processo do auto descobrimento.





sexta-feira, 22 de maio de 2015

Semente





Não quero tocar o fim

Quero que meu ser se misture
A tudo o que já admirei,
Que meus olhos ardam
E se transformem nas paisagens.
Quero desfazer-me em vento,
Que ficará depois que eu passar.
Quero enterrar-me como semente
Na terra-mausoléu
Certa de que a escuridão é finda
Ao abrir os olhos.
Certa de que doar-me vale a pena,
De que o que é bom fica.
Quero, finita, ser eterna.
Livre dos fardos que suportei
Absolvida daqueles que não aguentei,
Merecedora das glórias que vivenciei.



Suspiro



Se eu não caibo em mim
O mundo deixa de ser uma caixa.
Eu deixo de pertencer a ele
(Se é que pertenci)
Espalho-me sobre a superfície
Lisa, escorregadia,
E não me ajunto
E não tenho peças
E não me encaixo.
E não tenho pernas ou caminhos
Ou rumos.
Se o mundo força-me a ser fogo,
Forjo-me serenidade.
Tento aproximar-me da calmaria.
Tento ser não a chama inquieta,
Mas a brasa segura,
Consciente de um fim,
Certeza de calor,
Em invernos glaciais
Que crio pelas ausências que sinto.
Dedico-me a incendiar as fronteiras
A extrapolar o que me cerceia
Porque se não caibo em mim
Volto ao ponto de partida:
Equilibrar-me nos mesmos pontos
Desse mundo tão redondo quanto a lua.
Essa mesmice que insiste em me contagiar
E angustia.
Preciso do novo.
Preciso dos horizontes que me iludem,
Que sugerem infinitos.
Porque o mundo que sou não me cabe
Sou um suspiro contido
Que anseia se misturar com o ar

Livre.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Noite



Hoje não sobrou poesia.
Hoje ninguém bebeu alegria.
Em becos e vielas nada de canto.
Em cada canto só se ouvia pranto.
Nem era só dor, desamor ou agonia.
O choro era de desalento,
Era da realidade fria e de aço
Que comigo marcava seu passo.
E com seu ranger de dentes me ensurdecia.
Oh, noite que cai gélida sobre os corpos!
Noite que se despeja, sem alternativa,
Aos mortais que a temem.
Noite que se estende
Para além da escuridão,
Noite que cega os olhos ao meio-dia.
Que seja breve o seu reinado.
Que não me tape os ouvidos
Que não me impeça de gritar
Pois já não caibo mais
Entre essas paredes sem métricas.
Não encontro ritmo nesses versos
E sei que é culpa do breu
E da brecha que lhe dei em meu peito.
Afasta-se de mim, oh, noite!
Leva contigo as horas ocas
Que vou amanhecer em mim o dia
E verei raiar as cores.
Entoarei canções de outros tempos
E terei asas de azul infinito
Longe de seu escuro desenrolar
Porque seu luto noturno
Não me é bem-vindo.
Prefiro despertar o dia
E contar borboletas no jardim das horas
Segue seu caminho, noite,

Que meus rumos são outros.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Perpétuo Socorro





Tangente ao tempo
É a luz. E o meu amor.
Corredeiras de águas cristalinas
Que escorrem, incessantes,
Por vales de desejos,
Desterros de solidões.
Em um balé de águas, luzes e tempo,
Delineia-se o meu amor
Que acontece como o pôr do sol:
Sem autorização ou pedágios,
Apenas espetáculo.
Minhas vontades percorrem seus braços,
Bebem suas águas mansas
Acalmo-me em seu seio,
Perpétuo socorro de meu corpo aflito,
Cansado de vagar e sentir frio.
Cansado das horas vazias,
Que assolam o meu dia,
Com o fantasma de sua ausência.
Sou só caminhos e pernas:
Recebe-me mãe, mulher e ninho.
Recebe-me com suas mãos postas,
Prontas para deixar meus cabelos em desalinho.
Prontas para fazer-me experimentar
A certeza incerta dos amores,
A eternidade de um segundo,
A brevidade do que é eterno.
Toma-me seu, como tomo a você:
Fonte de saciedade para minha sede
Que parece só conhecer a seca,
Embora nasça das úmidas florestas desconhecidas,
Embora cresça entre as gotas que verto
Em cada brecha de tempo,
Essa toada triste quando não a vejo
E alegre quando de sua chegada.
Que me brinde a sua boca com levezas,
Traços de quem sabe bem ser firme
E manter-se em delicadeza,
Cadenciando histórias,
Encarnando personagens
(Meus preferidos em todos os atos).
Sejamos além e mais e adiante
De todo tempo que possa ser medido ou descrito.
Sejamos feixe de luz propagado no infinito.
Sejamos água do rio que corre perene.
Sejamos amor vívido e vivido.
Sejamos embarcação e rio, inseparáveis e necessários.

Sejamos perpétuo fogo que aquece almas e une corpos.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Jeito de Existir




Depois de um dia exaustivo, ele já não sabia o que mais fazer para conseguir dormir. Os cigarros todos haviam acabado. Cerveja? O mercado estava distante e a dor nos pés impediam a caminhada. A preguiça também.
Apelou para o vinho, mas o bordô lembrava o vestido dela, a barra da saia comportada desfilando com o vento, como se fosse parte dele, parte daquela paisagem que mais parecia um parêntese no meio do dia, porque destoava com o restante do mundo.
Algumas taças depois e o sono ainda não havia chegado. A pouca luz da lua crescente que invadia o apartamento pelas frestas da cortina eram sutis como os olhares da moça. E eram também como a dúvida e as incertezas: teria ela olhado?
Já não sabia de mais nada. Tudo o que tinha era um par de olhos que não o deixava em paz, embora lhe trouxesse exatamente a sensação de paz que buscava há tanto tempo.
Refletia sobre como é que alguém aparecia dentro do nosso querer. Como ela havia entrado? Com que autoridade ela podia invadir o coração dele e fazer ali a sua morada? Já não sabia de onde ela tinha vindo se do vento, se do brilho do sol, ou se um congestionamento de ideias. Ela estava ali, brincando com suas artérias, fluindo com o sangue que lhe corria e ele não conseguia descansar.
Olhou para o telefone e pensou em ligar. Achou mais sensato escrever uma mensagem. Abandonou a tecnologia e resolveu rabiscar o que sentia em um papel.
Estava em um emaranhado de sentimentos. Um engarrafamento de quereres, misturados com as palavras, às quatro da manhã, e uma chuva de amores que seriam perdidos pelas vias entre a mão, o papel e os olhos que deveriam receber todas as declarações. Sentia-se como tantos outros que são conscientes do que se perde.
Não sabia onde colocar tanto amor e sentia o coração perdido. Não distinguia se era um sentimento bom ou não. Só sabia que precisava desabafar, antes que se sufocasse com aqueles olhos, faróis que lhe inebriavam.
Com o raiar do dia estava ainda jogado no sofá, com um papel amassado, versos rabiscados para uma moça que, do outro lado do céu, não havia dormido direito, sonhando poesias que nunca tinha lido.
Apressados, cada um em seu lugar, arrumou-se para o novo dia em que se encontrariam sem saber apesar de todo o querer.
Ao encontro por acaso, nenhum deles reagiu. Deram-se por satisfeitos com a breve presença, acreditando que algumas coisas não precisam de explicações, que alguns sentimentos não foram feitos para se entender. Apesar de gostarem da existência um do outro, mantiveram as bocas caladas.
Perderam, com aquele silêncio, coisas incríveis porque não creram no possível. Creram que já era tudo bom demais para se confiar na intuição e tiveram seus olhos perdidos no tempo, na dobra da curva da Boa Esperança, nos mares que guardam sonhos naufragados e versos engolidos.

Finalizaram o que nem começou porque esqueceram de se perder para se encontrarem adiante. E perderam outras tantas noites de sono com dúvidas e incertezas amarradas no se... Cada qual conformando-se com o seu jeito de existir.

domingo, 17 de maio de 2015

Dy por Dy - Entrevista

Entrevista a Lui Morais, para a rádio do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 03 de maio de 2015.



Você pode falar quais peças constituem a sua obra até agora?
Não tenho livros publicados.
Toda a minha produção fica disponível em meu blog, Dy-vagando, no ar desde 2010, mas só levado a sério a partir de 2011.
Desde 2013 sou colunista na Revista Biografia, eletrônica, com textos semanais. Participei da Antologia Versos de Verão (2014), da Revista Replicante, (México, 2014), e do Suplemento Acre (nº5, 2015).
Tenho 4 projetos de livros prontos, esperando uma editora. Dois livros de prosa (Vontades Incompletas e Entre uma Balada e um Blues) e dois de poesia (InVersus e Palavras Indizíveis, Sentimentos Indivisíveis).

Por que você escreve?
Para me aliviar. Observo muito o mundo à minha volta e vou absorvendo o máximo que posso. Esses sentimentos acabam me extrapolando em forma de poesia.
É uma forma de ser e continuar sendo através das palavras, mesmo depois que o sentimento passa. Gosto dessa ideia da permanência das palavras no tempo. E gosto de me expor nas entrelinhas, com sutilezas, com paixão. Claro que nem todos os textos são sobre mim ou o que vivo. Muita coisa é fruto das observações. Só faço uma espécie de tradução do mundo tão rígido e tão sério para as palavras mais leves, mostrando que há beleza em tudo. Pelo menos aos meus olhos. Não faço da escrita um compromisso. Só escrevo quando estou transbordando. Não tenho uma rotina para fazer poesia.

O que é poesia pra você?
A poesia faz parte da minha vida desde que aprendi a ler. Escrevo há pouco tempo, uns 5 anos, mas ela sempre esteve presente. É pela poesia que me expresso quando estou feliz, triste, com raiva. A poesia é uma válvula de escape, uma passagem secreta para um lugar maravilhoso, o mundo das palavras. É uma ponte entre pessoas incríveis que conheci. É meu travesseiro cheio de sonhos. É companheira em noite de insônia. É a lente pela qual escolhi ver o mundo. Não há uma definição do que ela seja para mim, mas é muito importante.

Você se considera uma autora pós-moderna?
A ideia do pós-modernismo pra mim é um vulto. Se for levar em conta o que tem se entendido como pós-modernismo, um grande balaio onde se colocam grandes autores sem muita conexão, devido à fluidez do conceito, sim, eu seria uma pós-moderna.
Mas não sou apegada a esse tipo de rotulação.
Faço poesia. Isso devia bastar. É só uma forma de expressão, é só um meio de tentar embelezar o mundo, de me derramar sobre o papel e ter nele uma extensão do que sinto. Sinceramente, não sei dizer se tenho essa ou aquela característica de pós-moderna. Sou poeta.

A tradição da literatura e das artes influencia muito sua poesia? Pode dar exemplos?
Antes de ser escritora, sou leitora.
Antes de derramar, me preencho.
Toda forma de arte me inspira. Mas não me ligo à tradições e sua rigidez, não há um movimento único que eu pudesse escolher. Transito em tudo o que posso.
Quase sempre escrevo ouvindo música, de clássica a MPB, de Ludovico Einaudi a Emilie Simon, de Khaled Mouzanar a Erik Satie.
Na MPB eu vejo fontes inesgotáveis de poesia, vou desde os consagrados Djavan, Caetano, Oswaldo Montenegro, Lenine à galera não muito conhecida – há controvérsias! – como Vinícius Calderoni, Rafael Altério, Fernando Anitelli, que apresentam poesias muito boas, simples e marcantes, questionadoras e provocativas.
Também sou fortemente influenciada pelo Oriente Médio, sua poesia, dança (do ventre) e música. É clichê, mas tudo começou na infância, com as Mil e Uma Noites, na época, uma organização de Malba Tahan. Hoje volto-me para os libaneses Amin Maloouf, Khalil Gibran, Joumana Haddad, mas a lista ainda tem escritores iranianos, como Nahid Rachlin, e marroquinos como Mubarak Rabia e Muhammad Chukri, que são contistas modernos.
Na literatura nacional gosto muito de Nélida Piñon, Leminski, Manoel de Barros, Elisa Lucinda.

Como você sente a relação da sua poesia com o tempo? E com a realidade?
A poesia é, em parte, filha de seu tempo. A minha não é diferente. Ela é, na maioria das vezes filha da madrugada, mas gerada à luz do dia. Não tenho temas específicos, gosto mais de escrever sobre minhas reflexões, sentimentos, mas há algumas que são muito fortes e questionadoras sobre o que acontece no dia a dia.
Nem sempre estou só tocando a ficção. Muita coisa é fruto de minha indignação, das notícias dos jornais, de experiências vividas no meu cotidiano.
Como toda literatura, muitos textos são atemporais, outros só farão sentido em seu contexto.
A poesia é arte e ela sobrevive ao tempo. Chronos deu esse presente à poesia: um ser alado que transita por onde quiser e quando quiser, descolada dos calendários, livres para pousarem nos ponteiros do relógio de seu leitor e depois voltar a voar.
Minha poesia é assim. Tem lugar de nascer, tem traços desse tempo, mas não é presa a ele.
                   
Você gostaria de indicar outros poetas que considera interessantes para participarem desta pesquisa?
Conheço muita gente boa. No Rio tem a Flavinha, Flávia Cortes, que lançou o livro Espanto! Ela é maravilhosa!

Tem o Rômulo Ferreira, que distribui sua poesia pelas ruas do Rio, que conheci por acaso, e que já publicou um texto meu no Suplemento Acre. Ele é uma figura muito emblemática: não desiste da arte, da arte nas ruas, popular, ao alcance de todos. Gosto muito do trabalho dele e seria lindo vê-lo falar sobre livros artesanais, sobre a arte pela arte.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Luz



Pesa-me nos olhos a luz que desconheço.
Cega-me seu brilho encantado e não encontrado.
O que trago nos seios, são gotas
De orvalho e desejo.
O que cora a (nossa) face é seu rubro lampejo
De um não sei o quê
Que lhe corre
–  às veias e aos sonhos –.  
O que ergue-me é o som de sua voz
Que me treme, envolve e ensurdece
Mesmo sendo silêncio,
Mesmo sendo eco,
Mesmo eu sendo (ou parecendo) louca,
Porque só lhe imagino,
Luz dos meus olhos,
Toque de meus tinos,
Rumo dos meus sinos,
Sentido de minhas catedrais.
O que ilumina-me é a luz pelos vitrais,
Enquanto tento esconder-me
Em escombros medievais.
E são vãos:
Os espaços
E o espalmar das mãos.
E sou luz inquieta que não cabe na candeia.
E sou traçado imaginado de estrada

Sob seus pés que nunca me chegam.

Fardo




Se não coube a mim a sorte dos seus amores
Que eu me regozije com seus humores
Certeza das multiplicidades dos sentimentos
Superação maior de meus pensamentos
Porque está acima de todo vão querer
E será, dessa maneira, completude de meu ser,
Embalos de alegria,
Motivo de folia,
Um ser-estar consolidado

De quem compreende bem a leveza do fardo.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Solilóquio




Meus pés recusaram-se a fazer o caminho
Meus ombros já cedem ao fardo
Desço do carrossel que criei para mim
Tentando evitar os cansaços diários.
Procuro hastear a bandeira do sossego
Aquela branca que salpicaria o céu
Busco a paz e sei bem o que ela é:
A paz é o descanso eterno.
É o fim da linha.
É o suspiro último no derradeiro dia.
Fecho os olhos e fico em paz.
Que eu não volte nunca mais.
Que não viva mais ais.
Que não viva.
Paz.



quarta-feira, 13 de maio de 2015

Distâncias



Parecia ser à frente de seu tempo. Parecia ter experimentado as amadurecências da vida bem antes de todas as pessoas que conhecia.
Em um dia vivia anos, em uma semana, séculos. As cores não eram só algo que saltava paletas e prendiam-se em telas brancas. Eram mensagens secretas, saberes quase mágicos e poderosos que podiam mudar todo o equilíbrio do mundo.
Foi aprendendo a aceitar-se assim, um tanto distante dos outros, um tanto distante do tempo em que vivia, quase deslocada, pessoa mal encaixada nos cotidianos.
Por sentir-se distante de tudo o que tocava e fazia, por buscar as suas compreensões, aprendeu a admirar essas distâncias e a aproximar-se delas como quem observa um reflexo no lago.
Tateando claridades intangíveis a quem não via o mundo pelas suas lentes, desvendava mistérios como em um passe de mágica, perdendo parte de todo o encantamento ingênuo que cerceava o mundo.
Adivinhava as nuances da natureza como um jogo natural e simples: observava e entendia. Compreendia o exato lugar de cada coisa, os calcanhares de Aquiles, os esforços sísifos, os suplícios de Tântalo, as lutas vencidas e as abandonadas e nada disso lhe despertava mais graça.
Terrível era sua sina de não convencer-se que a ignorância era uma virtude. Não sabia mais existir sem ser iluminada por relâmpagos repentinos de consciências e análise de tudo a sua volta e sentia-se em um abismo, cada vez mais distante de quem a rodeava.
Tinha a impressão que, como vivia muitos anos em uma só hora, também envelhecia na mesma velocidade, era um amadurecimento quase atroz, que lhe consumia e a coloca em posição de desconforto com as complexidades desnecessárias, já que descobrira que a simplicidade era a melhor forma de beleza e completude.
Aos poucos, foi entendendo que há certas distâncias que por mais que envolvam duas pessoas, só podem ser transpostas por uma delas.
Há necessidades que são urgentes e que nos engolem se não as enfrentamos.
Há amores que nascem nos olhos, se mudam para o coração, mas não têm força para serem vividos. Esses são belos por completo, poéticos, inspiradores, mas irreais.
Pra ela, também o amor era uma espécie de distância em que as pessoas iam avançando em caminhos cujas dificuldades eram do mesmo tamanho pra todo mundo, mas que se um não anda, o outro se cansa.

Em suas percepções, o que mais marcou foi que todos temos a necessidade de amar, de romper nossas barreiras, não somos e nem podemos ser estáticos. Nascemos pulsantes. Vibrantes. E vencer as distâncias é o maior de todos os desafios.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Vale a pena se matar?






Há quem conte dos dias que se viveu,
Histórias, lembranças, memórias.
Tudo isso que possa parecer pouco,
Mas que marca profundo.
Há os que por honra própria escolheram as notas.
Não as sonoras,
(Desses tenho dó)
 mas as promissórias, verdes, valorosas.
Eu, do meu canto,  questiono o valor.
Do cobre eu dispenso a moeda,
Aceito só a cor, do cabelo da menina,
Do sol a se por em mais uma esquina.
Dessas imagens que saltam qualquer moldura
E moldam o jeito que quero viver.
Há quem prefira a prata
Que retine no prato,
Que trancafia se no cofre.
Eu prefiro a que vem do luar,
A que mergulha no mar,
A que me embala a divagar.
Vale a pena se matar?
Duras penas não rejeito,
Faço verso, reinvento,
Mas nessa dor
(A de me matar por nada)
Não vou me afogar.
Deixa disso, companheiro!
Não vale a pena essa vida desperdiçar,
Não vale a pena só ver o tempo passar,
E achar que todos os minutos poderá contar
(Os lucros).
Eu é que sou rico, meu xará!
Contei minutos em beijos,
Cobrei juras de amor com juros
Amarrei-me com empréstimos de amantes.
Desse tempo de errantes,
Quem erra é quem só saber contabilizar.
Eu aprendi desde cedo a contar:
Mais vale um abraço,
Um toque na mão,
Do que dinheiro no bolso,

Amargando solidão.

domingo, 10 de maio de 2015

Parir-se



Quando não coube mais em si,
O amor extrapolou o corpo.
Quando o riso já parecia gasto,
Quando os braços pareciam vazios,
Quando o colo pedia mais,
O ventre foi abrigo,
Explosão de amor maior.
Ao dar à luz, ao dar a vida,
A mulher paria-se:
Nascia, no mesmo instante,
Um filho e uma mãe.
Conhecia-se, naquele instante, o indefinível.
Tateava-se o divino,
Passou a ser mulher-mãe,
Fonte de força, de carinho, se segurança.
Passou a entender o sentido da vida.



Arma-Dura



Fez planos de papel. Desses que já nascem sabidos de seus destinos: o fim prematuro. A não realização. O canto da página. O esquecimento breve, apesar da euforia passageira.
Recortou a folha de papel como se fosse uma máscara e a colocou. Era quase uma arma-dura com a qual enfrentaria o mundo a partir daquele momento.
Tinha os passos exaustos de lutas encampadas quase em vão, daqueles dias em que tudo o que via era o concreto, também armado, em curvas, que feriam as retas paralelas dos tais planos rabiscados nos papeis.
Frente às vitrines espelhadas observava como a tal arma-dura lhe caia bem e já não sabia mais, ao longo dos dias atravancados pelos vaivens cotidianos, se a máscara lhe cobria o rosto ou se revelava quem ela era de fato.
Explicava-se a si mesma que a máscara seria a sua arma mais dura frente aos outros. Com ela manteria distâncias seguras, pouparia todo o desgaste do desconhecido. Mostraria-se forte o bastante para não terem penas de suas feridas e suficientemente preparada para aguentar todas as adversidades.
Avançava, ora acreditando na nova face, ora aceitando que sempre fora a mesma. Escorregando pelos cantos das ruas, passava em brancas nuvens, desejando deitar-se sob o azul do céu, sobre o verde da grama e perde-se nas chuvas multicoloridas de esperanças abandonadas.
Desligava-se, aos poucos, de quem era e fixava-se em seus reflexos. Esquecia-se que usava a arma-dura. Esquecia-se que convocara há tempos uma guarda fiel para si e que se escondia. Esquecia-se, aos poucos, das flores, dos bilhetes, das bolhas de sabão, das vontades de ficar.
Acreditava-se mais forte por conta da máscara, sem perceber que a força era dela desde o início e que só precisava de seus sorrisos para compor e recompor tudo o que estava por vir.
Depois de um banho de chuva, desses comuns no outono, desceram-lhe as gotas d’água e os pedaços da máscara, desfazendo sua armação. Despida de suas armas, de sua máscara, maquiagem bem feita, agora estava diante de si mesma e, percebeu que todas as pedras no caminho foram vencidas por ela mesma.

A máscara não era tão necessária. Desfez-se da fantasia e passou a encarar o mundo olho no olho, sem  correr, aceitando os desafios, como quem acorda para tudo o que virá.