Visitas da Dy

terça-feira, 10 de maio de 2011

O beijo


Estarrecidos. Nenhuma outra palavra poderia definir melhor a condição que os dois se encontravam depois daquele beijo.
Ele se sentia, em seu íntimo, orgulhoso por ter tido a coragem  necessária para arriscar roubar e ganhar o beijo.
Ela, atônita, experimentava uma sensação indescritível. Uma alegria e um temor arrebatavam seu coração.
Os olhos dela pareciam perdidos, mas brilhavam.
Cinco segundos. Não mais que isso durou aquele silêncio. Imóvel. Um longo e paralisante silêncio. Quase um século para os dois.
Levemente ela tocou os lábios entreabertos com seus dedos. Ainda marcados pelo gosto dele. Era uma tentativa de perceber se estava acordada ou sonhando. Estava acordada.
Devagar ele segurou a mão dela que tremia.
“E agora?”, ele quebrou o silêncio.
Fatalmente a resposta dela veio com um sorriso que atravessou o coração dele como um raio e o fez estremecer. Em seguida, ela, aproveitando cada segundo daquele momento, acariciou-lhe os dedos que se entrelaçavam aos seus e discursou apaixonadamente:
“E agora? E agora… o agora é muito pouco pra mim. O agora se transforma no que foi ao momento em que a dúvida é pronunciada. O que é o presente se não o passado que está a menos de um segundo de distância de nós? O agora que veio e foi-se embora deixou-me uma questão que por mais que eu busque não acharei a resposta: o que aconteceu? Essa e a questão. Não, não falo do beijo que em si foi troca de sabores. Falo do que ele causou. Em você não sei. Nunca o saberei de fato. Em mim também não sei. Não encontro definição. Não há palavras ou teorias ou conceitos que exprimam em nenhum livro – e de livros ela entendia bem –. De repente sei que aconteceram várias coisas: música no silêncio e em silêncio; pernas que tremiam e chão que se perdia; borboletas, as teimosas borboletas, essas voavam desesperadamente em meu estômago, assustadas com o barulho dos fogos de artifício que estouravam no meu coração. Os olhos mudaram. E mudou a visão. No meu porto que era seguro veio o furacão e o fogo de um vulcão. A mão que antes significava companhia coração quis transformar em companheiro. O abraço que era diversão, fez-se força, proteção. Vontade de estar, desejo de ficar… É isso: mudança. Grande. O agora era mudança. O que aconteceu depois do beijo, o beijo, não sei explicar. Não sei se quero explicar. Sei que foi bom, que foi despertar. O que vai ser é outra história… e que cabe a nós decidir por começa-la ou aborta-la. O que vai ser é outra história… história que vai ser escrita com as cartas que o tempo vai nos dar. Tempo… demorado foi o tempo que nos separou mesmo estando juntos, demorado o tempo de “se criar coragem” e curto o tempo da ação. Agora instaura-se o tempo da dúvida: o que vai ser?”
Ele estava fixamente olhando para a moça enquanto ela divagava. Para ele as palavras dela saíram daquela boca como se fossem escritas por uma mão delicada com uma caneta tinteiro em um diário. Havia um quê de saudade nas palavras dela: saudade do beijo que acabara de ser roubado, saudade do beijo não ter sido roubado antes, saudades até do que estava por vir. Se ele pudesse imprimir aquelas palavras que acabara de ouvir, com certeza elas estariam em um papel amarelado, como um documento antigo.
Apaixonadamente ela expôs seu coração sem saber ao certo o que isso queria dizer.
Apaixonadamente ele a ouviu.
Ela calou num suspiro. Olhos perdidos, brilhando.
Encontro de olhares. Lágrimas brotavam nos olho dela. Olhos escuros, castanhos, um lago ao anoitecer. A lágrima era uma gota de chuva na margem, pronta para transbordar.
O rapaz, encantado, acariciou-lhe o rosto e com seus polegares conteve as lágrimas, colhendo os dois brilhantes que aqueles olhos verteram.
Pausa. O silêncio ganhou a sala e o tempo pareceu parar enquanto ele inspirou. Encheu-se de uma falsa coragem e preparou-se para responder algo a ela, que ainda se perguntava silenciosamente o que estaria por vir.
“Há amor demais em seu coração”.
Quebrou-se o silêncio. Ele sempre quebrava o silêncio.
Dizendo isso ele aproximou-se beijou-lhe a testa demoradamente e escorregou os dedos pelos cabelos escuros e lisos que emolduravam o rosto dela. Virou-se e saiu sem fechar a porta porque não queria olhar para trás.

(o trecho a seguir pode ou não vir a integrar o texto)

Ele em sua infinita imaturidade se julgava errado, se julgava pouco para ela. Acreditava que não a amava o suficiente ou que não a amava como ela o amava.
Tolo. Ele a amava e sempre a amou, desde que a vira magricela e desengonçada na sua rua pela primeira vez. Mesmo quando não a via, porque era nela que ele pensava todas as manhãs e todas as noites.
Tola. Ela passou dias julgando não ser amada e se convencendo de que ele era igual a todos os outros.
Tolos. Ele acreditava te-la perdido pra sempre e ela desejava não ve-lo nunca mais, mas todas as vezes que se aprontava para sair, sorria com a vaga possibilidade de um encontro casual. Mal sabiam eles que estavam lutando para encerrar um amor que só havia desabrochado com aquele beijo.
Talvez o tempo se encarregaria de junta-los novamente.
O fato é que hoje, para eles a única certeza é que só se encontra a pessoa certa uma vez na vida e saber reconhece-la é fundamental para se viver um grande amor.

4 Comentários:

Isaías Souza disse...

Poxa, com dois finais e tudo, rs! Mas esse negócio de beijo romântico para mim está um pouco "complicado" nesse momento. Prefiro não comentar, rs. Que texto é esse heim... em outros tempos eu até pediria vossa permissão para utilizá-lo. Hoje, o pedido vai ficando cada dia mais distante...
Um beijo (não como o anterior, rs. Ainda bem que amizade serve também para isso)!

Leandro Matos disse...

Por alguns instantes imaginava ler um texto do romantismo do século XIX, rebuscado e minucioso. Em seguida mergulhava num conflito ingênuo e atemporal, humano, atual e por isso sempre moderno. "O que é o presente se não o passado que está a menos de um segundo de distância de nós?"
Sublime...

Dy Eiterer disse...

Lê, obrigada pelo "sublime"! Fico encantada, envergonhada e ao mesmo tempo feliz!
Acredita que essa era uma das frases que eu ia cortar por achar que era óbvia demais?
Obrigada pela doçura do comentário!
Beijoooooooooooooooooo

Dy Eiterer disse...

Ah, Isaías... que texto é esse? bom, tem surgido coisas assim na minha cabeça a todo tempo... acho mesmo que estou enlouquecendo. Até o fim do mestrado acho que terei a minha dissertação e um livro dessas besteirinhas para publicar!
Mais tarde tem mais... todos os dias tem mais!
beijo, querido!

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