Há quatro ou
cinco dias, por unanimidade, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal o Sistema
de Cotas Raciais. Houve um furor sobre o assunto, especialmente na internet. Na
TV eu não sei, não assisto TV. Poupo-me dos programas de humor sem graça e dos
apresentadores clichês que se esparramam pelos canais.
Depois de ler
um sem fim de artigo e de opiniões sobre o tema, voltei a esse texto que
escrevi quando a questão ainda não havia tido um desfecho e ele versava sobre a
minha contrariedade às cotas. Minha opinião não mudou.
Usam a “dívida
histórica” para defender as cotas. Dizem que negros e índios não partem de um
mesmo lugar para disputarem a vaga no vestibular. Apontam que o vestibular é um
meio de elitizar as universidades, que peneiram os mais bem preparados e logo,
os brancos filhos da elite ou da classe média emergente que cresce no país. Sou
absolutamente a favor desses argumentos, mas não os aceito puros e simples como
respostas nem para favorecer nem para contrariar o sistemas de cotas. A discussão
precisa ir além.
O Brasil teve
sua história marcada por uma monarquia escravista enquanto toda a América
Latina já havia superado essa mão de obra. Após a abolição da escravidão, em
1888, não lançamos programas sociais que atendessem os negros e os inserissem
na ordem do dia do sistema nacional. Por isso eles merecem tratamento
diferenciado???
Nossos indígenas
foram expropriados, usados como mão de obra nas missões em troca de uma
catequização e de uma “civilidade” que não desejavam, eram os donos da terra e
passaram a ser minoria em pouco tempo de ação dos bandeirantes portugueses e
sua trupe. Por isso eles merecem tratamento diferenciado???
Temos uma
constituição que rege nossa república e que nos coloca em pé de igualdade
perante a lei. Isso deveria bastar. Colocar o negro e o índio em situação de
diferença ao adotar o sistema de cotas é, ao meu ver, no mínimo, um absurdo,
mas muito mais que isso, é o Estado assumir o seu papel de incompetência e de
falta de vontade ao longo de todos esses anos, especialmente a partir de 1996,
quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), lei nº 9394/96, entrou em
vigor.
Se somos
iguais perante a lei por que a necessidade de se diferenciar os grupos para a
entrada na universidade pública? Por que eu, filha de pais brancos, não terei o
mesmo direito? É a cor de minha pele o fator que me deixa em condição de ser
melhor ou pior que alguém?
Não admito que
haja um sistema de cotas raciais, porque não admito raças diferentes. Admito etnias
e já aponto um erro conceitual em toda essa discussão. Outro problema é se
falar em grupos étnicos no BRASIL como se fosse possível manter uma “pureza”
etnica, atentem só um instante para a nossa formação histórica: no início eram
os índios, chegaram os portugueses que trouxeram os negros e depois, não
satisfeitos e vendo o fracasso do sistema escravista, abriram nossos portos
para os imigrantes e recebemos alemães, italianos, chineses, japoneses,
húngaros, russos e toda a sorte de povos. É acho que somos um país de
mestiços... logo, essa história de cotas, pra mim não faz o menor sentido.
Não admito
gostas raciais porque é segregar muito mais o estado: daqui a pouco teremos,
para além das absurdas cotas para estudantes de escolas públicas em vigor em
muitas universidades, cotas para homossexuais, já que são parcelas da sociedade
que são discriminadas, deixadas de lado e alvo de muitas provocações por parte
de pessoas que não compreendem a diversidade. Serão necessárias cotas para
descendentes de alemães e italianos e japoneses que não receberam seus salários
e foram explorados por seus patrões, os famigerados cafeicultores dos estados
de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Serão
necessárias cotas para as mulheres, já que historicamente nós tivemos uma série
de direitos adquiridos, como o voto, já no século XX.
Poupem-me
desses discursos reparadores. O que é preciso ficar claro é que quando
apontamos o dedo para falar das cotas raciais outros três dedos apontam de
volta para nós mesmos, nos lembrando de que o existe no país é um sistema
educacional precário, que embora venha ganhando políticas públicas que buscam
uma qualidade, ainda está longe de atender a todos como deveria.
Não se trata
de ampliar as oportunidades e sim de garantir os direitos que já são previstos
nas leis. O problema de se ter que colocar um sistema de cotas no Brasil não se
trata apenas da dívida histórica, de nossos erros políticos do passado, mas da
nossa negligencia hoje. Por que é tão mais fácil adotar o discurso histórico? Simples:
nossos mortos não se defendem!
Vamos assumir
nossa parcela de culpa e sermos fiscais de nossas posturas, escolhemos os
políticos, que fiscalizemos o trabalho deles! Mas entendo que assumir a culpa é
bem mais trabalhoso... melhor mesmo é seguir na mesma direção do rio, achar que
a aprovação das cotas foi um avanço e que é uma política de reparação...
enganar-se a si mesmo é uma arte! Eu prefiro assumir a culpa e todo o ônus em
dizer que sou contra o sistema de cotas porque não fiscalizo meus políticos,
porque não aprendi a ter um voto consciente, porque nem sempre cumpro o meu
papel de cidadã.
Aceito que não
temos as mesmas oportunidades: meu filho hoje tem muito mais oportunidades do que
eu na idade dele. E ele tem muito mais do que muitas crianças da mesma idade,
da mesma cidade, que nasceram em berço bem menos provido, da mesma forma como
terá menos oportunidades como uma criança da mesma idade, da mesma cidade
nascida em berço de prata e ametistas. A diferença é como lidamos com essas oportunidades.
Eu soube lidar com as minhas, com esforço e dedicação e sem achar que deveriam
existir políticas que me beneficiasse.
É, pode até
ser que sou radical, pode até ser que estou pautando todo um país pela minha
vivência, mas não mudo minha postura de contrariedade a esse sistema vexatório
de cotas aprovado pelo STF. Vergonhoso.
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