Visitas da Dy

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Coreografia




Dói-me o cotidiano,
As revoluções não feitas,
Os irmãos que lutam e caem
Em doação pela causa.
Dói-me a solidão de estrelas e de versos,
Sua poesia que me falta,
Sua voz que não ouço.
Dói-me o corpo cansado,
Exausto do dia a dia,
Da jornada longa e pesada.
Mas, se há um consolo, seu nome é dança
Onde sou maior que o mundo
Onde sou dona do sorriso de Monalisa,
Onde leio sua mão e seus pensamentos
E promovo encantamentos:
Prendo seus olhos,
Aguço seus desejos
E chamo suas mãos.
Não há outro momento tão mágico
Quanto aquele em que o corpo se liberta
Ondula, gira, vibra, se equilibra
E flui:
O universo se desenha em uma coreografia

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Lira




A tristeza da lira reverbera o poeta:
A alma que sente mais do que deveria,
A boca que grita as dores suas e do mundo.
Mas, que ainda assim, canta o amor
A esperança leve, ainda que tardia,
De ver o bem-amado chegar,
Pupila dilatada pela surpresa,
Desalinho, desatino, destino!
E a lira embala os sonhos
Nus, crus, como deveriam ser.
E o poeta se deixa levar
Não por escolha,
Mas, por envolvimento.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Fogos e Artifícios




Como se eu aceitasse todas as vozes
Que me chamaram de louca.
Como se eu ignorasse meus algozes
E gritasse até ficar rouca.
Como se, de fato, eu fosse bruxa, encantante,
Lançando-lhe meu charme-feitiço.
E aceitasse salvar-me da noite angustiante,
Entregando seus amores ao meu serviço.
Assim, arrebatado, ouviria meus cantares de longe,
E mesmo que nossos corpos se despedissem,
Saberíamos guardar nossos segredos como monges:
Em silêncios profundos e resilientes  até que se expandissem
Ao passo só o reencontro nos abrandasse enfim
Porque não é vão o amar
Nem pouco o querer-tão-bem-assim
Muito menos a vontade de ficar.
Seríamos, então, o enigma e a esfinge, egípcios.
Você me decifrando e eu lhe devorando, fogos e artifícios.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Lava




Sou um vulcão
E aqui dentro tudo explode,
Chama-viva, lava incontida.
Poço de desejos, incandescências.
E, ai de mim, que ouso alturas
Depois que acordei da rotina.
Antes de seus olhos, eu era passante
E as horas (poucas) tranquilidades.
Agora, suor e sussurros me rondam
Agora, carne e osso são poucos
Agora, lascívias e labores me ocupam,
Invadem-me e incendeiam.
Erupções multicoloridas de sonhos e jardins,
De praças e descansados domingos,
E minha lava descontrolada 
Devastando as quietudes,
Trazendo a violenta força das paixões
Que só se assemelham ao bater de asas dos colibris:
Delicadeza e brutalidade complementares.
A urgência do agir sem deixar rastro.


domingo, 27 de outubro de 2019

Self Pity




Há um tanto de histórias caladas,
Desejos guardados
E me perco: entre elas,
As lembranças, as vontades.
Projeções e imagens
E, aqui dentro, há um mar revolto
Por tudo aquilo que quero
E não ouso.
E, aqui fora, finjo ser um céu tranquilo,
Mas, gosto de tempestades e seus raios.
Gosto de pertencer à paisagem,
Embora deseje pertencer aos seus braços.
Vivo um desencontro com meus sentimentos,
Abandono do coração,
Cansaço do corpo,
Cama-imensidão
(Ainda sonho entregas,
Mas, bebo solidão).

sábado, 26 de outubro de 2019

Riso




Eu gosto do meu riso solto
Sem compasso, ocupando seus espaços
Quase escandaloso, sem rédea
Nem rumo: livre!
Do tipo que vem sem motivo
Do tipo que se congela na memória
E fica guardado entre cores
Entre cheiros
Entre meu perfume favorito
E minhas flores: do cabelo e do vestido.
Eu gosto do meu riso
Quando nasce em você
E faz morada em meu corpo,
Porque pousa nos lábios,
Mas, ilumina os olhos
E me dá levezas.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Adequações





Borboletas no estômago? Nunca as tive.
E vens e perguntas-me os porquês,
Os senões, 
Se cometeria desvarios,
Se construiria histórias,
Se ousaria aquietar-me o espírito selvagem,
Amansar minhas tempestades interiores.
Ao que te digo, querido:
Nada disso poderia acontecer-me,
Nada disso me cairia bem
Porque não sonho pousios,
Mas vôos altos e profundos.
Não sonho sossegos,
Mas, cavalgadas livres, sob um céu alaranjado,
Experimentações de liberdade!
Não se trata de se domar,
Mas, de se acompanhar.
Mude o verbo!

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Colheita





Tenho, pois, mãos entreabertas
Prontas a colher a ti e tuas flores.
Tenho, pois, outonos inteiros
Para serem aquecidos pelo café
E seus cheiros.
Sou do tempo de agora
Tanto quanto já fui das fogueiras.
Sou dos ventos bravos e brandos,
Das urgências e pausas cheias:
Paro o relógio com um sussurro,
Acelero teu peito com um beijo.
Se me tomas pela mão, nego o arreio:
Dou galopes selvagens, desnorteio
Corto o teu céu (da boca) como um raio,
Mas, cedo à luta, repouso em teu leito.


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Adormecer




Sai das pontas de seus dedos, a minha desordem
Um emaranhado de nadas
Que confundem, miragens.
Um emaranhado de distâncias
Que sufocam, madrugadas.
Uma coleção de ilusões
Que ofuscam, amanhecer.
E eis que não sou mais que a criança
Que se contenta com o enigma
Que desiste da resolução
Que dorme de tanto cansaço.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Ineváfel




Atrelada aos seus sonhos,
Em minha cama sigo insone
Como se eu precisasse estar acordada
Para que Maya lhe presenteasse com meus feitos.
Atrelados à sua boca, meu nome e meu desejo:
Ora sussurrados, ora mastigados
Como se eu mesma não os pudesse controlar,
Como se, de fato, estivessem presos
Não a mim, mas, ao que quero
Ao alcance do toque,
O inefável?

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Travessia





Canta odes de prazer e regozijo.
Canta em vozes altas
Até mesmo o que já foi sussurrado.
É o que lhe sobra: lembrança.
Daquela travessia lenta
Da larga anca,
Dos seus passeios noturnos,
Entremeio a rios e cavernas,
Montanhas e vales.
E lhe vale outra lembrança:
A do descanso puro,
Dos largos ombros-abrigo,
Do peito-leito em que o amor repousou
Exausto, estanque, extasiado.
Canta seus versos de sem-fim
Canta a promessa de um dia vir 
De ser mais do que o tempo foi
De ser breve e eterno
E espera o saber,
O separar mito e história,
O fazer e o querer.

domingo, 20 de outubro de 2019

Fogo ou fogueira?!





Por que eu desejaria perder-me em sua cama?
Se, por acaso, eu adormecesse
E minha alma se prendesse à sua,
O que faria?
Há nessas margens um rio irrepresável.
Há nessa cela um querer incendiário,
Quase kamikaze,
De quem vai sem medo ao desconhecido.
De quem ousa, desprezando o perigo.
Mas, e se minh'alma se prendesse à sua?
Fogo ou fogueira?!

sábado, 19 de outubro de 2019

Duas faces




Despi-me das roupas e das caras.
(E bocas eram só para os seus beijos.)
Na entrega, nua, eu era escura e clara, perversa e boa.
Porque o pertencimento é tudo e nada:
É ser dono de si ao ponto de doar-se
E completamente do outro, oblata.
(Não há, de modo algum, controle)
Sou, então, um rio caudaloso
Que deságua em outro rio,
Maior e mais veloz, violentamente bonito,
Infinitamente inquieto
Em busca de suas próprias profundezas.
Não sei se entrego meu corpo, matéria finita,
Ou minha alma, relâmpago na escuridão de seus olhos.
Esqueço seu rosto
E o decoro de olhos fechados.
Esqueço seu nome,
Desnecessário, já que não o chamo.
Tem a divindade de uma criatura pura,
As artimanhas de um ser decaído.
Por isso, encanta e domina,
Algo de misto ente o deus e o diabo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Travessia




Canta odes de prazer e regozijo.
Canta em vozes altas
Até mesmo o que já foi sussurrado.
É o que lhe sobra: lembrança.
Daquela travessia lenta
Da larga anca,
Dos seus passeios noturnos,
Entremeio a rios e cavernas,
Montanhas e vales.
E lhe vale outra lembrança:
A do descanso puro,
Dos largos ombros-abrigo,
Do peito-leito em que o amor repousou
Exausto, estanque, extasiado.
Canta seus versos de sem-fim
Canta a promessa de um dia vir 
De ser mais do que o tempo foi
De ser breve e eterno
E espera o saber,
O separar mito e história,
O fazer e o querer.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Desalento



Ai de mim que lhe digo adeus.
Ai de mim que abandono o peito seu,
Logo agora que desejei não ser mais andante,
Que planejei fixar as raízes,
Cuidar de todo e cada canto que chamei de meu.
Ai de mim que me quis aldeia,
Casa sua ao mesmo tempo que se faria a minha.
Logo eu que não percebi sua chegada,
Logo eu que era mais feliz com seu bom dia.
Ai de mim que desfaço sentimentos
Só por não saber medidas,
Só por não compreender conceitos,
Só por não saber querer
E me afogar em teorias.
(Invenções vãs, confabulações)
Ai de mim que verei seus olhos em toda noite,
Mas, que achei melhor o silêncio,
A partida,
O abandono dos seus e meus escritos.
Que perdi livros e me perdi
E, na ausência dos saberes,
Também o perdi.
Ai de mim que já desconheço sua voz,
Mas, decorei seu cheiro.
Ai de mim que ainda quero
E não sou mais vista.



quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Temores





Corre pelo mundo
Feito fera machucada
Bicho que sangrou
Bicho que teme 
E nega e foge.
Foge do desconhecido
Foge do que não viveu.
E, diante da porta entreaberta,
Sonha paixões em vermelho
Em lábios bem desenhados,
Em lençóis encharcados.
E sonha para si os tremores
Sonha para si a alegria da chegada
Sonha para si a explosão do corpo
Que começa pela cintura
E lhe abala as estruturas.
Mas, se vê tão pequena, a fera,
Que se encolhe, recolhe.
Vai pra longe, emudecida,
Engolindo seus gemidos e sussurros,
Seus desejos e planos.
Se afasta porque mesmo sendo selvagem
Já foi ferida e ainda sente 
O tempo das cicatrizes
E não aprendeu a usar bem as palavras
Se afasta porque teme amar o amor.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Poemas-pássaros





Quando não há mais consolo,
Quando não há mais saída,
Quando o silêncio grita e para,
Num instante leve e intenso,
Branco e profundo,
Elas, as palavras, brotam.
Pequenas sementes de amparo,
Incandescências inquietas,
Luzes coloridas e pulsantes,
Tradutoras de sentimentos.
Ser poeta é ser selvagem.
E,  no paradoxo, domar palavras.
É expor-se, brancas nuvens, em céu azul.
É doar-se ao outro (o que se sente)
E ver que seu reflexo é adotado pelo leitor.
Ser poeta é criar poemas-pássaros
Que pousam no olhar do outro
Que fazem morada além da margem
É parir e deixar ir, no movimento do mundo
Mudando rotinas

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Lábios



Não me importa onde o vento faz a curva,
Onde paralelas se cruzam,
Nem porque os sinos dobram.
A mim, a dúvida castiga
E só pelos seus lábios me chegaria a paz
Se por palavra dita ou beijo desferido,
Pouco importa afinal.
Mas, são eles, seus lábios atraentes
Que me prendem a atenção,
Atentam o juízo,
Atormentam.
Dá-me, segundo seu desejo,
Um tanto de sossego e compaixão:
Diga-me a que veio e vá embora
Ou beija-me a boca, os seios, a têmpora
E me faça coisa sua
Que a mim caberão horas de lamento ou prazer
Noites acompanhas ou de solidão,
Mas só seus lábios me contentarão.
Diga-me a que veio
E acalma meu coração
Dê-me sua verdade
Que farei dela uma canção.

domingo, 13 de outubro de 2019

Alquimia dos sons






Às vezes a poesia extrapola as palavras. 
Vira corpo. Vira movimento. Vira dança. 
Tudo é magicamente transformado.
Pela dança, o corpo que se move lendo os sons, 
Traduzindo as notas musicais.
É, sobretudo, um espetáculo múltiplo da divina criação. 
Há um quê de entrega, de imersão, 
De abandono de si e encontro com a alma. 
Uma alma mater, muito maior que se pode perceber.
Traduzir os sons com o próprio corpo
(Instrumento divino)
Exercício de generosidade
Construção do sentimento
Plenitude da poesia
Que sem palavra alguma toca.
Sem palavra alguma emociona.
Sem palavra alguma invade e preenche.
A liberdade dos sons envolve o corpo
A harmonia paira e nos eleva.
A música, a dança não são nada além
Do que a alquimia coletiva:
União de elementos
Explosão da arte e beleza
Como são em si: gigantescas.

sábado, 12 de outubro de 2019

Virtuos-idade



*** Poesia escrita para o espetáculo Zayin, do Studio Tablado Árabe Nabak, para a turma de Flamenco da professora Gisele Horta ***


Dos tempos tão passados, tão remotos
Em que a lua parecia não encher,
Listaram em poema descritivo
Todas as virtudes que os homens deviam ter.
Para nós, corpos que dançam,
A música por si só nos inspira.
O Flamengo nos inebria 
E independente do tempo
Estamos em nossa virtuosa idade:
A de bailar e viver,
A de encantar e crescer.
E imersos na Batalha das Almas,
Buscamos nossa melhor forma de ser.
Há de se ter DILIGÊNCIA,
Vencer o cansaço e a preguiça.
Abrir nossas asas ao vento
Ser livres como cotovias.
Também há se ter PACIÊNCIA,
Sermos serenos, calmos, pacíficos,
Afastarmo-nos da ira e inveja,
Recobrirmo-nos de BONDADE
Sabermos sentir o som, o amor, o afeto.
Há de termos TEMPERANÇA,
Buscar a justiça e a verdade,
Intensidades, profundidades,
Sermos puros como a CASTIDADE
Dispostos ao sacrifício, à doação,
Ao exercício da CARIDADE,
Entregando-nos à nossa arte.
E, ao fim, vitoriosos, sermos modestos
Emanando HUMILDADE, defeitos de vaidades
Abandonando as glórias, virtuosos.
Corpos dançantes, bailantes...
De alma leve e feliz,
Entregues à dádiva do corpo:
O prazer de quem dança.
De quem se reconhece na estrada,
De passado forasteiro,
De zorongos, giros e sapateios.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Anánkê*




* deriva do grego antigo e significa 'força restrita' ou 'necessidade'*


No exercício contínuo de seguir em frente,
Descobrir-se é mister,
É a necessidade primeira
De quem quer ser o que se é.
Então, há de dar asas às asas,
E ganhar o azul da liberdade aos pulmões,
Como se se coubesse o universo dentro do peito.
Então, há de se dar voz à voz,
E ressoar como címbalo encantado,
Que reverbera o bem e espanta maldades.
Então, há de dar ouvidos ao coração,
Saltar sem rede ao menor sinal,
Como trapezista corajoso e ganhar a imensidão.
Há de ser a dúvida, o espanto, o caos.
Há de receber o afeto, a poesia, o aconchego.
Há de compreender e se libertar
E dar um passo de cada vez
Como quem adota para si o tempo inteiro
E age  como se fosse  a dona da ampulheta,
Concorrente de Chronos,
Parceira das Moiras,
Escritora de seu destino.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Ofertório




Será, então, quando meu corpo-dia
Estiver cansado ou aflito,
Carente de pouso ou alegria,
Que verei em ti meu lugar bendito.
Serás para mim como a noite:
Umas mãos e uns braços envolventes,
Alívio para alma, abandono do açoite
Que me para nas costas quando de ti fico abstinente.
Serás o peito no qual me entrego
Tal qual altar dos deuses,
Tal qual imensidão em que navego,
Sem medir quantos esforços nem contar as vezes
Pelas quais me perdi e me achei,
E me despi e me acolheste,
Guardando-me como joia de um rei,
Convertendo meus vermelhos ímpetos em calmaria celeste.
Serás, então, minha hora preferida,
A de completas poesias e cumplicidades,
A que recebo teus olhares, desinibida,
E te ofereço minhas vontades.