Ela não sabia
o que era o amor. Até ali, onde seus pés haviam caminhado, não encontrara nada que
a fizesse ter a sensação de estar amando. Ela jamais havia atentado para os
detalhes que a cercava e isso a impedia de ver as sutilezas que compõem o amor.
Naquele
entardecer de primavera ela corria, como sempre. Passava pelas ruas sem olhar
nos olhos das pessoas, atabalhoada com seus pensamentos. Carregava muitas
sacolas não mais cheias que sua cabeça.
Isolava-se do resto
do mundo ouvindo uma canção qualquer pelos fones de ouvido. Cantarolava, mas
era uma atitude mecânica. Não prestava a atenção no que dizia. Só corria e
tentava não se atrasar mais do que já estava atrasada.
Mas era uma
quarta-feira. Ela não tinha compromissos nas noites de quarta. Por que estaria
atrasada? Não se entendeu. Não sabia de onde vinha aquela sensação de atraso
que lhe incomodava o coração e que a fazia, repetidas vezes, olhar para o
relógio no pulso esquerdo.
De repente
descobriu-se vagando pelas ruas sem saber para onde ia. Só entrava e saía pelas
vielas que sequer conhecia. Caminhou assim por muito tempo, esquecendo-se até
das sacolas que carregava. Percebeu que não pensava em nada naqueles minutos. Só
andava e ouvia um som qualquer, sem se concentrar na música.
Subitamente parou.
Estava no centro de uma praça. Era uma praça grande, movimentada, rodeada por
prédios enormes, típico de uma cidade grande. Ela levantou os olhos e perdeu-se
olhando os últimos raios de sol que douravam uma dessas construções. Fechou os
olhos, respirou fundo... foi atropelada por homem que falava acelerado no
telefone celular e que foi o responsável por quebrar toda magia daquele
momento.
Quando ela
abriu os olhos estava pronta para despejar um sem fim de comentários grosseiros
ao seu atropelador, que informalmente lhe acenava como se pedisse desculpas,
mas sem se desviar do assunto que tratava ao telefone. Ela cerrou os olhos e
encontrou os olhos dele. Silêncio. Uma pausa estendeu-se entre os pensamentos
dela, os raios de sol entre os prédios, a conversa no telefone e o homem ali
parado.
O coração dela
acelerou. O telefone dele desligou. Seguiu-se um diálogo plástico, onde as
desculpas não eram sinceras e as palavras não se organizaram numa conversa que os
levasse a algum lugar, mas notaram-se que um dos dois fez um convite para um
chopp e o outro aceitou.
Como em um
roteiro clichê de um filme de garagem eles sentaram num bar, mataram o
entardecer e viram cair a noite. Mais que isso, perceberam o quanto tinham
assunto, mesmo sendo completos desconhecidos e um certo desconforto, um “não
saber o que fazer com as mãos” tomava conta deles a todo instante.
Pela primeira
vez ela atentava para os detalhes. Percebeu cada sutileza que a cerceava. Sentiu
o som de cada sílaba do que ele dizia penetrar pelos seus ouvidos e encher a
mente. Sorriu. Um riso largo que encheu todos os vãos das construções que ela
olhava admirada há tão pouco tempo. Preencheu os vãos da vida do rapaz.
Ela quis
congelar aquele instante. Quis entender o que acontecia. Fora tomada de uma
aflição e uma calmaria inexplicáveis. Piscou os olhos e teve a certeza de que
havia encontrado alguém especial, alguém que realmente a fizera despertar para
uma existência mais interessante. Em uma quarta-feira comum ela sentia que
estivera atrasada a vida toda com relação ao amor e agora tinha o desejo de
segurar aquele sentimento e de não deixa-lo ir embora, mas as coisas não
acontecem bem assim.
Com a
quinta-feira se anunciando ele pagou a conta, sorriu gentilmente despedindo-se.
Ela se adiantou também. Prometeram um ao outro que se falariam de novo – ela não
sabia, mas ele também havia gostado daquela companhia. Caminharam até a calçada
do bar, se olharam, cumprimentaram-se e seguiram para lados opostos.
No caminho de
casa cada um deles se sentia mais leve do que o de costume. Havia um quê de
tranquilidade naqueles sorrisos trocados. Havia uma paz enorme nas horas
passadas junto. Havia uma vontade de realmente se encontrarem de novo. Mas essas
eram sensações novas para ambos e como não eram acostumados com elas, temiam. Por
temerem o novo e as suas descobertas não chegaram a se ligar. Nunca mais se
falaram de novo, mas todos os dias um preenchia a lembrança do outro e todas as
vezes que passavam por aquela praça, por aquele bar onde estiveram juntos,
olhavam ansiosos na tentativa de se verem.
O reencontro
nunca aconteceu, porque o destino é caprichoso: dá apenas a primeira
oportunidade. As outras devem ser criadas por nós mesmos, para que saibamos o
tamanho da nossa responsabilidade na construção e manutenção de nossa
felicidade.
Seguiram seus
caminhos como tantos outros o faziam e o fazem. Experimentaram uma amostra grátis
do que poderia ter sido um grande amor. Viraram apenas mais um caso de “era uma
vez” que teve o seu “final feliz para sempre” abortado, acreditando que o “pra
sempre, sempre acaba”...
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