Visitas da Dy

terça-feira, 26 de abril de 2016

Chama Divina





Cabe em nós uma porção do fogo divino
Da chama de vida
Que encanta, impulsiona, aquece.
Por esse fogo, presente roubado dos deuses,
Prometeu quebrou as promessas
E acorrentou-se para sempre.
Para manter vivo esse fogo,
Esse pássaro incandescente,
Fazemos do coração ninho.
E já esquecemos de nós mesmos,
Mas não do nome que lhe demos
Na primeira aurora quando o céu se coloria
Nem o esqueceremos diante do crepúsculo
Que arde em tons laranjas alegres
Antes de morrer em violetas saudades.
O amor, pássaro vermelho, nos condena:
A ser sua morada ou a amargar sua partida.
Assim e no mais tudo é demora.
Tudo é espera.
E do tempo já nada sabemos
Porque as luas passam em seu ritmo próprio
E o relógio nada vale para os céus.
Enquanto voa longe de meu ninho, espero
E é dos cristais que coleciono
Na borda dos olhos,
Que faço nascer cada um dos dias
Até que não haja vida
Ou até que me venha e, enfim, seja a própria vida
Envolta na coroa de flores que são meus braços
Imersa na noite despida dos medos
Iluminada pela fogueira das chamas divinas
Que roubada dos deuses, nos faz sua (ena)morada.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Vesta






Das teimosas fagulhas de fogo que sou,
Lampejo pelos céus noturnos
Alcançando alturas,
Fugindo das agruras,
Rasgando a noite com meu clarão
Desperta para tudo o que é vontade,
Liberta de tudo o que é vão.
Sou chama acesa pelo leve toque de seus dedos
Enrolada como em novelos
Pelas linhas que traça
E que fazem de mim margem.
Minhas pernas são margens de rios
Que contornam todo um universo
E que guardam outros paralelos
E também cinzas
Que adormecidas, são leves
E levadas pelo vento, a seu bel prazer
E nem há prazer em ser cinza, em ser pó.
E há a fúria do que já foi incandescente
Mas que se encontra dormente
Em quietude quase sagrada
De chama de vela em altar.
Dos brilhos de luz que carrego
Resta rasgar a névoa das dúvidas
Mas ainda é cedo para rasgar os véus
Ainda é cedo para os olhos abrirem
Ainda é o tempo do tato,
Da leitura pelo que se sente,
Da leitura do que se vê de olhos fechados.
O que virá depois, lanterna, sol, estrela, farol
É mistério indecifrável
É poema ainda não escrito.

domingo, 24 de abril de 2016

Embarcação




 
Naquele lapso temporal
Em que o ponteiro hesita seguir em frente
Também eu fraquejo
E sem voz, passo às mãos
O direito da exposição.
Debulho todos os meus eus
Todos os passados que condenso nesses dias
Todos os séculos vividos
Todos os seus olhares que já me cortaram
E que ainda me lembro
Porque ultrapassaram, teimosos,
Todas as espirais ancestrais.
Roubo do mundo uma parte do encanto
Que já habitou em nós
E hoje vaga pelos campos.
Não por abandono, mas por necessidade
O encanto que um dia aninhamos
Hoje tenta brotar
E se nada mais temos em comum
Com o tempo primeiro em que nós fomos
É por vago esquecimento
Que meus versos bordados de tinta
Por linhas que não existem
Reavivam e declamam aos seus olhos.
Se ainda amamos a noite, se contamos as luas
É porque não nos perdemos
E, por minhas mãos que falam em versos,
Seus olhos hão de ouvir
E meu peito será o fim da escuridão,
Será o cais de sua nau
Recebo-lhe de volta,
Minha embarcação.

sábado, 23 de abril de 2016

Gaia





Já na primeira gota de chuva desabrochei
E talvez já fosse Gaia, a terra, exalando seu cheiro
Recebendo sementes, sonhos.
Já no primeiro dia de outono, desfolhei-me
E deixei voar sob seus pés meus planos
E cantarolei as vozes de milhares de anos.
Já no primeiro ar da manhã
Desenhei o sol e junto dele castelos
E tudo foi feito para suas mãos
E a elas ajustavam-se ecos,
Palavras, encantos e luas cheias e vazias.
E, outrora, houvesse silêncio
A partir daquele momento houve sinfonia.
Guardei seus sussurros e soluços
Guardei seus beijos e os meus
Na caixa de tempo que entalhei
Na caixa do tempo que contei
Segundo a segundo
Segundo minhas vontades
E segundo o seu tempo
Porque Gaia conheceu o caos,
E sabe, também, do tempo
Gêmea do amor,
Flerta com a noite enquanto dança.
E já não era temporal, nem de matéria
Era só um desabrochar como no primeiro dia
De todos os tempos:
Entrega diante do abismo
Queda sem rede.
À espera de asas,
À espera de quem a despertou.
E já não sabia se era Gaia, se era eu, se Hera.