Era tudo deserto. Era tudo imenso. Ela era
pequenez, insegurança e querência: queria mais do que tudo um colo, um abraço,
um afago – mais na alma que nos cabelos.
Como era grande o seu deserto. Tão grande que
os olhos cansavam de buscar o limite. Tão grande que a boca desistia de pedir
água. Tão largo que os pés não ousavam buscar um oásis.
Dos grãos de areia que a cercava, tirava a
certeza de ser cada vez mais pó: destino irremediável de todos aqueles cujos
corações batiam.
Dos grãos de areia, ela pensava em poeira: a
poeira que (en)cobria tudo o que ela jogava para o seu porão: de quinquilharias
a sentimentos, de roupas velhas a telefones amarelados.
Era grande o seu deserto e tudo era deserto.
Sequer uma alma vagava pelas dunas. Sequer um caravaneiro, um beduíno de ideias
envoltas em preto-e-branco-tradicional. Não desfilavam camelos. Oásis não
brotavam com suas tamareiras. Nem de longe o dourado de um damasco poderia ser
lembrado àquela imensidão sob seus pés que desafiava misturar-se com o céu,
petulantemente azul, mas rasgado por raios tão laranja quanto quentes.
Tudo era deserto e ela perecia em sua paisagem.
Sabia que as cores haviam sido escolhidas por ela. Sabia que as fontes haviam
secado por suas próprias mãos. Se a alma era deserta, se vagava com o vento
como companheiro era sua escolha. Ou pelo menos, era fruto de seus passos. Nem
ela mesma se permitia atravessar.
Grande era aquele deserto. Grande era a porta
pela qual ela havia passado sem se dar conta de que era um erro. Grande era a
caminhada de volta, a jornada para fora de sua secura. Maior ainda era o
esforço de virar, de fazer em si mesma o retorno. Grande era a falta de coragem
e, por isso, a pequenez.
Por não se achar capaz de seguir sozinha, não
dava nenhum passo e definhava sob o sol quente de seus verões intermináveis,
mas desejosos de um outono mais calmo, fresco e confortável.
Era como uma criança: desejosa de mimos, mas
seu mimo simples. Sua vontade era de braços, de abraços, de força para
caminhar. Sentada à beira de si mesma, refletia sobre a vida. Sobre o que
estava carregando consigo e deu-se conta de que não tinha bagagens. Ela era a
sua própria bagagem.
Não havia fardo a carregar. Se não há malas
pesadas, tudo o que se faz de dificuldades estava vindo de dentro para fora e
era preciso desfazer-se de seus pesos mortos, das pedras que fora acumulando ao
longo de seu caminho.
Desfazendo-se em pedaços, transformando-se em
outra, seu deserto foi ficando mais ameno. Se as areias pelas quais percorria
seus dias eram vastas, muito maior que elas era a vida e esta valia a pena se
fosse um oásis.
A cada novo desprendimento, mais leveza, mais
frescor, mais renovo e logo sentiu-se maior, mais forte, mas ainda menina. A
cada nova abertura de si mesma novos horizontes e novos olhares e novas
realidades e até paisagens.
Por ter aprendido que tudo é passageiro,
encontrou em seu deserto um lugar não mais tão imenso, mas com limites bem
definidos e necessário: um lugar de reflexões, de ponderações, de
fortalecimento e, a partir de então, seu deserto passou a ser o colo que tanto
buscava.
Ela fez de seu deserto o abraço que precisava
para crescer e se entregava a ele como criança todas as vezes que a vida se
mostrava difícil. E aprendeu a tirar de seu deserto a sua força.
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