Visitas da Dy

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Héstia






(Héstia, da mitologia grega, é guardiã do fogo sagrado e vale-se da solidão para renascer)
 
Longe de ser a Hora da Estrela, nessa madrugada nem Selene, deusa-lua, flutua na imensidão de breu que me cobre. E, por seu turno, ainda que eu recorra aos livros, os únicos lampejos de literatura que me ocorrem são esses: patéticos desabafos que sequer me pertencem, porque já os ouvi aqui e acolá nas bocas amargas das gentes que não sabem o que querem.                         
Rolo na cama e faço rebuliço entre os lençóis com a vivacidade de amores novos, mas há pouco mais do que a densidade das sombras e um vão que me envolve. Também essas sensações de ausência não são originalmente minhas. Já as contemplei mais cedo, quando a música invadia o parque e o banco ao lado de alguém estava vazio e aquela mão parecia vaguear à procura de outra.                        
Era um estar sozinho sutil, que caiu aos meus olhos com certa melancolia e que, ao invés de engolir ali mesmo, trouxe para casa, trouxe para a poesia.
Apodero-me, assim, do cotidiano que escapa das vitrines e os acomodo, confortáveis, em meu leito, até que, inquietos, transformam-se na palavra que me teima e me salta, buscando o rumo branco de mais um dia ou de um papel.                                                                          
Desse modo, não sei mais quais dessas agonias que me invadem são completamente minhas, quais foram inventadas, quais devo libertar (ou abandonar) e quais devo preservar pelo prazer de tentar domá-las.     
Não sei em que medida pertenço ao meio em que estou, em que medida me cabem aqueles olhares (sejam os casuais, os curiosos ou, quiçá, de admiradores [?!]) e, não perceber-me nesse tempo dá-me ares de distraída, ora lânguida, talvez lacônica, mas à espreita das frestas de minhas janelas interiores, o que se vê é agitação.
Experimento, silenciosa, paixões avassaladoras de um bom dia, turbilhões de uma coleção de roteiros abandonados, pensados puramente para não acontecerem, saudades dos dias que estão por vir e desejos de passados tão remotos que, aos meus olhos, só mil anos (para trás) me deixariam, de fato, à vontade.                        
É que se pareço calmaria no fim da tarde, estou me preparando para arder nessas fogueiras antigas.
É que se me cabem forças de montanha, por dentro, corre a lava, contenho, à duras penas, a energia de um vulcão.
É que se sigo em desvio de rio, estou saudosa das águas profundas e das (tão minhas) insatisfações de maré.
É que se venço o dia e suas gentes desinteressantes e cansativas e suas vaidades inúteis, estou à espera do momento em que serei eu: a noite. É, portanto, por amar as noites que resisto aos dias. É porque me crio sob a lua que aprendi a caminhar com o Sol.
Não tenho o sagrado descanso noturno. Não me cabem braços ou abraços, mas é assim, sob o céu negro, em minhas inquietudes plenas que ganho as forças necessárias para o novo dia.

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