Visitas da Dy

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Amostra Grátis




Ela não sabia o que era o amor. Até ali, onde seus pés haviam caminhado, não encontrara nada que a fizesse ter a sensação de estar amando. Ela jamais havia atentado para os detalhes que a cercava e isso a impedia de ver as sutilezas que compõem o amor.
Naquele entardecer de primavera ela corria, como sempre. Passava pelas ruas sem olhar nos olhos das pessoas, atabalhoada com seus pensamentos. Carregava muitas sacolas não mais cheias que sua cabeça.
Isolava-se do resto do mundo ouvindo uma canção qualquer pelos fones de ouvido. Cantarolava, mas era uma atitude mecânica. Não prestava a atenção no que dizia. Só corria e tentava não se atrasar mais do que já estava atrasada.
Mas era uma quarta-feira. Ela não tinha compromissos nas noites de quarta. Por que estaria atrasada? Não se entendeu. Não sabia de onde vinha aquela sensação de atraso que lhe incomodava o coração e que a fazia, repetidas vezes, olhar para o relógio no pulso esquerdo.
De repente descobriu-se vagando pelas ruas sem saber para onde ia. Só entrava e saía pelas vielas que sequer conhecia. Caminhou assim por muito tempo, esquecendo-se até das sacolas que carregava. Percebeu que não pensava em nada naqueles minutos. Só andava e ouvia um som qualquer, sem se concentrar na música.
Subitamente parou. Estava no centro de uma praça. Era uma praça grande, movimentada, rodeada por prédios enormes, típico de uma cidade grande. Ela levantou os olhos e perdeu-se olhando os últimos raios de sol que douravam uma dessas construções. Fechou os olhos, respirou fundo... foi atropelada por homem que falava acelerado no telefone celular e que foi o responsável por quebrar toda magia daquele momento.
Quando ela abriu os olhos estava pronta para despejar um sem fim de comentários grosseiros ao seu atropelador, que informalmente lhe acenava como se pedisse desculpas, mas sem se desviar do assunto que tratava ao telefone. Ela cerrou os olhos e encontrou os olhos dele. Silêncio. Uma pausa estendeu-se entre os pensamentos dela, os raios de sol entre os prédios, a conversa no telefone e o homem ali parado.
O coração dela acelerou. O telefone dele desligou. Seguiu-se um diálogo plástico, onde as desculpas não eram sinceras e as palavras não se organizaram numa conversa que os levasse a algum lugar, mas notaram-se que um dos dois fez um convite para um chopp e o outro aceitou.
Como em um roteiro clichê de um filme de garagem eles sentaram num bar, mataram o entardecer e viram cair a noite. Mais que isso, perceberam o quanto tinham assunto, mesmo sendo completos desconhecidos e um certo desconforto, um “não saber o que fazer com as mãos” tomava conta deles a todo instante.
Pela primeira vez ela atentava para os detalhes. Percebeu cada sutileza que a cerceava. Sentiu o som de cada sílaba do que ele dizia penetrar pelos seus ouvidos e encher a mente. Sorriu. Um riso largo que encheu todos os vãos das construções que ela olhava admirada há tão pouco tempo. Preencheu os vãos da vida do rapaz.
Ela quis congelar aquele instante. Quis entender o que acontecia. Fora tomada de uma aflição e uma calmaria inexplicáveis. Piscou os olhos e teve a certeza de que havia encontrado alguém especial, alguém que realmente a fizera despertar para uma existência mais interessante. Em uma quarta-feira comum ela sentia que estivera atrasada a vida toda com relação ao amor e agora tinha o desejo de segurar aquele sentimento e de não deixa-lo ir embora, mas as coisas não acontecem bem assim.
Com a quinta-feira se anunciando ele pagou a conta, sorriu gentilmente despedindo-se. Ela se adiantou também. Prometeram um ao outro que se falariam de novo – ela não sabia, mas ele também havia gostado daquela companhia. Caminharam até a calçada do bar, se olharam, cumprimentaram-se e seguiram para lados opostos.
No caminho de casa cada um deles se sentia mais leve do que o de costume. Havia um quê de tranquilidade naqueles sorrisos trocados. Havia uma paz enorme nas horas passadas junto. Havia uma vontade de realmente se encontrarem de novo. Mas essas eram sensações novas para ambos e como não eram acostumados com elas, temiam. Por temerem o novo e as suas descobertas não chegaram a se ligar. Nunca mais se falaram de novo, mas todos os dias um preenchia a lembrança do outro e todas as vezes que passavam por aquela praça, por aquele bar onde estiveram juntos, olhavam ansiosos na tentativa de se verem.
O reencontro nunca aconteceu, porque o destino é caprichoso: dá apenas a primeira oportunidade. As outras devem ser criadas por nós mesmos, para que saibamos o tamanho da nossa responsabilidade na construção e manutenção de nossa felicidade.
Seguiram seus caminhos como tantos outros o faziam e o fazem. Experimentaram uma amostra grátis do que poderia ter sido um grande amor. Viraram apenas mais um caso de “era uma vez” que teve o seu “final feliz para sempre” abortado, acreditando que o “pra sempre, sempre acaba”...

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