Visitas da Dy

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Grimório

 




Que fique claro que meu amor é de profundezas.

Que ele é reservado e intenso

Como um vulcão que finge dormência.

Que fique claro que gosto de mergulhos em imensidões,

Que sou grimório que se abre 

A tudo aquilo que me desperta, 

Que me toca, que me faz querer voar.

Que fique claro que sei brilhar quando estou nas sombras,

Que sou feita de incêndios,

Que há segredos em meu ventre

Que só a dança sagrada dos corpos revela.

Que fique claro que sou de entregas,

De alma rasgada e lavada,

De passos firmes, rápidos e de ventanias.

Que fique claro que meus olhos brincam pela madrugada,

Que minha língua sabe causar arrepios,

Que tenho silêncios ensurdecedores,

Que a arte antiga corre em minhas veias,

Que aprendi a chamar a tempestade

E fazer despencar dos céus, os raios,

Mas que prefiro o movimento do tempo:

Pouca espera, muita revolução.

Sou de impulsos, mas sei a hora de me concentrar.

 


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Jantar

 





Quero servir o jantar

Fora de hora,

A qualquer hora,

Sempre que seus olhos famintos

Quiserem se alimentar.

Quero, antes a sua fome,

Ante meu corpo, comida,

 Para ser um misto de quase saciedade. 

Quero o desejo pelo sabor aflorado,

Dedos lambuzados,

Línguas cheias de meu tempero 

Que lhe invade a boca.

Quero o prato esvaziado

 E a vontade atrevida

A dizer: "quero mais comida!"

Quero lhe ver repetir o prato

 E saber qual é a sua especiaria preferida

Se for a pimenta,

Saiba que já sei arder.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Os olhos do deserto

 




Os olhos do deserto observam as danças que atravessam os tempos, que trazem em si a essência das tradições, a companhia das fogueiras noturnas, as paisagens incandecidas do próprio deserto, que, por vezes, nos assustam por nos convidar à solidão e, por outras vezes, nos encantam com a sua grandiosidade e magnitude.

É preciso ter a força de milhares de anos dentro de si para conhecer a quietude da alma.

É preciso queimar sob mil sóis para dar valor à sombra e à água fresca.

É preciso ter um ímpeto de milhares de almas sucumbidas sob o céu para sonhar com novas vidas. 

É preciso saber lidar com as melancolias, com as tempestades, com as solidões e com as noites de festejos. 

É preciso saber que lá no horizonte do deserto temos pedra e espanto, temos silêncios e vertigens, mas temos uma alma da terra, repleta de sabedoria que se expande cada vez mais e se move ao longo do tempo promovendo a dança das horas e dos corpos ao longo da vida.

Todos nós já atravessamos desertos e eles também nos atravessam, mas quando fazemos essa travessia com boa companhia, dançamos à luz da lua, em volta da fogueira, nas sombras das tamareiras, compreendemos as fases da vida!

domingo, 18 de dezembro de 2022

Dança Sagrada

 



Eu queria acreditar em um deus.

Queria ter certeza que há um ser divino que me rege e que Maktub! Tudo isso já estava escrito.

Eu realmente queria acreditar que tenho uma luz sagrada que me envolve e expande e se mistura a outras tantas, de outras tantas pessoas.

Acredito muito no que vejo, no que sinto, no que toco. E acredito na beleza. Acredito na arte. Acredito que de alguma forma a arte desce sobre mim e me permite instantes mágicos. A arte é sagrada. A mais refinada das deusas. Sendo assim, acho que acredito em um deus. E acredito em sinais, destinos, vidas passadas, vidas futuras e em tudo isso eu vislumbro a arte!

sábado, 17 de dezembro de 2022

Mandalas em Movimento

 


(Texto para o espetáculo MANDALAS, do Studio Tablado Árabe Nabak, em 17/12/2022)



A primeira história tem a idade do primeiro movimento do mundo. 

Antes de toda palavra escrita a história já existia.

Nós já contávamos as nossas histórias com nossos corpos e tudo começa na infância.

A infância é o círculo inicial de toda a vida. Tecemos, ainda jovens, os nossos círculos de afeto: os familiares, as amizades, os amores, os nossos vínculos mais profundos.

Giramos em torno do que mais amamos. Dançamos nos círculos do mundo que criamos através de nossos sonhos, de nossas experiências, de nossos impulsos e reflexões.

Somos energia de criação. 

Somos energia pulsante e nesse círculo da vida formamos mandalas de saberes, de histórias, de alergias e de tristezas, de crescimento e evolução. 

Passamos por diversas formações e cá estamos: ora ao centro, ora às margens, mas sempre rodeados de amor e vida.

Partimos de um ponto único: a terra. Voltaremos ao mesmo ponto: a terra. 

Movemos um grande círculo de tempo e as mandalas são as danças desse tempo ao longo de nossas vidas.

Hoje, contamos nossa história através do corpo, através do movimento, através da dança e de sua beleza, de suas amplitudes.

Hoje, contamos a nossa história com a dança através dos círculos. 

Hoje somos mandalas em movimento.



sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Vibrações




Vibre o amor!
Pulse a vida!
Entregue seus pés ao caminho 
E siga!
Não procure por nada.
Aceite tudo que o destino lhe der.
Respire fundo!
Seja persistente
(até lhe chamarem de teimoso)!
Seja corajoso!
No fim, você vai perceber 
Que toda sua energia positiva 
Já era tudo que você precisava 
Porque através dela, da sua força, da sua vibração,
É que vai surgir o amor...
E você não precisa procurar...
Ele vai te encontrar!
Ele vai chegar quando for a hora certa 
E quando você estiver pronto para ele.
Haverá uma explosão de milhões de partículas
E você terá certeza de que fomos feitos de amor,
Para o amor. E ele sempre chega!


quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Vontades de amanhecer

 



De tanto beber o tempo, se amansava.

De tanto caminhar, estava dormente.

Subia-lhe uma falta de esperança

Que aniquilava a alma

E adormecia o coração:

A cada silêncio, um novo deserto.

E, desatenta aos sinais, parecia flutuar

Entre suas vontades de amanhecer em lençois,

De acordar naqueles braços.

Até ontem era só certezas.

Agora, entrega-se.

Sente muito

E quer um porto seguro pra adormecer.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Noturna II

 



É sobre essa vontade

De saber seu cheiro,

De folhear seus livros,

De me amansar em seu peito.

Eu que sou tempestades,

Que me dizem selvagem,

Dormiria em seus braços

E aceitaria o amanhecer,

Mesmo sendo noturna.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Fogo Ancestral

 


Talvez fosse só isso:

Vozes que me habitam,

Repetindo profecias:

As palavras mais belas (me) libertam,

Curam e acendem.

Estou em brasas desde séculos passados

E o fogo nunca cessa.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Cargas

 




Caminhos... caminhos e pesos e cargas.

Carreguei uma bagagem pesada

Curei dores, abandonei amores,

Senti espinhos na carne 

Feri mãos que ousaram me tocar.

Venho carregada de marcas,

 Venho repleta de sombras,

Mas não lhe soterrarei com meus fardos.

Ofereço-lhe meu par de asas .

Aceita minha leveza!

Demorei muitas luvas para criá-la.

Atravessei muitos sós para me libertar.

Receba em suas mãos meu corpo cansado.

Faça-me um afago

 E cante uma canção

 Às vezes, só preciso de dois dedos de prosa

 E de adormecerem seu peito

Onde me esqueço da solidão

domingo, 11 de dezembro de 2022

Abraço da Ventania

 



O braço da ventania se alongou

E me abraçou forte.

Envolveu-me com sua força, entre suas rajadas,

Levantou levemente a minha saia

Bagunçou completamente os meus cabelos.

O braço da ventania passou sua lufada em minha cintura

Convidou-me a pagar pelos quatro cantos do mundo

 Fazendo a curva muito além da próxima esquina

Visitando os confins de além e muito mais.

O braço da ventania trouxe a sua energia

 E me disse em sussurros no ouvido:

Sua alma é um vento! Voa, menina!

(Eu soube ali que era de ventanias.

Eu soube ali que era de movimentos.)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Exposição

 




(Dy Eiterer, em 02/12/22, para Ticha Mourão)


Eu vi uma ideia nascendo,

parada no meio da tarde, 

Entre rabiscos, entre palavras.

Um monte de ideias soltas,

Várias mentes fervilhantes, borbulhantes. 

Eu vi uma ideia nascendo, eu vi uma ideia tomando forma,

Se transformando em palavras,

Se transformando em recortes,

Se transformando em caminhos de saberes,

Mas, ao mesmo tempo, labirintos de fazeres:

Qual o próximo passo? 

Como realizar tudo isso que a alma sonha,

Mas as mãos não sabem construir?

Ah, mas há mãos que se encontram...

Há mãos que constroem! 

Eu vi uma ideia se transformando, 

Ganhando forma, ganhando beleza,

Sendo um caminho percorrido pelos olhos

 E não apenas pelos pés. 

Eu vi uma ideia se transformando em realidade, Em história, em vida.

Tudo aquilo que é sonhado com almas caprichosas

(e disponíveis a fazer)

Se torna material, 

Encanta quem acompanha a sua transformação e criação.

Eu vi uma ideia se transformar em arte!

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Águas de Novembro

 



Talvez, sejam seus impulsos elétricos 

que percorrem os céus e as minhas veias,

que me atraem tanto.

Talvez, sejam os seus gritos roucos rasgando os céus,

chegando até o chão, estremecendo as almas. Talvez, seja essa cor escura que você carrega dentro de si 

para depois se abrir e revelar o céu claro.

Talvez, seja toda essa energia junta, 

de modificação, de força, de movimentação, 

que faz com que eu me apegue cada vez mais 

às paisagens de tempestades.

Talvez, seja porque somos muito parecidas: elétricas e selvagens.

Naturalmente indomáveis.

Talvez, seja porque somos filhas da natureza 

e assim nos atraímos.

Vejo a tempestade e penso na dança do tempo.

Penso na força ancestral 

e logo me imagino parte de um mundo 

que guarda em si mesmo tantas vidas 

quanto as gotas que caem nessa tempestade.

Sou, como elas, incontável.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Cores de tela

 



Eis que carrego, sim, olhos de desejo

Olhos que secretamente desejam (o tudo)

Um corpo, um sonho, um cheiro.

Invento que me reconheço.

Invento que me encontro em poemas esvoaçantes,

Que me desfaço ao inverso

Porque não caibo entre suas mãos.

Eis que faço-me em penumbras,

Divertindo-me nas sombras

Porque o sol de teus olhos não me alcança.

Contento-me com o sussurro imaginado de sua voz:

Embriagando meus ouvidos.

Contento-me desperdiçando calores e sabores,

Desperdiçando vinhos e (li)cores

Que não enchem sua taça

 Nem chegam ao seu paladar

Até quando?

Até quando seremos apenas vultos?

Desejo cores, 

por mais que o veja preto e branco.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Ruas de Evora

 




(Évora, janeiro de 2016)

Dy Eiterer 


Sussuram os ventos seus contos antigos.

São orações sagradas.

Guiam-me os passos, o vento.

São danças sagradas.

Encontro-me no cruzamento de tempos

Sou a que se reconhece no passado

E a que se reflete no futuro.

No agora, sou paixão, entrega, fogo.

Sou efervescências e calmarias

Aquela deusa dos milagres de todo dia

O sagrado impulso da vida

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Sempre menina

 


(Dy Eiterer, em 11 novembro de 2022, para Raquel Silveira)


Acho que eu sempre te vi menina.

Dessas que nunca crescem, 

mas que amadurecem desde pequenas.

Dessas que trazem uma leveza de fada, 

uma doçura de mel 

e uma sabedoria de outros tempos.

Acho que eu sempre te vi pequena e gigante: com uma voz delicada e firme, 

com uma paz emanando 

mesmo quando há um turbilhão.

Acho que vai ser sempre essa menina acompanhada de luz, 

de muitas cores, 

mas que combina com o branco dos lírios 

e com o som dourado de snujs.


Feliz aniversário, Raquelzinha!

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Vestes

 




Deitei-me ao solo como um rio

 Corria solta e meus pensamentos.

Fazia-me cachoeira de desejos

E desejava banhar-lhe de paixão.

 Das minhas paixões todas:

 Do domingo entardecido

As noites mais vibrantes.

Eu, rio, transbordava amor

Você, margem, tinha-me nas mãos

Eu, ninfa, escolhia muito bem as vestes

 De vento, transparentes e úmidas

Avermelhadas de pores do sol.

Ainda ontem dancei sozinha,

Mas imaginava seus olhos sobre mim

E meu corpo repousava leve

Ao som da música e, diante de você,

 Minhas vestes desciam na correnteza,

 Deslizando pelo rio de meu corpo

Molhando-se de suor e sal.

domingo, 20 de novembro de 2022

A primeira sombra do tempo

 





Às vezes, pego-me sonhando com o desconhecido,

Com aquele que, um dia, há de chegar

Para cavalgar comigo, selvagem, 

Um tanto de meus desertos interiores.

Noturna, pego-me às margens de seus olhos,

Escuros como o oceano quando recebe a madrugada,

Convidando-me a mergulhar.

Desconheço o perigo deles.

Desconheço o medo de me jogar.

Sou atraída por essas profundidades.

Pergunto-me se esses olhos existem,

Se me reconhecerão como sua,

Se pousarão sobre meu corpo 

(Como se eu fosse uma escultura a se admirar).

Às vezes, busco encontrar em todo canto do mundo,

O senhor de olhos negros e profundos, 

como a primeira sombra do tempo.

E tenho desejos de despir-me diante desses olhos

Para encara-los sem pudores,

Nua como a verdade,

Quente como foi a primeira tentação.

Corre em minhas veias a herança de Lilith

E esses olhos negros sobre mim

Lembram-me disso.

sábado, 16 de julho de 2022

Palavras cruzadas

 



Sobre o que se debruça, moço?

Que há nesse canto que prende seu pranto,

Inunda seus olhos e esconde sua voz?

Bem sei que a vida não para,

Que é grande a labuta,

Desertos caminhos,

Mas, se há ferida, há cura.

Se achegue aqui, ganhe um dengo

Adormeça em meu peito

E me faça poema:

Sou palavra cruzada nos dedos de sua mão.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Em que momento?

 








Quando foi que seus olhos

(Atentos ou famintos)

Capturaram minhas cores,

Meus gestos, meus cheiros e gostos?

Quando pousaram sobre mim as suas fantasias?

Certamente, eu dançava distraída

Ou escrevia versos de amor desconhecido.

Certamente eu sonhava em vermelhos

Ou ventava poesia ao meio-dia.

Agora quero me diga:

Em que momento invadi seus pensamentos?

Ouso ficar ou desapareço?

Devo romper barreiras ou seguir estanque?

Em que momento deixarei de ser sonho?


quinta-feira, 14 de julho de 2022

Do despertar entre irmãs

 




Estou farta de semideuses

De regras de beleza, padrões,

Posições. Com-pe-ti-ções.

É que ser mulher não é fácil.

É que ser mulher é um parir-se diário

E, claro, recriar-se, desdobrar-se.

E digo isso para as que nasceram mulheres,

Para as que se tornaram mulheres,

Para os que respeitam e honram as mulheres:

É preciso ser de luta, estar atentas e fortes

Para dobrar as esquinas assombradas de preconceito,

Para trilhar os desafios e as armadilhas.

Estou farta de armaduras e de matar um leão por dia

Sozinha. Julgada. Rotulada.

Estou farta de ser calada,

Marginalizada, assediada.

Estou farta da violência

Que já parece tão fascinante

Em dias de feira, normais.

Estou farta de ser podada

E decidi revidar da forma mais visceral

Da forma mais genuína e forte que posso:

Vou resistir pelo amor e pela arte

Num convite sincero e aberto:

Sororidade.

Precisamos de união, de compaixão.

Precisamos enxergar que somos mulheres:

Centelhas divinas da criação

Mãos escritoras de histórias

A delicadeza e a força da vida.

Somos irmãs.


quarta-feira, 13 de julho de 2022

Orquídeas

 



Cuidei das orquídeas, mudas.

Elas e eu.

Um silêncio de encantar olhares,

De sentir perfumes.

Inebriante como o calor dos cafés

Que tomei em suas xícaras

E que aceleraram meu peito,

Meus pensamentos e desejos.

Cuidei das orquídeas

Colhi poemas

Bebi um vinho

Ouvi sua voz

Onde está?


terça-feira, 12 de julho de 2022

Fotografia do presente

 





Sua alma não ficou presa.

Não foi sequestrada pela fotografia.

Mas registrei sua imagem em minha retina

E ela não se desprende,

Não se desfaz,

Não sai de meus pensamentos.

Sua voz não ficou gravada.

Não há uma canção ou poema.

Mas tenho cada palavra dita

Ecoando em meus ouvidos,

Morando no canto de meu sorriso,

Trazendo de volta meus arrepios.

Seu corpo não está junto ao meu.

Nem seus braços me enlaçam

Nem a lua encheu. 

Só o céu choveu.

Mas eu guardo versos

E sussurros para lhe dar.

Um bocado de amor e vinho.

É só vir buscar.


segunda-feira, 11 de julho de 2022

Dos Silêncios que Recolhi

 






Quando estou aqui,

Pensando

Em tudo o que restou

Olho os versos que lhe escrevi

E não sei aonde irão parar...

São minhas formas entre as suas mãos,

São os beijos que lhe derramei,

São os planos de papel, em vão,

Resumidos nos silêncios que eu recolhi

Ah, coração, não se perca por aí

Nas voltas que o mundo dá

Lembre-se que durante a noite o sonho vem

E amanhã uma a outra história vai surgir 

Ah, coração, então me deixe por aqui

Sossegada

Ouvindo uma canção de amor

Feita com os silêncios que eu recolhi 

domingo, 10 de julho de 2022

Quase nada

 



Estou nesse mundo desvalida

Sem ter nada mais do que palavras.

Andarilha dos ventos, caminhante...

Não busco em seu peito morada

Nem refúgio eterno.

Sou das temporalidades:

Acolha-me o quanto puder.

Ofereça-me o que quiser:

Breve é meu repouso.

De duradouro só tenho meus versos:

Deixe-os invadir seus ouvidos,

Arrepiar sua pele.

Prometo não levar muito:

Contento-me com as lembranças.

sábado, 9 de julho de 2022

Sorriso Lunar





Ainda que faltassem janelas,

O dia findava

E a pintura celeste misturava azuis e dourados

Talvez o vento soprasse lá fora

Talvez a noite tivesse a cor dos meus olhos

E como eu, a lua crescente sorria.


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Silêncios pelos dias

 



Ainda ontem foi seu silêncio

Que invadiu a cama

E me deu bom dia.

Ele quem trouxe o café,

Acompanhou as notícias,

E me fez companhia até adormecer.

O silêncio veio para a refeição.

Era fora de hora,

Eu estava perdida e confusa

E o silêncio cadenciava as horas.

Ele ficou ao meu lado 

Até que a tarde caísse,

Até que a noite se instalasse

E foi, de novo, comigo para a cama.

Ao meu lado, o silêncio cantava.

Afagava meus sentimentos

E me mostrava outra linguagem.

Desde então, não sei por quem espero

Mas, ainda que se atrase,

Seu silêncio vem.


quinta-feira, 7 de julho de 2022

Dona

 



É ela que ecoa vozes mil

Dos ontens passados,

Das mães e avós,

Luzindo suas coroas prateadas

Suas sabedorias enrizadas.

É ela que recebe de herança 

A cor da resistência e esperança

E o sangue jorrado inspira:

É guerreira de todos os dias.

É ela, das vozes de hoje,

Que ocupa todos os espaços

Que firma seu lugar

Que sabe o que quer

E, sendo solar, 

Brilha mais que o sol

É ela que chega e domina

Com graça e amor

Com ternura e paixão.


quarta-feira, 6 de julho de 2022

Netuno

 




Distante e azul e frio

Rege meus abstratos sentimentos

De tristezas e agonias.

Entrego-me inerte e lenta:

Cai noite dessas, só.

Só entre desejos e planos

E agora temo azuis

Como se fossem monstros no armário

E busco suas mãos para a salvação

E busco suas mãos para agitar meu corpo:

Netuno sabe movimentar as ondas

E eu sei lidar com arrepios

Só isso deveria bastar

A despeito do sistema solar.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Sonho-turbilhão

 





Encruzilhadas, caminhos,

Beijos, pensamentos, olhares.

Estou deitada sobre meus cacos:

Tudo dói, nada é real.

Perdi o momento em que perdi seus olhos.

Perdi meus olhos sonhando você.

Estava acordada e imensa,

Intensa e profunda.

Desejo o desapego

(Ansiosa, bebo desespero)

Quero-o tudo e não consigo dizer nada

É um turbilhão:

Tenho medo de acordar 

Mas, não estou dormindo.

Quero-o entre minhas mãos,

Mas receio que pretenda voar.

Estou deitada sobre meus cacos:

E, por isso, tenho ganas de chorar.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Fins de tardes

 





Não tenho as cores de um verso.

Por vezes, aproximo-me das cores do céu:

Laranja-avermelhado de paixões

Que invadem meu corpo-substantivo

Permeando-me de adjetivos.

Palavras tantas que me perco:

Derramo sussurros intensos

Com poucos significados literais,

Mas profundamente sinceros

Porque traduzem lampejos de vida,

Lampejos de luzes,

Entregas de prazer e poesia.

A arte colore céus em fins de tarde

E eu sofro de aquarelas em suas mãos.

domingo, 22 de maio de 2022

Véu de nuvens

 






Habitam os céus, os sonhos de toda gente,

As preces feitas em prantos,

As vozes em glórias e festas.

Habitam os céus, os sussurros dos que amam

E sob os olhos dos que ousam,

Rasgam-se as nuvens em rara beleza:

Selam-se destinos, lábios e corpos

Escrevem nas peles seus segredos

Só o luar prateado entende os olhos noturnos

Pois é neles a sua morada

E só deles nascem desafios e promessas.

Habitam os céus, os suspiros dos poetas

E rasgam-se na terra o ventre-verso,

Verbo apaixonado por ela,

A lua cintilante

Que hoje se esconde sob seu véu de nuvens,

Mas povoa pensamentos.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Fugas

 



Foges de mim

Quando a data é marcada.

Foges de mim 

Se o encontro é inesperado.

Foges de mim 

Esquivando-se em versos.

Foges de mim

Em letras de canções.

Aqui sou eu e meu quarto 

E as horas passam

E as sombras ficam

Cada vez mais escuras 

E longas pelo chão

Nesse jogo de luzes 

Que entra pela janelas e pelas frestas

E foges de mim 

Pois não sabes o que fazer

Com o tanto de ventania que eu sou 

Foges de mim

Porque teme os incêndios

Que tu mesmo provocaste

Foges porque antes caçava

Agora, temes que a presa seja caçadora

Foges porque sabes que o limite é pouco

Que a noite não basta

E que não sabes se aguenta

Atravessar tanta estrada

Que leva ao que queres

E evitas. És um filhote

Mas ruges como leão

Não o temo. Enfrento.

E tu foges...

quarta-feira, 9 de março de 2022

Justa posição

 





Quanto a mim, tomo decisões sensatas.

Atendo ligações, respondo cartas,

Adio meus medos e bebo coragem.

É preciso estar atenta ao tempo,

Aos sinais: sei que não é a hora.

Talvez eu saiba que a hora nunca vai chegar

Mas isso é outra história.

Estou tranquila e um pouco daquilo:

Resiliente ...

Palavra bonita, calada, pensativa...

Tanto que me incomoda.

Mas, estou tranquila e um bocado inquieta

Folheando livros e cadernos,

Escrevendo cartas ou poemas

É que me perco nas palavras

E não sei se estou lhe respondendo

Ou me expondo.

Escrevo.

Leia e decida: carta ou poema?

Estou tranquila.

terça-feira, 8 de março de 2022

Noites




Dentro de mim é noite
(E você faz morada).
É que o imagino noturno,
Escuro, pouca voz, muita imensidão.
Há também uma mansidão selvagem
De fera que caça, mas se entrega
E eis que ouço o mar
(Mesmo habitando montanhas).
É que o imagino profundo,
Salgado, pouca calmaria, muita intensidade.
Há aqui fora uma noite
E ela é maior que a minha 
E as duas se encaram
E desistem da luta: coexistem
Porque sabem que também sou noite
E eu as pertenço e as engulo
E as aceito e reinvento
É que me imagino sua
E embora seus olhos sejam sois,
É nas noites que cabemos mais.

segunda-feira, 7 de março de 2022

O som do sorriso

 





Qual o som da sua voz?

Nos recônditos de minha memória,

Entre ruínas e escombros 

Não o encontro.

Sequer em altares ou cofres

Está guardada a sua voz.

Por que não me recita um verso?

Por que não me canta uma canção?

Ainda ontem, vi seu sorriso manso,

De canto, quase tímido, lindo!

E ouvi o seu som que me chamava

Ouvi seu sorriso brando 

Como o sol de outono

E ele me conduzia

Obedeci

E sonhei com nossos dias 

domingo, 6 de março de 2022

Mergulho

 



 


Penso alto. 

Os pensamentos soam como palavras.

Não sei se alguém escuta.

Planejo alto. Vôos de papel.

Barcos de papel: viagens breves.

Dessas que faço embaixo do chuveiro,

Dessas que guardo dentro do travesseiro.

Mas tenho medo.

Medo de ser um barco à deriva

E esse rio parece tão selvagem...

Como a moça que parece cavalgar com o vento.

Eu tenho medo do Rio...

Da impetuosidade da correnteza

E, então, as invento calmaria.

Calculo estrelas e rotas

E falho. Miseravelmente.

Eram os planos.

Eu já sabia dos erros!

Mas não planejar me paralisa

E eu preciso seguir o curso do Rio.

Ele me convida ao movimento.

Planejo o mergulho



 

sábado, 5 de março de 2022

Sabor das palavras

 








Cada vez mais gosto do sabor das palavras.

De como posso articula-las e desnortear os seus sentidos

Ou de como posso açucarar meus pedidos

Ou apimentar seus desejos.

Tudo depende, claro, de minhas escolhas,

De meus pesos e medidas

E de como vou servi-las aos seus ouvidos

E, a essa altura, minha dúvida é:

Sussurros ou gemidos?

Por aqui, entendo de temperos

E cada vez mais apuro o paladar

E extraio nuaces diferentes 

De cada sabor, de cada palavra

sexta-feira, 4 de março de 2022

Ousadias

 






Em verdes manhãs, colhi amoras

E com elas pintei meus lábios

Para dizer seu nome ao vento

(Parte do que sou).

Contei as horas do verão

Espreguiçando no tempo

Enquanto corria feito tempestade

(Outra parte do que sou).

Adormeci como quem tem paz.

E sonhei com seus olhos,

Suas mãos e seus cheiros

(Aquilo do que desejo fazer parte).

Não o alcancei nem o tive nas mãos.

Não me disse palavra nem verso.

Deixou-me ali: com seus castanhos.

Olhos fixos, macios, profundos.

Um convite ao mergulho.

Acordei como musa sendo observada:

Em despertar leve e cintilante

E quis ventar meus sonhos até você

Para que colha ardentes desejos

No lugar que semeou vontades



quinta-feira, 3 de março de 2022

Exercício de Abandono

 





Aos poucos vou guardando (quase) tudo.

Criando caixas de memórias.

Há as promessas não cumpridas,

Os desejos que me confessou

(E que permanecem distantes),

E as distâncias - nunca encurtadas.

Vou guardando tudo o que me disse

Os vinhos ainda fechados

E as noites que não acendemos

(É que sempre imaginei noites-fogueiras ao seu lado).

Vou guardando saudades do cheiro que inventei,

A voz pouco ouvida,

A vida desistida.

Porque embora eu seja feita de tempos,

Às vezes, também sou abandonos

E guardar tudo isso é um exercício:

Um abandono de esperanças



quarta-feira, 2 de março de 2022

Margens

 





Há entre nós um rio

De águas correntes,

De um asfalto quente,

De distâncias imensas

E somos as margens.

Há o céu de me cobrir de azuis

Para que eu me esqueça da espera, 

Para que eu me desfaça em tempestade,

Para que seus lábios me alcancem.

Quero, nesse rio, ultrapassar a beira,

Navegar seus braços e pernas,

Mergulhar segredos e cantos

Quero, nesse rio, descobrir-me mar

Dar-lhe um búzio para se guardar

E fazer de nós um talismã.

Quero a delicadeza das chegadas 

 Vagarosas correntezas,

Preguiçosas manhãs

Tempo parado no ar.



 


terça-feira, 1 de março de 2022

Antes da Vida







Ela vai se extinguir 
Como a chama da vela.
E assim como o ar me encheu dela,
Será com a entrega do suspiro
O último, derradeiro, que serei o nada.
Ela vai findar
Como um livro lido
Alguns grifos, dobras, nomes
Um tanto de histórias
E talvez fique na estante:
Fotografia-memória.
Mas eu não tenho medo do fim da vida.
Não receio falar o nome da morte.
Mas, aqui no fundo, tenho medo
Medo de morrer antes da vida acabar
Antes de eu fechar os olhos, sem ar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Fotografia do silêncio

 


(Foto: Rafael Bouças)



Fotografaram seu silêncio

Sua concentração

Sua entrega

Sua imersão

O que tinha nas mãos não aparece

Só seu olhar vago

Sua falta de palavras

Sua imensidão diante do tempo

E eu queria ser a dona daquelas lentes

Queria ter captado aquele momento,

Aquele instante em que, no mundo,

Só havia você, seu silêncio, sua luz.

E olho daqui, da janela, admirada

Imaginando o que seu silêncio dizia